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domingo, 8 de setembro de 2019

BRASIL ACIMA DE TUDO E A FAMÍLIA PRESIDENCIAL ACIMA DE TODOS — OU: O MITO TEM PÉS DE BARRO



O lema “Brasil acima de tudo” foi criado durante a ditadura militar pelo grupo de paraquedistas nacionalistas Centelha Nativista e, ao que tudo indica, inspirou o bordão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, adotado por Bolsonaro — que foi paraquedista no exército — para batizar sua coligação. Todavia, a julgar como o capitão vem procedendo ultimamente, a expressão "O CLÃ BOLSONARO ACIMA DE QUALQUER COISA" complementaria perfeitamente a divisa presidencial.

Bolsonaro foi polêmico (para dizer o mínimo) em seus quase 30 anos como deputado do baixo-clero, mas as barbaridades que dizia então não tinham grande repercussão na vida política do país. Agora, as contestar críticas não com argumentos e fatos, mas com ideologia pura, ele não só fomenta crises como coloca o Brasil em situação embaraçosa no cenário internacional.

Observação: Em mais um capítulo da queda de braço com a Ancine, o capitão decidiu que a agência só financiará filmes evangélicos: Os primeiros serão: Bruna Pastorinha! Templo é Dinheiro! A Dentadura do Pastor (com Feliciano) e Querida, converti as crianças (com Doidamares).

O presidente tacha seus adversários de comunistas — assim como o PT tacha os seus de direitistas, fascistas e outras bobagens. Ao descobrir a dimensão do poder de sua caneta Bic (que agora abandonou por ser francesa), passou a esbravejar que quem manda é ele, mais ninguém. Em seus delírios narcisistas, já se comparou ao Rei no jogo de Xadrez, disse que elegeu sozinho boa parte do PSL e que pode deixar o partido quando lhe der na telha. Agora, às vésperas de se submeter a mais uma cirurgia no abdome — agora para sanar um hérnia incisional —, afirmou que não transferiria o cargo para o vice, general Hamilton Mourão, mas depois voltou atrás.

Observação: Uma de muitas lições que nosso presidente deveria aprender é: Nunca se deve nomear quem se pode demitir.

Depois de alardear que o vice-procurador-geral assumiria interinamente a PGR até que ele escolhesse o substituto de Raquel Dodge, surpreendeu a todos tirando da cartola um nome que não fazia parte da listra tríplice do MPF. Para espanto — e desagrado geral —, escolheu o subprocurador Augusta Aras, que já teceu severas críticas à Lava-Jato e foi simpatizante da esquerda lulopetista (ou continua sendo, vai lá saber). É nítido que baseou a escolha em interesses pessoais e de seus familiares, mandando às favas os interesses nacionais dos interesses nacionais.

Até mesmo a claque amestrada criticou a decisão do "mito" — que, na live da última quinta-feira, pediu paciência a todos e, aos bolsomínions, que apagassem as críticas e ataques publicados nas redes sociais. Segundo a tropa de choque palaciana, Bolsonaro fez sua escolha pensando no bem do país, não em agradar ou desagradar setores específico, Mas nem a Velhinha de Taubaté engoliria tamanha potoca. O que o presidente quer é um procurador-geral subserviente e alinhado a suas, digamos, convicções. Só que faltou combinar com o MPF: em nota, a ANPR criticou a escolha de Ares, não só por desrespeitar a lista tríplice, mas também por representar um retrocesso democrático e institucional na relação entre o Executivo e o Ministério Público — órgão independente e que não é subordinado ao Palácio do Planalto.

No Congresso e na ala garantista do STF, a notícia foi como um oásis de água fresca para beduínos sedentos. A banda podre do parlamento, que aprovou o espúrio projeto contra o abuso de autoridade, comemorou entusiasticamente a indicação de Aras, sobretudo porque ela representa mais uma derrota imposta pelo governo ao ministro Sérgio Moro dentro do governo. Já entre os membros da nossa mais alta Corte de Justiça, onde a Justiça raramente se faz presente... bem, é melhor deixar pra lá.

O repúdio dos bolsomínions tem razão de ser. Aras é visto como um petista enrustido, uma biruta de aeroporto que gira para onde o vento sopra. Ao retirar seu nome da cartola, o "messias salvador" virou a maçaneta da porta do inferno. Já tem gente jogando a toalha, classificando de traidor aquele a quem dias atrás venerava como herói. E o timing só piorou as coisas, já que a indicação se deu dias depois que o staff criminal de Raquel Dodge pediu demissão, justamente por farejar algo de podre no reino na PGR.

Observação: Após receber o apoio de Dias Toffoli e Rodrigo Maia para sua recondução ao cargo por mais dois anos, Dodge recomendou excluir o segundo e o irmão do primeiro do acordo de delação de Leo Pinheiro, que acumulava poeira em sua gaveta havia mais de um ano. E agora, quando o liberou, sugeriu ao relator, ministro Edson Fachin, que omitisse citações de Maia e de Ticiano Dias Toffoli. Naturalmente, os procuradores sentiram o cheiro de enxofre...

