Ao som do apito do árbitro supremo, deu-se início na arena suprema
mais um supremo jogo de cartas marcadas. Para que rendesse suprema bilheteria, a suprema partida foi suspensa depois que um sem-número de bocas-moles despejou da
tribuna outras tantas abobrinhas. Assim, garantiu-se o supremo suspense até a
semana que vem, quando então conheceremos não o supremo vencedor, mas o placar que lhe
deu a vitória — a menos, naturalmente, que o imprevisto tenha voto decisivo na
assembleia dos acontecimentos.
Pelo andar da carruagem e o ladrar da cachorrada,
o gigante eternamente adormecido em berço esplêndido, também conhecido como o
país do futuro que nunca chega, poderá adicionar a esse notável portfólio o epíteto
de republiqueta da vergonha e do retrocesso. Parabéns aos togados supremos por
mais um supremo desserviço prestado à sofrida e extorquida plebe ignara que por alguma razão ainda banca seus supremos estipêndios — até quando,
porém, só mesmo Deus e o Diabo sabem.
Enquanto o PSL segue em pé de guerra, o STF flerta com a convulsão social e o "mito" reencena a peça do rei nu.
Horas antes do início da sessão desta quinta-feira, o
general Eduardo Villas Bôas,
ex-comandante do Exército, mandou pelo Twitter
um recado aos ministros, no qual disse que a mudança na norma que impulsionou o
combate à corrupção pode levar o povo brasileiro a "cair outra vez no
desalento e na eventual convulsão social".
Dois togados supremos foram ouvidos por Josias de Souza. Um ponderou que o general "já não comanda o
Exército e tem o direito de se manifestar como qualquer cidadão", outro tachou
o tuíte de "tentativa bisonha de interferir no resultado do julgamento".
Vale lembrar que, no ano passado, Villas
Boas também recorreu ao Twitter
quando a Corte estava prestes a julgar o pedido da defesa de Lula para que o ex-presidente não fosse
preso. Em linguagem mais direta, ele escreveu à época que o Exército, avesso à
impunidade, estava atento "às suas missões institucionais".
O então candidato Jair
Bolsonaro era um ardoroso defensor em segunda instância. Eleito, não dá um pio
sobre o assunto. Às vésperas do início do julgamento, o capitão recebeu em
audiência o trio calafrio Toffoli, Moraes e Mendes. O teor das conversas não foi revelado.
O apreço retórico de Bolsonaro
pelo encarceramento de corruptos era tão grande que ele fez, no final de 2017,
uma exigência inusual para o PEN, um
dos partidos com os quais negociava sua filiação. Além de reivindicar a troca
do nome da legenda para Patriota,
cobrou a desistência de uma liminar protocolada no Supremo em favor da abertura
das celas dos condenados em duas instâncias. Mas acabou optando pelo PSL.
O PEN cumpriu as
exigências do então candidato. Passou a se chamar Patriota e desistiu do pedido de liminar, destituindo o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Mas já não podia mais abrir mão
da ação: a Ação Direta de
Constitucionalidade é uma ação indisponível e não seria possível a
desistência. Kakay fará sustentação
oral no Supremo, na condição de amicus curiae, em nome do Instituto de Garantias Penais.
Pelo menos dois dos ministros recebidos por Bolsonaro na última
quarta são contrários à prisão de condenados em duas instâncias. Antes, o
capitão torcia o nariz para ambos. Mas descobriu recentemente que Toffoli e Gilmar são amigos de infância que ele conheceu depois dos 60 anos.
A revelação da amizade tardia veio junto com duas liminares que os ministros
expediram para trancar o processo do primogênito Zero Um por peculato e lavagem de dinheiro.
Quanto à crise no PSL,
Josias de Souza explica com maestria:
"Não é que o crime não compensa. É que, quando compensa, passa a se chamar
Partido Político. Se o mensalão e o petrolão serviram para alguma coisa, foi
para comprovar que os maiores partidos brasileiros tornaram-se apenas
ramificações do crime organizado. E o PSL serve para demonstrar que, se você
tiver carisma e disposição para chamar a mesma porcaria de nova política, vai
acabar transformando um partido nanico num gigante do Legislativo. Embora
continue sendo a mesma porcaria".
O PSL tem um
patrono que pede que esqueçam o seu partido. Amanhece com a PF na casa do seu presidente e anoitece
de mãos dadas com arquirrivais como PT
e PCdoB numa obstrução legislativa
contra o governo. Coisa comandada pelo líder Delegado Waldir, que deveria zelar pelos interesses do Planalto. No
Legislativo, a sigla afasta o líder do governo, Major Vitor Hugo, de uma comissão sobre reforma previdenciária dos
militares. No Ministério do Turismo,
tolera um filiado tóxico, já indiciado e denunciado. Na Alesp, o drama de Gil Diniz
pendurado nas manchetes como adepto da "rachadinha" evidencia que Flávio Bolsonaro fez escola.
O nome escondido atrás da sigla PSL é Partido Social Liberal,
mas nada tem de social nem, muito menos, de liberal. Seu liberalismo perdeu-se
no modelo patrimonialista de gestão da milionária verba pública do fundo
partidário. O PSL poderia se chamar Janete ou Partido Sem Limites. Para os seus propósitos, daria no mesmo. E
nada seria capaz de mudar o fato de que o partido do presidente da República
entrou num processo irreversível de autocombustão.
No frigir dos ovos, nosso indômito presidente revela um
talento insuspeitado para um tipo de música especial: a percussão. Ele exibe
uma habilidade extraordinária no manuseio do tambor, mas, como todo artista
talentoso, não toca em qualquer palco. Ao exigir "transparência" do PSL, por exemplo, bate bumbo sob um
enorme telhado de vidro. Depois de abrir uma crise com a legenda pela qual se
elegeu, esclarece que não deseja controlá-la, quer apenas transparência. "Vamos
mostrar as contas", diz Bolsonaro. "O dinheiro é público. São R$ 8
milhões (do fundo partidário) por mês."
Graças a Bolsonaro, o brasileiro descobriu que o imenso
telhado de vidro é o melhor posto de observação para acompanhar a briga interna
do PSL. É dali que o país assiste há
uma semana ao strip-tease da virtude. Os próprios correligionários cuidaram de
lembrar o presidente de que, antes de exibir transparência do partido, ele
precisa levantar o tapete que esconde o enrosco do primogênito Flávio Bolsonaro, o cheque que caiu na
conta da primeira-dama Michelle, o
empréstimo mal explicado feito ao correntista atípico Fabrício Queiroz e os interesses que o levaram a compactuar com o
laranjal do ministro do Turismo.
Num ambiente assim, ao insinuar que a crise é coisa da
imprensa, que só enxerga "coisa ruim", Bolsonaro transforma a
política num outro ramo do humorismo. Por sorte, quem observa com atenção a
gincana de lama que se desenrola no partido percebe que o presidente não tem
apenas o telhado de vidro. O paletó, a camisa e a calça também são feitas de
vidro. O mais curioso é que são seus próprios correligionários, não os
oposicionistas, que avisam ao país que o rei está nu.