domingo, 20 de maio de 2018

AS ENTRANHAS DO SUPREMO E AS ATROCIDADES DE GILMAR MENDES



Dando sequência ao o “tour” iniciado na última quinta-feira, chegamos ao gabinete de Gilmar Mendes, no 5.º andar do anexo II do prédio do STF. O ministro é o único remanescente das nomeações feitas por FHC depois que Nelson Jobim e Ellen Gracie se aposentaram. Formado em Direito pela Universidade de Brasília, com doutorado na Alemanha e uma breve passagem pelo Itamaraty, ele ostenta, talvez, uma das mais sólidas formações entre a composição atual, mas se destaca mesmo é por sua belicosidade ― os embates que travou com Joaquim Barbosa e Marco Aurélio entraram para a história do STF, as recentes rusgas com Luís Roberto Barroso vêm superando as expectativas e suas decisões escalafobéticas disputando, dia sim outro também, espaço na mídia com os boletins do tempo e a cotação do dólar.

Em sua suposta “cruzada” contra as prisões alongadas da Lava-Jato, o superministro tem concedido habeas corpus a criminosos como Jacó Barata, Anthony Garotinho, Joesley Batista, José Dirceu e Roger Abdelmassih (apenas para ficar nos mais notórios). Só mesmo uma patologia jurídica explica essa sua determinação em contrariar o senso comum e desafiar os colegas com decisões monocráticas, como as que tomou na última semana ao mandar soltar Paulo Preto ― ex-diretor da Dersa que desviou R$ 113 milhões para paraísos fiscais ― e Milton Lyra ― lobista apontado como operador do MDB, e, no apagar das luzes da sexta-feira, mais quatro suspeitos de fraudar fundos de pensão e presos na Operação Rizoma.

A vocação para laxante e a propensão a afrontar o colegiado rendeu a Gilmar Mendes, somente no ano passado, meia dúzia de pedidos de impeachment. Desses, dois foram mandados para o arquivo por Eunício Oliveira antes mesmo que tivessem qualquer tramitação, e os demais, aí incluído o que foi respaldado num abaixo-assinado virtual com 1,7 milhão de apoios, dormitam nas gavetas da presidência do Senado. Semanas atrás, o jurista Modesto Carvalhosa protocolou mais um, mas cabe ao Senado julgar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo, e como o número de parlamentares que já foram ou estão prestes a ser denunciados por práticas pouco republicanas não para de crescer, o ministro está pouco se lixando, confiante de que os pedidos continuarão sendo engavetados (ao menos até a próxima legislatura).

As recorrentes trocas acaloradas de opinião entre o Gilmar Mendes e Luiz Roberto Barroso chamam a atenção tanto pela virulência quanto pela circunstância ― inédita, pelo menos até onde a vista alcança ― de um membro da Suprema Corte tratar um colega por “você” (“me deixa de fora desse seu mau sentimento; você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, disse Barroso a Mendes).

Há uma cizânia no STF, e o fator desencadeador é a Lava-Jato, que provocou a ruptura em três níveis: o primeiro no piso térreo dos partidarismos, o segundo no piso intermediário da postura dos juízes em face das penas, e o terceiro no alto plano das concepções teóricas. No térreo, a dissenção no tribunal corresponde às dissenções na política e na sociedade. Mendes, Toffoli e Lewandowski são os ministros com currículo e atuação mais ligados à política e aos políticos. O primeiro trabalhou nos governos Collor e FHC e é próximo do governo Temer. O segundo foi consultor da CUT, assessor jurídico da bancada do PT na Câmara e, no governo Lula, subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil e Advogado Geral da União. O terceiro trabalhou junto à administração do PMDB (hoje MDB) na prefeitura de São Bernardo do Campo e no governo de São Paulo, e no julgamento do mensalão fez o contraponto ao rigor do relator Joaquim Barbosa ― nenhum deles admitirá que os vínculos e as preferências políticas interferem em sua atividade, mas é óbvio que eles são pessoas inseridas na sociedade, e como tal portadoras de preferências políticas.

Observação: O terceto fantástico se consolidou contra o que alega ser avanços indevidos e arbitrariedades da Lava-Jato. Ainda que Mendes se declare antipetista e os demais sejam próximas à petralhada, o acordo entre eles é “você salva os meus que eu salvo os seus”. No campo oposto ficam Fachin, Barroso, Fux, Cármen Lúcia e, eventualmente, Rosa Weber ― um grupo que partilha uma comunhão ideológica em prol de uma faxina na política e uma revolução no modo de fazer campanhas, atuar no parlamento e governar. Ambos os lados fazem seus lances de olho no lance seguinte, e Marco Aurélio, Celso de Mello e Alexandre de Moraes oscilam entre um campo outro.

No piso intermediário fica o garantismo ― diz-se garantista o magistrado que garante a liberdade do réu até a dissipação da derradeira dúvida, a exemplo do ministro Marco Aurélio. Também há os garantistas de ocasião, que só o são quando o réu não é de tendência política contrária, mas isso já é outra conversa. No plano mais elevado situam-se as concepções sobre a natureza e o alcance da Constituição e do STF, e os três níveis da discórdia se fazem presentes, misturados, nas votações de 6 a 5 ou, no máximo, 7 a 4 que têm caracterizado o normal das sessões plenárias. Nas duas turmas, calhou de o trio assombro ficar reunido na segunda, deixando Fachin isolado ou, vez por outra, apoiado pelo decano da Corte. Aliás, as turmas ficaram conhecidas por apelidos: a primeira, que absolve sempre, é o Jardim do Éden, a segunda, que condena, é a Câmara de Gás.

Em setembro, Toffoli assumirá a presidência da Supremo (perspectiva assustadora, mas real). Consola o fato de que ele deixará a segunda turma, e Cármen Lúcia, que hoje é a presidente, assumirá seu lugar. Quando nada, a vida do ministro relator da Lava-Jato ficará menos espinhosa.

Haveria muito mais a dizer, mas vejo agora que este texto já superou (em muito) a extensão que eu considero aceitável. Para não cansar ainda mais o leitor, encerro por aqui.

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