Vale lembrar que a nomeação de Raquel Dodge para suceder a Rodrigo Janot também gerou protestos e apreensões. Augusto Aras tem um lado “A” e um lado “B”. No lado “A”, é amigo do PT, acha Che Guevara lindo e supõe que a prioridade da Justiça brasileira é proteger os direitos da ladroagem. No lado “B”, ele é o contrário disso tudo. Mas só vai mostrar quem é, de fato, quando começar a tomar decisões. A conferir.

Rodrigo Constantino lembra que o brasileiro parece ser vocacionado a idolatrar políticos. Mas misturar política com religião pode ser um erro fatal. Esperar que um "salvador da pátria", munido apenas do “apoio popular”, enfrente o "sistema", combata os corruptos do “establishment” e conserte o “mecanismo”... Não é assim que a banda toca. Os bolsomínions colocaram o capitão num pedestal, e agora veem que seu santo de devoção tem pés de barro.

Chega de falsos heróis ou de “mitos”. Lideranças podem fazer a diferença, mas precisamos de instituição republicanas sólidas, mas com decência na forma e realismo nos fins. É uma luta lenta, sem bala de prata, sem solução mágica, sem fanatismo. Por outro lado, de nada adianta tirar um santo-do-pau-oco para colocar outro em seu lugar. Temos mais é que torcer para este governo dar certo. Para tanto, é preciso que as reformas avancem e que a Economia retome o crescimento. E isso só será conseguido se pressionarmos o presidente, cujos defeitos vêm se tornando mais visíveis agora, se sem o manto da incorruptibilidade a lhes cobrir. Mas devemos cobrá-lo sem paixão nem ódio. Bolsonaro não é uma entidade sobrenatural. É um político comum, que emplacou três filhos na política e coloca sua família acima de tudo, inclusive do Brasil.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

PONTO E CONTRAPONTO




Se não foram um sucesso retumbante, as manifestações promovidas por bolsomínions e afins tampouco foram um fiasco: milhares de pessoas saíram às ruas em 130 dos 5.570 municípios brasileiros — a maioria vestindo verde e amarelo — em defesa da reforma da Previdência e do pacote anticrime e anticorrupção. As mobilizações ocorreram em cidades dos 26 estados e do DF, mas as mais significativas foram registradas em São Paulo e no Rio. Ainda que tenha havido ataques pontuais ao Congresso — sobretudo contra parlamentares do Centrão — e ao STF, não houve registro de badernas, quebra-quebras, confrontos com a polícia e outros incidentes deploráveis que tais. Numa rápido pronunciamento à imprensa, Bolsonaro, sorrindo de orelha a orelha, classificou o movimento “espontâneo” como um recado “para aqueles que, com suas velhas práticas, não deixam que o povo se liberte”. A adesão foi visivelmente menor que nas manifestações pelo impeachment de Dilma — ou mesmo que no protesto do último dia 15. Em Sampa, os manifestantes se concentraram ao redor de sete carros de som espalhados por oito quarteirões da Avenida Paulista, entre a Brigadeiro e a Augusta. O Nas Ruas — que ocupou o espaço que em 2014 foi dos movimentos Brasil Livre e Vem Pra Rua — levou um boneco inflável gigante do presidente e tocou o jingle de sua campanha. Dito isso, vamos adiante.

O ponto:

Depois de ter distribuído pelo WhatsApp um texto segundo o qual o País é "ingovernável" sem os "conchavos" políticos e de dizer que conta "com a sociedade" para "juntos revertermos essa situação", o presidente Jair Messias Bolsonaro voltou a fazer apelos diretos ao "povo" contra o Congresso — em relação ao qual nutre indisfarçável desprezo, embora tenha sido obscuro parlamentar durante 28 anos. Cresce a inquietante sensação de que o capitão decidiu governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições democráticas, mas como um falso Messias cuja vontade não pode ser contrariada por supostamente traduzir os desejos do "povo" e, mais, de Deus. Ao que parece, o presidente passou a acreditar de fato na retórica salvacionista que permeou sua campanha eleitoral, alimentada por alguns assessores e pelos filhos, com o intuito de antagonizar o Congresso – visto como o lugar da "velha política" e, portanto, como um obstáculo à regeneração prometida ao povo.

Ao cabo de cinco meses de governo, em que todos os indicadores sociais e econômicos apresentaram sensível deterioração, fruto de sua inação administrativa e da descrença generalizada e cada vez maior na sua capacidade de governar, Bolsonaro começa a flertar com a "ruptura institucional", expressão que apareceu no texto que o presidente chancelou ao distribuí-lo na sexta-feira retrasada. Diante da repercussão negativa, em lugar de serenar os ânimos e demonstrar seu compromisso com a democracia representativa, estabelecida na Constituição, o chefe do Executivo ampliar as tensões, lançando-se de vez no caminho do cesarismo.

Ao comentar o texto de teor golpista que passou adiante pelo WhatsApp, Bolsonaro disse que "esse pessoal que divulga isso faz parte do povo e nós temos que ser fiéis a ele". E completou: "Quem tem que ser forte, dar o norte, é o povo". Ora, o mesmo povo que o elegeu para se ver livre das proezas lulopetistas elegeu 81 senadores e 513 deputados, além de legisladores e governantes estaduais. Depois, o presidente divulgou em seu perfil no Facebook o vídeo de um pastor congolês que diz que ele (Bolsonaro) foi escolhido por Deus para comandar o Brasil: "Pastor francês (sic) expõe sua visão sobre o futuro do Brasil", explicou o presidente, que completou: "Não existe teoria da conspiração, existe uma mudança de paradigma na política. Quem deve ditar os rumos do país é o povo! Assim são as democracias". O ilustre salvador talvez conheça a história do Congo, porque a do Brasil ele definitivamente ignora.

