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terça-feira, 3 de dezembro de 2019

O INCRÍVEL HUCK



Muita gente que apoiou Bolsonaro para evitar a volta do PT se decepcionou com seu governo. Eu, inclusive. E não sem razão. Embora não alimentasse esperanças de que um obscuro membro do baixo-clero da Câmara Federal pudesse se tornar um estadista da noite para o dia, imaginei que sua postura antipetista e a nomeação do ex-juiz federal Sérgio Moro para a pasta da Justiça e Segurança Pública produziriam efeitos detergentes na corrupção, da mesma que a escolha do Posto Ipiranga reconduziria a Economia aos trilhos do crescimento.

Isso sem mencionar a promessa de acabar com a reeleição, que se tornou mais uma das muitas falácias de campanha que o candidato eleito largou no pé da rampa do Palácio do Planalto — para ficar no exemplo mais notório, cito a "carta-branca" prometida a Moro e o apoio incondicional a seu pacote de medidas anticrime e anticorrupção, que se tornaram letra morta depois que o "mito" abandonou o discurso original ("se for culpado, deve ser punido") para blindar seu primogênito no "Caso Queiroz".

Em 11 meses de governo, o indômito Capitão Caverna se indispôs com Deus e o mundo, vituperou ofensas gratuitas a torto e a direito e demitiu assessores que havia escolhido entre amigos de longa data, conquanto mantivesse no cargo Damares Alves, Abraham Weintraub, o laranjista pesselista Marcelo Álvaro Antônio e outras aberrações indicadas pelo ex-astrólogo e guru palaciano Olavo de Carvalho. Em vez de governar para todos e, na medida do possível, contribuir para baixar a fervura da dicotomia que o câncer vermelho fomentou com seu "nós contra eles", limita-se o presidente a jogar para a plateia, para o nicho que o enxerga como a patuleia desvairada enxerga o sumo pontífice da seita do inferno.

Às vésperas de completar um ano, este governo cravou com sua maior conquista a aprovação da PEC previdenciária, que só passou graças ao empenho do LegislativoBolsonaro não ajudou e ainda fez o que pode para atrapalhar sua tramitação, quiçá para tirar a castanha com a mão do gato, colhendo os frutos da emenda sem associar diretamente sua imagem a uma reforma repudiada pelos brasileiros menos afeitos a raciocinar, sempre abertos às aleivosias do presidiário mais ilustre do Brasil e da caterva de políticos filiados à organização criminosa que ele comenda.

Observação: Bolsonaro se revelou uma profícua usina de crises. Sua beligerância inata, combinada com uma inusitada vocação para ver conspirações e conspiradores em toda parte e impulsionada tanto pelos primeiros filhos quanto por um ministério eivado de apaniguados do retrocitado guru de araque lhe garantiu até mesmo uma denúncia ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, por incitação ao genocídio de indígenas brasileiros (claro que há muita falácia por trás disso, mas o fato é que poderíamos dormir sem essa).

Candidatíssimo à reeleição que prometeu extinguir e em pé de guerra com o cancro vermelho, o intrépido capitão antecipa em dois anos a campanha eleitoral de 2022, que, por mal dos nossos pecados, deve se desenrolar sob a absurda polarização político-partidária que tanto mal tem feito ao país. Na avaliação de Dora Kramer, transitam pelo espaço eleitoral localizado entre o o presidente e o encantador de burros políticos identificados com correntes do centro à direita civilizada, entre os quais destacam-se o apresentador global Luciano Huck e o governador João Doria.

Em público, os artífices da construção daquilo que já esteve em moda chamar de terceira via dizem que é cedo para falar em nomes e assumir candidaturas, mas, nos bastidores, atuam com afinco e o fazem com base em um cenário com os prováveis concorrentes: Bolsonaro, Fernando Haddad — ou o bonifrate da vez —, João Amoêdo, Luciano Huck, João Doria e Ciro Gomes. Rodrigo Maia só entra na lista como possibilidade para vice. 

Os trabalhos do centro (chamemos assim, pois até os nitidamente de direita recusam constrangidos o título, mesmo se tidos como “civilizados”) se concentram em Doria e Huck, o primeiro praticamente assumido como candidato e o outro ainda encenando indecisão, embora já tenha dado o o.k. aos adeptos e nos bastidores esteja em plena construção da empreitada.

