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terça-feira, 3 de dezembro de 2019

O INCRÍVEL HUCK



Muita gente que apoiou Bolsonaro para evitar a volta do PT se decepcionou com seu governo. Eu, inclusive. E não sem razão. Embora não alimentasse esperanças de que um obscuro membro do baixo-clero da Câmara Federal pudesse se tornar um estadista da noite para o dia, imaginei que sua postura antipetista e a nomeação do ex-juiz federal Sérgio Moro para a pasta da Justiça e Segurança Pública produziriam efeitos detergentes na corrupção, da mesma que a escolha do Posto Ipiranga reconduziria a Economia aos trilhos do crescimento.

Isso sem mencionar a promessa de acabar com a reeleição, que se tornou mais uma das muitas falácias de campanha que o candidato eleito largou no pé da rampa do Palácio do Planalto — para ficar no exemplo mais notório, cito a "carta-branca" prometida a Moro e o apoio incondicional a seu pacote de medidas anticrime e anticorrupção, que se tornaram letra morta depois que o "mito" abandonou o discurso original ("se for culpado, deve ser punido") para blindar seu primogênito no "Caso Queiroz".

Em 11 meses de governo, o indômito Capitão Caverna se indispôs com Deus e o mundo, vituperou ofensas gratuitas a torto e a direito e demitiu assessores que havia escolhido entre amigos de longa data, conquanto mantivesse no cargo Damares Alves, Abraham Weintraub, o laranjista pesselista Marcelo Álvaro Antônio e outras aberrações indicadas pelo ex-astrólogo e guru palaciano Olavo de Carvalho. Em vez de governar para todos e, na medida do possível, contribuir para baixar a fervura da dicotomia que o câncer vermelho fomentou com seu "nós contra eles", limita-se o presidente a jogar para a plateia, para o nicho que o enxerga como a patuleia desvairada enxerga o sumo pontífice da seita do inferno.

Às vésperas de completar um ano, este governo cravou com sua maior conquista a aprovação da PEC previdenciária, que só passou graças ao empenho do LegislativoBolsonaro não ajudou e ainda fez o que pode para atrapalhar sua tramitação, quiçá para tirar a castanha com a mão do gato, colhendo os frutos da emenda sem associar diretamente sua imagem a uma reforma repudiada pelos brasileiros menos afeitos a raciocinar, sempre abertos às aleivosias do presidiário mais ilustre do Brasil e da caterva de políticos filiados à organização criminosa que ele comenda.

Observação: Bolsonaro se revelou uma profícua usina de crises. Sua beligerância inata, combinada com uma inusitada vocação para ver conspirações e conspiradores em toda parte e impulsionada tanto pelos primeiros filhos quanto por um ministério eivado de apaniguados do retrocitado guru de araque lhe garantiu até mesmo uma denúncia ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, por incitação ao genocídio de indígenas brasileiros (claro que há muita falácia por trás disso, mas o fato é que poderíamos dormir sem essa).

Candidatíssimo à reeleição que prometeu extinguir e em pé de guerra com o cancro vermelho, o intrépido capitão antecipa em dois anos a campanha eleitoral de 2022, que, por mal dos nossos pecados, deve se desenrolar sob a absurda polarização político-partidária que tanto mal tem feito ao país. Na avaliação de Dora Kramer, transitam pelo espaço eleitoral localizado entre o o presidente e o encantador de burros políticos identificados com correntes do centro à direita civilizada, entre os quais destacam-se o apresentador global Luciano Huck e o governador João Doria.

Em público, os artífices da construção daquilo que já esteve em moda chamar de terceira via dizem que é cedo para falar em nomes e assumir candidaturas, mas, nos bastidores, atuam com afinco e o fazem com base em um cenário com os prováveis concorrentes: Bolsonaro, Fernando Haddad — ou o bonifrate da vez —, João Amoêdo, Luciano Huck, João Doria e Ciro Gomes. Rodrigo Maia só entra na lista como possibilidade para vice. 