No vídeo endossado pelo presidente, o tal pastor, um certo Steve Kunda, diz que, "na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus", como "o imperador persa Ciro", e que "o senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil, você querendo ou não". E lança um apelo aos brasileiros: "Não passe seu tempo criticando. Juntem as forças e sustentem esse homem. Orem por ele, encorajem-no, não façam oposição".

Em condições normais, tal exegese de botequim seria tratada como blague, mas não vivemos tempos normais — pois é o próprio presidente que, ao levar tais cretinices a sério, parece de fato considerar sua eleição como parte de uma "profecia". O resumo dessa mixórdia mística é que Bolsonaro acredita ser nada menos que um instrumento de Deus e o porta-voz do "povo". Portanto, quem quer que se oponha a ele não passa de um sacrílego.

Com 13 milhões de desempregados, estagnação econômica e perspectivas pouco animadoras em relação às reformas, tudo o que o País não precisa é de um presidente que devaneia sobre seu papel institucional e político e que, em razão disso, estimula seu entorno e a militância bolsonarista — a que Bolsonaro dá o nome de "povo" — a alimentar expectativas sobre soluções antidemocráticas como um atalho para a realização de "profecias". O reiterado apelo de Bolsonaro ao "povo" para fazer valer uma suposta "vontade de Deus" envenena a democracia e colabora para a ampliação da cisão social entre os brasileiros e destes com a política. A esta altura, parece cada vez mais claro que o capitão não estava para brincadeira quando disse, em março, que não chegou ao governo para "construir coisas para nosso povo", e sim para "desconstruir muita coisa". Espera-se que a democracia brasileira e suas instituições resistam a essa razia.

Com Reinaldo Azevedo.

Agora o contraponto:

Há um avião pronto para decolar, com combustível suficiente para tirar você da seca. Mas você quer saber se tem vascaíno a bordo, qual a religião do fabricante e o signo do copiloto. Assim está o Brasil, com um grupo de abnegados tentando fazer a reforma da Previdência pegar no tranco apesar de vocês, os analistas zoodiacais do neofascismo imaginário.

Até anteontem, o que importava, basicamente, era ter uma tripulação confiável para tirar o Brasil do deserto deixado pela exuberância da DisneyLula. Após uma eleição cheia de artimanhas para tentar reabilitar o poder da quadrilha, o país escolheu o caminho pelo qual, por vias tortas ou não, a tal tripulação confiável chegou à cabine de comando. Mas vocês não querem mais sair do lugar. Aparentemente, vocês trocaram o Posto Ipiranga pelo salão de cabeleireiro, onde uma desavença sobre a novela da véspera é crise grave. De fato, é uma rotina mais agitada e emocionante, pois o Posto Ipiranga é um tédio.

E assim estamos, neste estanho ano da graça de 2019. Enquanto Paulo Guedes, Rogério Marinho, Sérgio Moro e outros grandes trabalham duro para tirar o país do atoleiro, vocês fuxicam rebotalhos de rede social e tocam nos ouvidos da nação as suas cornetas do fracasso. Nada presta, assim não dá, olê-olê-olá. Os velhos trombeteiros do apocalipse, de Ciro Gomes a Roberto Requião, de Jean Wyllys a Gleisi Hoffmann, estão animadíssimos com a chegada de vocês à orquestra.

A reforma está afundando na CCJ — diziam vocês — porque o governo só existe no Twitter (vocês sabem tudo de articulação política), porque Rodrigo Maia mordeu a orelha do cachorro do Bolsonaro, porque o Mourão é o golpista gente boa (vocês estão na dúvida), porque os filhos são fanfarrões (ah, se eles tivessem MBA em etiqueta comparada…) e, acima de tudo, porque vocês encontraram essa fantasia de corregedores perfumados do estorvo bolsonarista e vão fazer cara de nojo para tudo. A reforma passou bem na CCJ, mas vocês continuaram com cara de nojo, dizendo que demorou (!), dizendo que o projeto do Paulo Guedes foi desidratado e não vai prestar, olê-olê, olê-olá.

Sobre essa parte de viver surfando entre meias-verdades, vocês estão provando aos parasitas do petismo que é possível mentir com muito mais classe do que eles fizeram por 13 anos. Aliás, no salão da resistência democrática não se ouviu um pio sobre a fake news da menina que se recusou a cumprimentar o presidente. Podem poupar suas meias-verdades para explicar esse silêncio hediondo: já entendemos que na nova cartilha de vocês não é permitido apontar eventuais picaretagens na imprensa, porque pode ser entendido como discurso bolso-fascista. Incrível como vocês estão mudados (os cabelos continuam os mesmos, mas o juízo… quanta diferença).

Ainda assim, a nova aposta de vocês não é de todo burra. Não há de faltar bizarrices dos Bolsonaros e seus circundantes para alimentar as crises de fofoca que vocês hoje se dedicam a fermentar e espalhar. Vocês são os colunistas sociais da miragem autoritária, uma espécie de reencarnação da Revista Amiga para futricas de coturno. Não deixa de ser um papel na sociedade.

Se apesar de vocês o avião decolar e tirar o Brasil da seca, vocês obviamente vão querer embarcar correndo, pedindo educadamente desculpas pelo atraso. Não tem problema, a tripulação que está dando duro mal sabe de vocês (não dá tempo de ler a Revista Amiga). São democratas — exatamente como vocês fingem ser — e não irão barrar ninguém. Talvez os passageiros a bordo não sejam tão receptivos, mas não dedicarão a vocês nada pior do que uma cara de nojo, como a que vocês hoje fazem para tudo. Nada grave, eles apenas terão entendido quem vocês são.

Com Guilherme Fiúza.

Independentemente da adesão às manifestações pró-Bolsonaro, líderes dos partidos que comandam o Congresso definiram um pacote de medidas para limitar o raio de ação do presidente. Avaliação uníssona colhida pela Folha entre congressistas é que o capitão tem demonstrado incapacidade de governar (quando a isso, é impossível discordar). Além de acelerar discussões sobre impeachment (aí já entramos no campo minado das asnices), a insatisfação encontra lastro e incentivo no mundo empresarial e financeiro, o que faz deputados e senadores assumirem a dianteira de iniciativas como as reformas da Previdência e tributária. "Vai ser necessário ignorar o governo, não tem outra saída", afirma o deputado Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara. O lema dessa caterva parece ser "Desinformação acima de tudo, ignorância acima de todos". Que Deus nos ajude.

Tanto os seguidores atávicos do presidiário de Curitiba quanto os do ex-astrólogo autoproclamado guru e rei da grosseria não são maioria, são apenas barulhentos. A maioria é formada por pessoas com desejo genuíno de construir um país próspero, justo e feliz. O problema é que muitas dessas pessoas estão sendo manipuladas pelo medo, a reboque de notícias falsas.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

DOMINGO DE MANIFESTAÇÕES NO PAÍS QUE NÃO PODE DAR CERTO



Segundo O ANTAGONISTA — que às vezes exagera um pouco, mas em geral sabe das coisas —, Lula mandou o PT abandonar qualquer plano para derrubar Bolsonaro. A informação, originalmente publicada pela Folha, dá conta de que o molusco, consultado na cadeia, disse aos dirigentes petistas não ver sentido na defesa de um ”Fora, Bolsonaro”, pois seria o mesmo que clamar pela ascensão de Hamilton Mourão. O site menciona ainda que “o recado já chegou ao STF”, mas eu não sei como interpretar esse destaque da notícia. Ninguém duvida de que o criminoso de Garanhuns continua comandando sua organização criminosa de dentro da cadeia, mas daí a... bem, tirem suas próprias conclusões, e se acharem que dá para acreditar num país onde descalabros com esse acontecem, eu os saúdo, caríssimos leitores.

Ao endossar um texto segundo o qual o Brasil é "ingovernável", avalizar um vídeo em que um pastor lunático o qualifica de “enviado por Deus para consertar o país” e empurrar seus seguidores nas redes para uma manifestação anti-Congresso, Bolsonaro dá sinais de que pretende criar, no processo eleitoral brasileiro, um terceiro turno (depois de prevalecer no primeiro como candidato antissistema e despachar o lulopetismo no segundo). Todavia, se analisarmos o comportamento dos nobres deputados em relação à reforma previdenciária e ao pacote anticrime e anticorrupção, fica difícil não dar certa razão ao capitão. Na última quarta-feira, por exemplo, a Câmara, ainda que por exígua maioria, devolveu o Coaf ao ministro Paulo Guedes, temendo que, com o Conselho sob o guarda-chuva de Sérgio Moro, seu acerto de contas com a Justiça fosse antecipado. Olhando a coisa pelo lado positivo, ao menos já não há o risco de ressurreição do organograma de Michel Temer, com 29 ministérios em vez dos atuais 22.

Classificar de idiotas úteis os manifestantes que saíram às ruas para protestar contra o contingenciamento de verbas para a Educação pode ser má escolha de palavras, mas se considerarmos que uma parcela da turba era composta de baderneiros mascarados, armados com barras de ferro e coquetéis molotov, há que reconhecer que Bolsonaro tem alguma razão.

Observação: O conceito de "idiotas úteis", atribuído ao próprio Lenin, referia originalmente aos intelectuais ocidentais simpáticos ao socialismo que, alheios ao fato de que eram descartáveis para o regime de Moscou, disseminavam propaganda, desestabilizavam governos e preparavam o terreno para a revolução comunista — ou qualquer outro objetivo intermediário em prol da utopia marxista. Na Rússia, a expressão era usada em comunicações oficiais e refletia o apreço dos soviéticos por seus agentes e entusiastas. Com o passar do tempo, a definição se ampliou e passou a referenciar pessoas politicamente engajadas, mas que não se percebem como massa de manobra a serviço de um grupo. 