O governador e o apresentador estão sentados numa hipotética gangorra, em que hoje Huck está em alta e Doria em baixa. Isso se depreende das conversas em que são listados os atributos de um e de outro. Sobre o governador só se ouvem pontos negativos: impaciência, deslealdade, discurso radical beirando a intolerância, inabilidade política. O único destaque positivo seria o fato de “ter” São Paulo. Nesse aspecto há quem lembre: Geraldo Alckmin e José Serra também “tinham” São Paulo e perderam duas presidenciais cada um.

A respeito do apresentador há ainda poucas certezas, várias dúvidas, mas muita esperança, o que acaba por contar a favor dele no balanço da gangorra. Entre seus ativos são citados obviamente a visibilidade proporcionada pelo programa na Rede Globo, a quantidade de seguidores em redes sociais na casa dos quase 50 milhões, o empenho em ganhar conteúdo em viagens no Brasil e no exterior para conhecer realidades, projetos e ações bem-sucedidas. Além disso, há o time composto de dois pilares importantes, Armínio Fraga na economia e Nizan Guanaes na comunicação, mais um grupo de aconselhamento formado por políticos experientes em cujo currículo está a arquitetura da candidatura Fernando Henrique Cardoso na qual o centro se expressou e depois, no governo, predominou.

Pesquisas internas também fazem os humores pender em favor de Huck. Doria aparece nelas com índices em torno de 5%, enquanto o apresentador chega a 16%, com bom grau de aceitação entre os mais pobres e, em âmbito regional, no Nordeste. Esses dois fatores o tornariam apto a entrar na base do PT. Um bom capital, mas ainda tido como insuficiente.

Há desafios a vencer, sendo o principal deles a capacidade de apresentar uma agenda que fale ao bolso, ao coração e ao bem-estar do eleitorado. Um discurso que se coadune com as demandas do mundo real, a fim de que a via alternativa não seja mera representação de equidistância artificial em relação aos extremos. Para isso, na avaliação dos operadores desse campo, é preciso fugir da lógica de acerto de contas com o passado, propor o que fazer daqui em diante entendendo que as pessoas querem emprego, renda e serviços adequados. No mínimo.

O candidato necessariamente terá de mostrar qualificação robusta, um dos motivos pelos quais ainda pairam dúvidas sobre a viabilidade eleitoral de Luciano Huck. E, pelo timing considerado mais adequado para martelos serem batidos em público, ele não terá chance de dirimi-las tão cedo. A ideia é que fique distante da eleição municipal de 2020 e estenda a definição oficial o máximo possível, a fim de não perder o holofote gigantesco da Globo. Quando seria isso? A partir do segundo semestre de 2021. Um tempo enorme, ainda mais se levado em conta nosso ritmo de montanha-russa na política. O quadro, portanto, senhoras e senhores, é o de hoje devendo ser visto (e talvez anotado) na perspectiva do ponto de partida.

sábado, 12 de outubro de 2019

NO PERU, AS MANOBRAS PARA ABAFAR A ROUBALHEIRA DA ODEBRECHT ABRIRAM O CAMINHO PARA O FECHAMENTO DO CONGRESSO E O BLOQUEIO DO SUPREMO. AINDA HÁ TEMPO PARA EVITAR QUE O MESMO OCORRA NO BRASIL

Ainda sobre o cochicho que virou bochicho (falo do "esqueça o PSL, esqueça Bivar"), Bolsonaro pode ou não deixar o partido pelo qual disputou as eleições presidenciais no ano passado, e que, de carona com sua popularidade, passou de uma legenda nanica, com um único representante na Câmara Federal, à segunda maior bancada da Casa, atrás somente do PT.

Se realmente o casamento terminar — o próprio Bolsonaro comparou o entrevero a uma "briga de marido e mulher", mas seu comentário fez com que essa divergência doméstica fosse ouvida por toda a vizinhança —, é possível que parte dos parlamentares pesselistas sigam o capitão e migrem para o Patriota — partido do qual nossa usina de crises já foi “pré-filiada” no passado.

Antes da campanha de 2018, o "mito" chegou a ser apresentado como candidato à Presidência pelo então PEN — Partido Ecológico Nacional —, que mais adiante trocaria o nome para Patriota. Mas a única ligação entre o então deputado e a sigla foi uma ficha “pré-datada”, com a filiação marcada para o dia 10 de março de 2018, assinada por hoje presidente desta banânia, que reconheceu o "noivado" e a "possibilidade de haver casamento". O romance azedou porque o capitão queria que Gustavo Bebianno assumisse o comando da campanha e que o partido desistisse da ação que abrira no STF contra o entendimento da Corte de permitir prisões de pessoas condenadas em segunda instância, chegando mesmo a dizer que não queria ficar conhecido por pertencer a uma partido que “acabou com a Lava-Jato”.

