domingo, 8 de setembro de 2019

BRASIL ACIMA DE TUDO E A FAMÍLIA PRESIDENCIAL ACIMA DE TODOS — OU: O MITO TEM PÉS DE BARRO



O lema “Brasil acima de tudo” foi criado durante a ditadura militar pelo grupo de paraquedistas nacionalistas Centelha Nativista e, ao que tudo indica, inspirou o bordão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, adotado por Bolsonaro — que foi paraquedista no exército — para batizar sua coligação. Todavia, a julgar como o capitão vem procedendo ultimamente, a expressão "O CLÃ BOLSONARO ACIMA DE QUALQUER COISA" complementaria perfeitamente a divisa presidencial.

Bolsonaro foi polêmico (para dizer o mínimo) em seus quase 30 anos como deputado do baixo-clero, mas as barbaridades que dizia então não tinham grande repercussão na vida política do país. Agora, as contestar críticas não com argumentos e fatos, mas com ideologia pura, ele não só fomenta crises como coloca o Brasil em situação embaraçosa no cenário internacional.

Observação: Em mais um capítulo da queda de braço com a Ancine, o capitão decidiu que a agência só financiará filmes evangélicos: Os primeiros serão: Bruna Pastorinha! Templo é Dinheiro! A Dentadura do Pastor (com Feliciano) e Querida, converti as crianças (com Doidamares).

O presidente tacha seus adversários de comunistas — assim como o PT tacha os seus de direitistas, fascistas e outras bobagens. Ao descobrir a dimensão do poder de sua caneta Bic (que agora abandonou por ser francesa), passou a esbravejar que quem manda é ele, mais ninguém. Em seus delírios narcisistas, já se comparou ao Rei no jogo de Xadrez, disse que elegeu sozinho boa parte do PSL e que pode deixar o partido quando lhe der na telha. Agora, às vésperas de se submeter a mais uma cirurgia no abdome — agora para sanar um hérnia incisional —, afirmou que não transferiria o cargo para o vice, general Hamilton Mourão, mas depois voltou atrás.

Observação: Uma de muitas lições que nosso presidente deveria aprender é: Nunca se deve nomear quem se pode demitir.

Depois de alardear que o vice-procurador-geral assumiria interinamente a PGR até que ele escolhesse o substituto de Raquel Dodge, surpreendeu a todos tirando da cartola um nome que não fazia parte da listra tríplice do MPF. Para espanto — e desagrado geral —, escolheu o subprocurador Augusta Aras, que já teceu severas críticas à Lava-Jato e foi simpatizante da esquerda lulopetista (ou continua sendo, vai lá saber). É nítido que baseou a escolha em interesses pessoais e de seus familiares, mandando às favas os interesses nacionais dos interesses nacionais.

Até mesmo a claque amestrada criticou a decisão do "mito" — que, na live da última quinta-feira, pediu paciência a todos e, aos bolsomínions, que apagassem as críticas e ataques publicados nas redes sociais. Segundo a tropa de choque palaciana, Bolsonaro fez sua escolha pensando no bem do país, não em agradar ou desagradar setores específico, Mas nem a Velhinha de Taubaté engoliria tamanha potoca. O que o presidente quer é um procurador-geral subserviente e alinhado a suas, digamos, convicções. Só que faltou combinar com o MPF: em nota, a ANPR criticou a escolha de Ares, não só por desrespeitar a lista tríplice, mas também por representar um retrocesso democrático e institucional na relação entre o Executivo e o Ministério Público — órgão independente e que não é subordinado ao Palácio do Planalto.

No Congresso e na ala garantista do STF, a notícia foi como um oásis de água fresca para beduínos sedentos. A banda podre do parlamento, que aprovou o espúrio projeto contra o abuso de autoridade, comemorou entusiasticamente a indicação de Aras, sobretudo porque ela representa mais uma derrota imposta pelo governo ao ministro Sérgio Moro dentro do governo. Já entre os membros da nossa mais alta Corte de Justiça, onde a Justiça raramente se faz presente... bem, é melhor deixar pra lá.

O repúdio dos bolsomínions tem razão de ser. Aras é visto como um petista enrustido, uma biruta de aeroporto que gira para onde o vento sopra. Ao retirar seu nome da cartola, o "messias salvador" virou a maçaneta da porta do inferno. Já tem gente jogando a toalha, classificando de traidor aquele a quem dias atrás venerava como herói. E o timing só piorou as coisas, já que a indicação se deu dias depois que o staff criminal de Raquel Dodge pediu demissão, justamente por farejar algo de podre no reino na PGR.

Observação: Após receber o apoio de Dias Toffoli e Rodrigo Maia para sua recondução ao cargo por mais dois anos, Dodge recomendou excluir o segundo e o irmão do primeiro do acordo de delação de Leo Pinheiro, que acumulava poeira em sua gaveta havia mais de um ano. E agora, quando o liberou, sugeriu ao relator, ministro Edson Fachin, que omitisse citações de Maia e de Ticiano Dias Toffoli. Naturalmente, os procuradores sentiram o cheiro de enxofre...

Vale lembrar que a nomeação de Raquel Dodge para suceder a Rodrigo Janot também gerou protestos e apreensões. Augusto Aras tem um lado “A” e um lado “B”. No lado “A”, é amigo do PT, acha Che Guevara lindo e supõe que a prioridade da Justiça brasileira é proteger os direitos da ladroagem. No lado “B”, ele é o contrário disso tudo. Mas só vai mostrar quem é, de fato, quando começar a tomar decisões. A conferir.

Rodrigo Constantino lembra que o brasileiro parece ser vocacionado a idolatrar políticos. Mas misturar política com religião pode ser um erro fatal. Esperar que um "salvador da pátria", munido apenas do “apoio popular”, enfrente o "sistema", combata os corruptos do “establishment” e conserte o “mecanismo”... Não é assim que a banda toca. Os bolsomínions colocaram o capitão num pedestal, e agora veem que seu santo de devoção tem pés de barro.

Chega de falsos heróis ou de “mitos”. Lideranças podem fazer a diferença, mas precisamos de instituição republicanas sólidas, mas com decência na forma e realismo nos fins. É uma luta lenta, sem bala de prata, sem solução mágica, sem fanatismo. Por outro lado, de nada adianta tirar um santo-do-pau-oco para colocar outro em seu lugar. Temos mais é que torcer para este governo dar certo. Para tanto, é preciso que as reformas avancem e que a Economia retome o crescimento. E isso só será conseguido se pressionarmos o presidente, cujos defeitos vêm se tornando mais visíveis agora, se sem o manto da incorruptibilidade a lhes cobrir. Mas devemos cobrá-lo sem paixão nem ódio. Bolsonaro não é uma entidade sobrenatural. É um político comum, que emplacou três filhos na política e coloca sua família acima de tudo, inclusive do Brasil.