Aos críticos de boa-fé, bastaria conhecimento superficial da reforma previdenciária e do contingenciamento do ensino superior para abdicar de sua participação nas manifestações do último dia 15. A oposição a essas medidas é essencialmente baseada em desinformação e não resiste à matemática — ou à história recente: medidas de austeridade fiscal e cortes muito mais drásticos na Educação foram praticados nos governos lulopetistas, cujos agentes políticos agora se encontram em histérico antagonismo à atual administração. Portanto, não é equívoco nem exagero admitir que a maior parte dos insatisfeitos nas ruas foi, de fato, manipulada.

Existe, entretanto, uma diferença abissal entre constatar uma realidade e cuspi-la na cara do interlocutor. Como reflexo natural, a crítica ofensiva gera uma resposta defensiva e costuma afastar a possibilidade de diálogo. Bolsonaro tem muitas opções além do insulto para lidar com cidadãos que dele divergem politicamente. Até porque o comportamento de manada dos manifestantes de boa-fé denota um posicionamento irrefletido que ainda pode ser modificado — é questão de esclarecimento e persuasão. Falta ao presidente sensibilidade para combater os pastores, em vez de atacar o rebanho incauto.

Não se nega que, ao desqualificar um Legislativo que saiu das mesmas urnas que o consagraram, Bolsonaro realiza uma manobra burra e incoerente, segundo Josias de Souza, para quem o capitão flerta com a burrice ao injetar turbulência numa conjuntura que pede tranquilidade e demonstra incoerência ao emular gente que ele sempre abominou: no plano nacional, o esquerdista João Goulart, que acendeu o estopim do golpe militar de 1964 com suas “reformas de base”, e o pseudo caçador de marajás, populista cuja ilicitocracia lhe garantiu um pé na bunda em 1992; no internacional, Hugo Chávez e seu pupilo Nicolás Maduro, que abrilhantaram seus pendores golpistas com o verniz extraído das manifestações de rua e deu no que deu, ou melhor, no que está dando: ruína e baderna. E um presidente com cheiro de naftalina pré-64, aparência collorida e hábitos venezuelanos é tudo de que não precisamos neste momento.

É difícil prever as proporções que os atos pró-Bolsonaro atingirão, mas o simples ressurgimento daquilo que Juscelino Kubitschek chamava de "o monstro” já pôs a correr parte do centrão e o pedaço do governo pertencente à cota de Olavo de Carvalho. O protesto dos estudantes e professores, mesmo ficando anos-luz aquém das manifestações de 2013, fez o governo liberar R$ 1,587 bilhão para reforçar o orçamento da Educação. Não resolve os problemas do setor, mas atenua a impressão de descaso.

Observação: A arrecadação de impostos e contribuições federais apresentou crescimento real de 1,3% em abril, somando R$ 139 bilhões — o maior valor para o mês desde 2014. Mesmo assim, as escolas públicas não têm verba sequer para comprar giz, nem os hospitais públicos para comprar esparadrapo. Pode dar certo um país onde 50% da população não tem acesso a saneamento básico, quase 50% da água tratada é tragada por vazamentos nas tubulações das redes de abastecimento e o salário mínimo não chega a R$ 1 mil, enquanto a “empresa de palestras” de um ex-presidente corrupto e hoje presidiário faturou R$ 27 milhões em 4 anos? Nem com reza brava!   

Na definição de Juscelino, o monstro é a opinião pública. De raro em raro, a imprensa consegue interpretar seus desejos. Em situações de crise, porém, o monstro dispensa intermediários. Faz o asfalto roncar. O monstro mobilizou-se pelas diretas, derrubou um regime, pôs para correr dois presidentes da República e avalizou o esforço anticorrupção, contribuindo de maneira decisiva para mandar para a cadeia a oligarquia política e empresarial. Agora, revela-se impaciente com a incapacidade do Poder de entregar responsabilidade, estabilidade, probidade e empregos. Por enquanto, a crise está nos gabinetes. Mas o monstro informa que ela pode voltar definitivamente para as ruas. Daí o medo.

Bolsonaro pediu a seus ministros que se distanciem dos atos pró-governo marcados para o próximo domingo, solicitando-lhes, inclusive, que se abstenham de fazer convocações via redes sociais. Horas depois, ele próprio descumpriu sua orientação e voltou a enaltecer a manifestação. Ao tratar novamente do tema na noite de terça-feira, o presidente bateu duas estacas nas redes sociais — uma no cravo, para contentar os "olavetes", e outra na ferradura, para satisfazer os fardados. Primeiro, afagou o pedaço do eleitorado que ainda se dispõe a sair ao asfalto para bater bumbo por ele: "Quanto aos atos do dia 26, vejo como uma manifestação espontânea da população, que, de forma inédita, vem sendo a voz principal para as decisões políticas que o Brasil deve tomar." Depois, fez uma pose institucional: "Acredito na harmonia, na sensibilidade e no patriotismo dos integrantes dos três Poderes da República para o momento que atravessa nossa nação. Juntos, ao lado da população brasileira e de Deus, alcançaremos nossos objetivos!"

A julgar pelo teor de suas postagens nos últimos dias, Bolsonaro estava fora de si, pois revelou-se um presidente respeitoso e de rara compostura. Seu objetivo só foi plenamente alcançado na caixa de comentários, onde seguidores atávicos cuidaram de desferir as caneladas virtuais que a liturgia do cargo o impediu de desferir. Seja como for, à luz do clima beligerante provocado pelo radicalismo dos embates políticos e ideológicos no Brasil contemporâneo, os protestos provocam desde já polêmicas, mesmo que se realizem mais no campo de mitos e fantasias do que no da realidade propriamente dita.