“Fiz das tripas coração para tê-lo com a gente, mudei o nome do partido, mexi no nosso estatuto, dei mais de 20 diretórios para o grupo dele. Mas você não pode ser convidado para entrar em uma casa e depois querer tomar ela inteira para você, expulsando seus moradores originais”, afirmou Adilson Barroso, dirigente do Patriota. Em dezembro de 2017, Bolsonaro passou a negociar com o PSL, e agora, ao que parece, chegou à fase do "foi bom enquanto durou".

Depois de 11 anos no exército — e de ter sido preso por 15 dias em 1986, após ter escrito um artigo publicado na revista Veja sob o título “O salário está baixo” —, o então capitão passou para reserva e ingressou na vida pública como vereador (na hipótese de não se eleger, pensou em trabalhar como limpador de casco de navio, aproveitando o curso de mergulho que fizera anos antes). Ficou dois anos na Câmara Municipal antes de vencer a primeira das 7 eleições para deputado federal que disputou. Em seus quase trinta anos como deputado do baixo clero, passou por 8 partidos (PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL), respondeu a 7 processos por quebra do decoro parlamentar, apresentou 172 projetos e foi relator em 73 deles, mas conseguiu aprovar apenas dois. Foi escolhido presidente por 57.797.847 dos votos dos 147.305.155 brasileiros aptos a votar (47.040.906 escolheram o bonifrate do presidiário de Curitiba, demonstrando que, além de ser majoritariamente analfabeto, o eleitorado tupiniquim decididamente não cultiva o saudável hábito de pensar) graças a sua postura antipetista e à promessa de travar uma cruzada contra a corrupção na política.

O problema é que desde o ano passado a pecha de político corrupto pende como a espada de Dâmocles sobre o cocuruto de Flávio Bolsonaro, que até hoje não explicou diversas movimentações suspeitas em sua conta corrente e em cujo gabinete na Alerj abundam indícios de "rachadinha" (retenção, em benefício do parlamentar, de parte dos salários dos assessores e funcionários do gabinete) e de contratação de funcionários-fantasma, tudo sob a regência do Maestro-Gasparzinho Fabrício Queiroz, cujo paradeiro só a revista Veja descobriu e, segundo o presidente, está com a mãe de alguém, só não se sabe de quem.

A exemplo do encantador de jegues preso em Curitiba, Bolsonaro é um populista e, como tal, fascina uma significativa parcela da população — os Bolsomínions, que podem ser definidos como petistas atávicos com sinal trocado —, que parece não ver (ou não se importar) que seu "Messias" tem pés de barro. Afinal, ninguém sobrevive a 27 anos na Câmara Federal se for o baluarte da retidão, o exterminador da corrupção, o inimigo figadal a velha política. O capitão vendeu essa imagem, mas ela começou a derreter quando o MP-RJ começou a apertar o cerco em torno de zero um, e assim foi-se a carta-branca de Moro, suas medidas anticrime e anticorrupção e coisa e tal. Parafraseando o desembargador Abel Gomes, do TRF-2, em seu voto pela prisão do ex-presidente Michel Temer, "quem tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré não pode ser um coelho branco".

Como disse Diogo Mainardi, o presidente está dividido entre o entre o acordão com o STF (e a necessidade de negociar com o sistema podre) e o impeachment dos ministros do STF (conflito aberto). Depois de devastar sua base eleitoral, traindo os antigos aliados, Bolsonaro deve se
acertar com o inimigo, cobrindo-o de regalias. Ao mesmo tempo, ele reconhece que o eleitorado bolsonarista repudia esse acordão, sobretudo quando ele é usado para esmagar a Lava-Jato. Para qual lado o mito vai pender? A resposta deve ser dada em 10 de novembro. A ala do bolsonarismo que defende o conflito aberto contra o sistema podre vai às ruas. Se até lá o STF já tiver inocentado Lula (anulando o processo do triplex) e soltado seus comparsas (abolindo o encarceramento em segundo grau), o capitão poderá tentar recuperar uma parte de seu eleitorado alimentando os protestos.

No Peru, as manobras para abafar a roubalheira da Odebrecht abriram o caminho para o fechamento do Congresso e o bloqueio do Supremo. Ainda há tempo para evitar que o mesmo ocorra no Brasil.

Sobrando tempo e havendo interesse, assista ao clipe a seguir, que explica a novela (mais uma) do não ingresso do Brasil na OCDE: