terça-feira, 28 de maio de 2019

AINDA SOBRE AS MANIFESTAÇÕES


Se não houve consenso sobre o número de municípios em que o povo saiu às ruas no último domingo, seria esperar demais que as opiniões dos analistas fossem convergentes em relação ao resultado. Para alguns, o governo saiu fortalecido; para outros, a adesão ficou abaixo do esperado. Como na velha história do copo pela metade, pode-se dizer que ele está meio cheio ou meio vazio, a critério de cada um. Há quem diga que os protestos fariam mal de qualquer jeito, fossem volumosos, fossem pífios.

Particularmente, concordo com José Nêumanne, para quem a impressão que elas deixaram, não tendo sido espetaculares como os bolsonaristas esperavam nem mínimas como previam seus adversários, é que a cidadania em marcha traz sempre bons resultados para a democracia e produzem um equilíbrio maior entre os Poderes da República. Os que são contra o governo recorrem a soluções estapafúrdias e covardes, como o recall planejado no Senado à sombra de Davi Alcolumbre, que ainda não deu conhecimento ao público da fraude transmitida para todo o País em sua escolha para o lugar antes ocupado por Renan Calheiros. Os atos trouxeram como novidade para os dois lados da dicotomia política brasileira nomes de ministros apoiados aos berros nas concentrações populares numa advertência de que o povo sabe mesmo o que quer. O presidente deveria aprender a governar para todos e os mandachuvas do Congresso, a ficarem no espaço restrito de suas cumbucas.

Guilherme Fiúza, mais incisivo, publicou o seguinte texto: “E eis que o debate nacional, cada vez mais dominado pela picaretagem intelectual, chega à suprema impostura: em nome da democracia, as novas vozes da resistência cenográfica decretam que uma manifestação de rua — ou, mais precisamente, a ideia de uma manifestação de rua — é autoritária! Nunca se viu nada parecido em tempos democráticos. A rua agora tem dono, que decide quem pode sair de casa. Fascistas são os outros. Nem Lula, que depenou o país e tentou transformá-lo em quintal do PT, ousou atacar a legitimidade de qualquer manifestação no país — fossem meia-dúzia de gatos pingados mandando-o ir para Cuba ou milhões de pessoas pedindo o impeachment de sua sucessora. Você jamais ouviu de Lula uma palavra contra o direito de qualquer pessoa sair à rua para se manifestar sobre o que bem entendesse. Podia dizer que era coisa da elite branca etc., mas ele jamais alegou que um ato de protestar em público era expressão de autoritarismo. Nem Fernando Collor, talvez o governante mais prepotente que o país já teve, vendo um número cada vez maior de pessoas ocupando as ruas pela sua queda, se atreveu a dizer que havia algo de autoritário ou antidemocrático nas manifestações. E olhem que entre os manifestantes havia gente como José Dirceu, Lindbergh Faria e outros famosos impostores — o que não tirava a legitimidade do movimento popular que levou, de forma democrática, ao impeachment dele. Pois bem. Essa democracia que já sobreviveu a prepotentes e larápios tem agora uma novidade quente: personagens que sempre se disseram liberais aparecem dizendo que a manifestação “A” pode, mas a manifestação “B” não pode. Como não têm coragem de dizer que não pode, dizem que um determinado ato público — que eles não poderiam saber o que é antes de acontecer — contém motivação autoritária; que pode ser um golpe contra as instituições; que é mais democrático ficar em casa. Como eles sabem de tudo isso? Nem Dilma, a famosa vidente que previu os tiros contra a caravana de Lula, ousou insinuar que qualquer das inúmeras manifestações de rua contra ela desaguaria num golpe institucional. Sendo que nem mesmo ela — Dilma, a única —, espalhando por aí até hoje que foi vítima de um golpe, se atreveu a sugerir que as manifestações de rua fossem, em si, uma orquestração autoritária. Nem mesmo ela teve a petulância de intervir nas intenções alheias, de decretar qual protesto é legítimo ou não é. Agora o mais grave (sim, é pior ainda): esses novos democratas de butique sabem muito bem que a agenda de reformas — que eles sempre defenderam — está em implantação (da forma que eles sempre pediram) e está também sob risco de sabotagem. Não por divergência de mérito, mas por disputa de poder. E quando surge a iniciativa de pressionar o Congresso contra a sabotagem da agenda que eles sempre pregaram, de que lado eles ficam? Ficam do lado da sabotagem, dizendo que estão lutando contra a ameaça de fechamento do Congresso. A lógica personalizada é boa por isso: se o dono mandar, ela rebola até o chão, na boquinha da garrafa, e não tem que dar satisfação a ninguém. Todo mundo viu o que a imprensa amiga do PT fez na época do impeachment: fotografava faixas de grupinhos pedindo intervenção militar no meio da multidão pedindo a deposição de um governo corrupto e botava na manchete “o viés antidemocrático” do protesto. É horrível isso, não é? Covarde, canalha, etc., certo? Pois é exatamente o que vocês estão fazendo agora, caros liberais arrependidos. Aliás, vocês estão ajudando a esconder a agenda positiva da equipe do Paulo Guedes (que vocês veneravam até anteontem) com a sua chocante indiferença perante ações cruciais como a MP da Liberdade Econômica — engolida e soterrada em meio a esse falatório periférico que vocês travestem todo dia de crise governamental. Parece que tem muita gente querendo protestar contra a sabotagem das reformas (que é um risco) e da informação (que é uma realidade). E, por mais que vocês queiram, essa gente não vai pedir licença a vocês.