Na avaliação de José Nêumanne, não há por que temer efeitos deletérios, seja do ponto de vista institucional, seja do econômico ou mesmo do equilíbrio das forças políticas em luta. Normalmente, quando se fala em movimentos populares tem-se a impressão de que eles são, pela própria natureza, de protesto, ou seja, contra a autoridade instituída ou com motivo ou assunto específico que desperte a paixão popular. Tolice! Não há protestos a favor, mas não se convocam militantes ou cidadãos apartidários para a rua apenas para protestar. A História é rica em exemplos de massa na rua para apoiar políticos ou políticas, governos ou diretrizes, projetos ou posições. É perfeitamente natural que os chamados “bolsonaristas”, sejam eles correligionários, assessores ou cidadãos comuns, se reúnam para demonstrar seu apoio, sua admiração, sua adesão ou até seu afeto. Nem só de protestos vivem as ruas, mas também do clamor a favor. Por que isso não aconteceria?

Convém, então, esclarecer que eventuais passeatas favoráveis ao governo, qualquer governo, expressam sentimentos e posturas que grupos de cidadãos têm todo o direito de assumir publicamente. Dizia Winston Churchill, talvez o maior estadista mundial no século 20, que “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. A frase contém a experiência de um herói que foi também um grande intelectual, um orador magnífico e um escritor muito talentoso, e descreve exatamente que a grande força dos regimes democráticos reside mais na fraqueza que no vigor. Ela lembra, por exemplo, que o regime convive e se fortalece também pelas palavras e atitudes, por mais desabridas e pesadas que sejam, de seus maiores inimigos. Pode-se lamentar esse paradoxo quando se sabe que Hitler e Mussolini brotaram e se fortaleceram em regimes democráticos e com entusiástico apoio da cidadania atuante. No entanto, mesmo podendo debilitá-lo, essa fragilidade funciona também como uma espécie de vacina para fortalecê-lo.

A prática histórica recente no Brasil é eloquente. É pouco provável que tenha havido neste país aglomerações populares maiores do que as feitas contra o status quo institucional em 2013. Em 2014, Dilma foi reeleita e as forças políticas que a apoiavam ou a ela se opunham mantiveram suas posições nas Casas do Congresso. As ruas clamaram, mas seu clamor não abalou as instituições, para o bem ou para o mal. Pode-se argumentar que o impeachment da calamidade em forma de gente mobilizou as ruas três anos depois, e foram ouvidas pelo Congresso Nacional, que a depôs, como a maioria da cidadania exigia fora de casa e dos escritórios. Mas fica a dúvida sobre até que ponto o povo provocou a deposição da chefa do governo ou comemorou o resultado da inépcia dela tanto ao provocar a ruptura quanto ao não perceber a “astúcia” de seus adversários, como gostava de dizer o personagem humorístico mexicano Chapolin Colorado.

Esse enigma nunca será decifrado, mas a verdade é que há pouco de proveitoso a tirar de uma eventual resposta satisfatória para nosso caso específico do movimento previsto para 26 deste mês. O objetivo das passeatas é fortificar o presidente eleito com 57.796.986 votos contra a investida do chamado Centrão, que passou a controlar a Câmara e, com isso, a atrapalhar seus projetos de reformas, incluída a administrativa. Os atos pró-Bolsonaro serão, no fundo, contra o trio Rodrigo Maia, Paulo Pereira da Silva e Valdemar Costa Neto, condestável sem mandato do semiparlamentarismo praticado. Se um volume espetacular de gente for à rua nos atos, contudo, o mandato do chamado Botafogo do propinoduto da Odebrecht e a influência dos outros dois não serão abalados em um milímetro sequer. Da mesma forma, a constatação de um fiasco em termos de multidão se manifestando não ampliará em um único ponto porcentual a possibilidade concreta de Bolsonaro, nas atuais circunstâncias, ter o mesmo final melancólico da ex-presidanta.

Isso não significa que êxito estrondoso e fiasco tremendo sejam hipóteses vazias. É claro que sucesso nessas manifestações propiciará, no mínimo, imagens positivas a serem usadas pelo presidente da República para provar que seu triunfo eleitoral ainda não se esgotou. Em contrapartida, um malogro tirará dele a melhor arma política que pode usar no longo e doloroso inverno a que será submetido nos próximos anos em seu convívio de conflito e desconfiança com o Centrão. Talvez pensando nisso que a deputada Janaina Paschoal, do alto dos 2 milhões de sufrágios que a fizeram a deputada mais votada da História do Brasil, divulgou sua oposição ao risco de uma aventura malograda. Ela escreveu no Twitter: Pelo amor de Deus, parem as convocações! Essas pessoas precisam de um choque de realidade. Não tem sentido quem está com o poder convocar manifestações! Raciocinem! Eu só peço o básico! Reflitam!…”.

O recado é corajoso e prudente, demonstrando duas virtudes raras em políticos brasileiros hoje. Na certa, ela já terá percebido que existe uma bolha de autossatisfação muito grande entre os adeptos de Bolsonaro nas chamadas redes sociais, e teme pelas consequências desastradas de eventual fracasso. Talvez tal bolha superestime a parcela desse eleitorado que acredita em patacoadas petistas do gênero “o povo unido jamais será vencido”. Ou quiçá ela teme que o movimento seja desvirtuado para uma fé absurda em fantasias intervencionistas de cidadãos enfurecidos ocupando as dependências do Congresso e do STF — outra instituição vista como um obstáculo ao trabalho do capitão.

Na verdade, ninguém tem condições de depor Bolsonaro devido a uma frustração das manifestações de domingo. Afinal, ele foi eleito, diplomado e empossado legitimamente, e só será defenestrado se cometer uma série especial de delitos que não são permitidos ao maior mandatário do País. Mas nem o eventual sucesso extraordinário da convocação do povo terá o condão de corrigir o erro espetacular do presidente ao deixar Rodrigo Maia ser alçado à chefia da Mesa da Câmara e Davi Alcolumbre, também do DEM e sob patrocínio do chefe de sua Casa Civil, à presidência do Senado. 

O Brasil terá de conviver sob a égide de Jair Bolsonaro por mais quatro anos, e só lhe caberá tornar esse fardo menos pesado do que promete ser. De seu lado, presidente e seus apoiadores terão de suportar a partilha do poder republicano com os parlamentares de exíguas votações no comando das duas Casas do Poder Legislativo. Resta ao capitão compreender que não poderia ter entregado a articulação do Congresso ao veterinário gaúcho, sob pena de perpetuar suas consequências funestas. O povo na rua não o libertará dos erros primários cometidos em cinco meses e meio de ventos desgovernados agitando de forma desastrada as birutas em seu campo de pouso. Mas pelo menos servirá de exemplo de força de quem realmente manda na democracia. 

Seja qual for o resultado, as manifestações poderão, quem sabe, dar ao presidente, que usa a expressão, mas parece desconhecer seu significado, a noção de que nas democracias o patrão é o cidadão. E ninguém recebe a delegação para decidir por quaisquer idiossincrasias que cidadãos devem ser privados do exercício desse poder e a quais se reserva o privilégio de seu exercício.

sexta-feira, 29 de março de 2019

O FANATISMO, O CONSERVADORISMO, O REACIONARISMO E A REVOLUÇÃO DE 64


Dicionaristas definem o fanático como alguém que segue de forma cega uma doutrina ou um partido, e associam o termo “fanatismo” ao culto excessivo de alguém ou de alguma coisa, ao zelo religioso excessivo, paixão políticaintolerância religiosa, sectarismo, exaltação exagerada, facciosismo

Alguns afirmam que essas conotações remetam a um culto pagão a divindades primitivas (como Cibele e Belona), mas, a meu ver, a melhor definição em linguagem coloquial é: o fanatismo é uma merda. A militância petista é um bom exemplo de gente fanática, mas os bolsomínions não ficam atrás — o fanatismo desbragado é o mesmo, o que muda é o lado do espectro político.

Deixando de lado a patuleia ignara (vade retro, Satanás!) e focando apenas nos defensores incondicionais do atual governo, chama a atenção o fato de que, com a aproximação do dia 31 de março, as postagens alusivas (e laudatórias) à revolução de 64 se multiplicam em progressão geométrica. E o pior é que não partem apenas de reacionários incorrigíveis e saudosistas sem causa, mas também de jovens (com idade entre 20 e 30 anos) que nasceram depois de 1985, ano em que a democracia foi restabelecida neste projeto de banânia, e, portanto, só conhecem da ditadura o que ouvem falar.

Observação: Os termos “conservador” e “reacionário” não são sinônimos, ainda que não raro sejam usados (impropriamente) como tal. O conservadorismo é uma ideologia de imperfeição humana, não de arrogância epistemológica — em outras palavras, os conservadores procuram preservar o que é válido no presente recorrendo aos instrumentos desse presente, e não a fantasias do passado. Já os reacionários defendem a volta de um passado (de proteção econômica, fechamento nacional e isolamento internacional) que nunca existiu como perfeição — são “reacionários” porque não são capazes de pensar os problemas do presente sem recorrer ao “era uma vez…” que é típico de crianças, não de adultos.

Voltando à revolução de 64, tem-se ouvido com indesejável frequência, inclusive de gente que transita nos altos escalões governamentais, que não houve ditadura no Brasil. Alguns sustentam essa balela por cegueira doutrinária; outros, por má-fé, e outros, ainda, por pura e simples ignorância. Mas convenhamos: ao exortar as comemorações alusivas à "data histórica", nosso presidente flerta com a irresponsabilidade. Tanto é que os generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo lhe pediram cautela.

ObservaçãoEnquanto Bolsonaro se preocupa em comemorar 1964, em 2019 a articulação política do seu governo é o caos absoluto, como se viu pela aprovação da PEC do Orçamento Impositivo, que engessa a atuação da equipe econômica — que, por sua vez, achou a princípio que a PEC era uma boa coisa, por incrível que pareça, para fortalecer a “federalização”. Deixe 1964 e volte para 2019, Bolsonaro. O país precisa urgentemente de um presidente.