Encerro com a avaliação de Ricardo Noblat e um vídeo de Caio Coppola. Começando por Noblat:

Foi uma manifestação fake, a de ontem. Simples de demonstrar. O que disseram a propósito os seus organizadores? E o que disse à noite o presidente Jair Bolsonaro em uma entrevista chapa branca à Rede Record de Televisão? Organizadores e Bolsonaro disseram que milhares de pessoas foram às ruas de mais de 150 cidades para cobrar a aprovação da reforma da Previdência, do pacote anticrimes do ex-juiz Sérgio Moro, e renovar seu apoio ao governo. Fosse verdade, não teria havido espaço para bonecos gigantes que ridicularizaram o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Afinal, ninguém mais do que Maia batalha pela aprovação da reforma. E isso todos reconhecem. Bolsonaro, não, só finge apoiá-la. Faz as declarações de praxe. E vez por outra fraqueja, deixando às claras seu raso compromisso com ela. O ministro Paulo Guedes, autor da proposta de reforma, até ameaçou ir embora porque o presidente mais atrapalha do que ajuda. O mercado financeiro dá por seguro que a reforma passará no Congresso e em tempo razoável. Então, por que milhares de brasileiros trocariam a praia e o descanso do domingo para suarem a sol a pino em defesa de uma reforma que não inspiraria tantos cuidados? De resto, em que lugar do mundo multidões se reuniriam alegres e ruidosas para comemorar a supressão de direitos conquistados e menos dinheiro no bolso? Ora, por toda parte, reforma da Previdência é sinônimo de confusão e de gente zangada nas ruas. É fato que a violência por aqui ultrapassou o limite do tolerável. E que o Congresso faz restrições ao pacote de medidas desembrulhado por Moro. Mas isso está longe de significar que o pacote irá para o lixo. Convenhamos: cabe ao Congresso aperfeiçoá-lo, não o engolir a seco. E aqui mora o busílis: na verdade, Bolsonaro e seus devotos querem que o Congresso apenas referende os projetos para ali enviados pelo governo. E que a Justiça se comporte como um poder amigável, dócil às suas vontades, e garantidor de suas iniciativas. Assim, começa a fazer sentido o que se viu e se ouviu, ontem, nas ruas – os bonecos de Maia, faixas e cartazes com duras críticas aos políticos e aos ministros do Supremo Tribunal Federal, palavras de ordem que exaltavam o Mito, o Messias, o presidente, ou simplesmente Jair. Sem financiamento empresarial, sem incentivo de partidos ou dos movimentos sociais organizados, a estudantada surpreendeu o governo e todo mundo no último dia 15 ocupando as ruas de 220 cidades para protestar contra o corte de verbas para a Educação.
Bolsonaro chamou os jovens de “idiotas úteis”. Pois os “idiotas úteis” obrigaram o governo a devolver parte do dinheiro cortado. Usados por Bolsonaro como massa de manobra contra o Congresso e a Justiça, os “patriotas” do dia 26 não terão o que celebrar. Congresso e Justiça não recuarão um passo de suas posições. Darão um tempo para só depois retaliar o governo. Conforme-se Bolsonaro com as regras da democracia. Ou então peça para sair.

Com a palavra, Caio Coppola:



Que cada um tire suas próprias conclusões.