Num governo que reúne o maior número de ministros militares desde o período da ditadura — o que já gerou insatisfação de parlamentares —, a comemoração do golpe militar deixou de ser uma agenda "proibida", ainda que não tenha retornado ao calendário de comemoração das Forças Armadas por meio de um decreto ou portaria que a formalize. Na última terça-feira, a Defensoria Pública da União anunciou que ajuizará ação civil pública para impedir que o 31 de março, data de início do movimento golpista, seja comemorado nas unidades militares. Na contramão dessa via, outros próceres palacianos se alinham ao presidente, como é caso do ministro das Relações Exteriores (falo do chanceler de direito, não do zero três), que afirmou nesta quarta, 27, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara dos Deputados, que a intervenção militar de 1964 não foi um golpe, mas um movimento necessário para que o País não virasse uma ditadura (?!).

Para resumir o que poderia se tornar uma longa novela, segue um breve resumo do que foi o golpe militar de 64 e os 21 anos subsequentes, ao longo dos quais generais do Exército se revezaram no poder, chancelados por um jogo de cartas marcadas no Congresso (onde o partido de oposição era meramente figurativo e seus membros, duramente cerceados sempre que ameaçavam incomodar o regime). Como eu tinha 6 anos de idade, o dia da revolução em si não me evoca lembranças, e o que me foi ensinado na escola, nas aulas de História do Brasil e Educação Moral e Cívica, não passou de uma versão deturpada dos fatos. Felizmente, hoje temos a Web e, sabendo separar o joio do trigo, podemos encontrar tudo sobre tudo. O texto a seguir foi baseado num artigo publicado por Carlos Alberto Sardenberg em sua coluna n’ O Globo. Confira:

Partidos e grupos comunistas discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado, se pela luta armada ou pelo caminho reformista. Corria o ano de 1964, e a ampla maioria da esquerda era reformista — pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações.
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O presidente João Goulart, do PTB getulista, no cargo desde a renúncia de Jânio Quadros em 1961, estava claramente no campo da esquerda. Havia comunistas no seu governo e no seu entorno, embora Jango estivesse longe de ser ele mesmo comunista — a exemplo de ilustres membros de seus gabinetes durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e Santiago Dantas, que eram, no máximo, social-democratas, trabalhistas ou nacionalistas, preocupados com a distribuição de renda e a proteção social.

Como o grupo comunista era claramente minoritário nessa aliança, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento dos gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura — mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha, e no governo Lula, mas isso é outra conversa.

Em 1964, o mundo estava em plena Guerra Fria, dividido entre os EUA e a URSS. As plataformas reformistas — aqui, no Chile, na Argentina, em toda parte — procuravam se aproximar não propriamente da União Soviética, mas de um bloco que se declarava independente, o do Terceiro Mundo, que, entretanto, pendia para a esquerda. Ou seja, era adversário dos EUA, que, nessa disputa, patrocinavam ditaduras direitistas para, como se dizia, evitar a ditadura comunista.

Não havia a menor possibilidade de uma vitória comunista, nem pela via reformista, nem pela luta armada. A melhor chance de uma guerrilha no Araguaia ou no Vale do Ribeira era a de ser massacrada, como de fato aconteceu. Mas foi nesse quadro que parte da elite brasileira, representada por partidos e associações civis, bateu às portas dos quartéis. Os militares atenderam rapidamente, pois a doutrina que aprendiam era simplesmente Ocidente versus o Pacto de Varsóvia (a frente militar da URSS). O Congresso chancelou a derrubada de Jango, em abril de 1964, e elegeu presidente o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Mas só o fez porque a alternativa era o fechamento.

Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe, achando que seria um interregno necessário para garantir as eleições presidenciais de 1965, nas quais haveria o embate entre Juscelino Kubitschek (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador, liberal, democrata). Mas não tardaram a se arrepender, e foram abandonando o governo militar à medida que este radicalizava e se transformava numa verdadeira ditadura e dava sinais de que tencionava se perpetuar no poder. Lacerda, apoiador do golpe, terminou cassado e se uniu a JK, também cassado, numa frente pela democracia.

É fato que o Congresso funcionou o tempo todo, menos nos breves momentos em que ousou discordar do regime. O Congresso “elegeu” os presidentes, mas somente depois de eles serem escolhidos entre e pelos generais de quatro estrelas. Partidos políticos foram proibidos, a imprensa, censurada, opositores — fossem democratas ou comunistas —, presos, torturados, mortos. Quando a política econômica finalmente fracassou, com recessão, dívida externa explosiva e inflação, a ditadura caiu e os militares se retiraram, liderados por colegas de bom senso num processo conduzido por políticos habilidosos.

Por essas e outras, não há o que celebrar em 31 de março. Não merece ser comemorada a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa. Isso seria permitir que ódios do passado envenenem o presente e destruam o futuro. Para o presidente da OAB/RJ, Luciano Bandeira, a determinação do presidente Bolsonaro é inconstitucional. "O princípio democrático da República Federativa do Brasil, que está na nossa Constituição, determina que os cargos do Executivo são alcançados através do voto. Comemorar uma tomada de poder pela força das armas, que contraria esse princípio democrático, é apologia a algo contrário ao que prega a Constituição", diz ele. 

Com a devida vênia dos que pensam de maneira diversa, acho que não há como discordar. E nem o que comemorar.