Os trabalhos do centro (chamemos assim, pois até os nitidamente de direita recusam constrangidos o título, mesmo se tidos como “civilizados”) se concentram em Doria e Huck, o primeiro praticamente assumido como candidato e o outro ainda encenando indecisão, embora já tenha dado o o.k. aos adeptos e nos bastidores esteja em plena construção da empreitada.

O governador e o apresentador estão sentados numa hipotética gangorra, em que hoje Huck está em alta e Doria em baixa. Isso se depreende das conversas em que são listados os atributos de um e de outro. Sobre o governador só se ouvem pontos negativos: impaciência, deslealdade, discurso radical beirando a intolerância, inabilidade política. O único destaque positivo seria o fato de “ter” São Paulo. Nesse aspecto há quem lembre: Geraldo Alckmin e José Serra também “tinham” São Paulo e perderam duas presidenciais cada um.

A respeito do apresentador há ainda poucas certezas, várias dúvidas, mas muita esperança, o que acaba por contar a favor dele no balanço da gangorra. Entre seus ativos são citados obviamente a visibilidade proporcionada pelo programa na Rede Globo, a quantidade de seguidores em redes sociais na casa dos quase 50 milhões, o empenho em ganhar conteúdo em viagens no Brasil e no exterior para conhecer realidades, projetos e ações bem-sucedidas. Além disso, há o time composto de dois pilares importantes, Armínio Fraga na economia e Nizan Guanaes na comunicação, mais um grupo de aconselhamento formado por políticos experientes em cujo currículo está a arquitetura da candidatura Fernando Henrique Cardoso na qual o centro se expressou e depois, no governo, predominou.

Pesquisas internas também fazem os humores pender em favor de Huck. Doria aparece nelas com índices em torno de 5%, enquanto o apresentador chega a 16%, com bom grau de aceitação entre os mais pobres e, em âmbito regional, no Nordeste. Esses dois fatores o tornariam apto a entrar na base do PT. Um bom capital, mas ainda tido como insuficiente.

Há desafios a vencer, sendo o principal deles a capacidade de apresentar uma agenda que fale ao bolso, ao coração e ao bem-estar do eleitorado. Um discurso que se coadune com as demandas do mundo real, a fim de que a via alternativa não seja mera representação de equidistância artificial em relação aos extremos. Para isso, na avaliação dos operadores desse campo, é preciso fugir da lógica de acerto de contas com o passado, propor o que fazer daqui em diante entendendo que as pessoas querem emprego, renda e serviços adequados. No mínimo.

O candidato necessariamente terá de mostrar qualificação robusta, um dos motivos pelos quais ainda pairam dúvidas sobre a viabilidade eleitoral de Luciano Huck. E, pelo timing considerado mais adequado para martelos serem batidos em público, ele não terá chance de dirimi-las tão cedo. A ideia é que fique distante da eleição municipal de 2020 e estenda a definição oficial o máximo possível, a fim de não perder o holofote gigantesco da Globo. Quando seria isso? A partir do segundo semestre de 2021. Um tempo enorme, ainda mais se levado em conta nosso ritmo de montanha-russa na política. O quadro, portanto, senhoras e senhores, é o de hoje devendo ser visto (e talvez anotado) na perspectiva do ponto de partida.

sábado, 30 de novembro de 2019

AOS AMIGOS, TUDO; AOS INIMIGOS, A LEI



Pouco antes de ser preso, Lula teve uma de suas piores ideias: fazer uma “caravana” pelos estados do Sul. Acabou escorraçado de lá na base da pedrada. Solto recentemente graças a uma decisão inqualificável da ala pró-crime do STF, reiniciou seu périplo pelo Brasil, visando destilar seu ódio e receber estrepitosos aplausos da claque amestrada que bebe suas palavras como, segundo diz a lenda, Rômulo e Remo sorveram o leite da loba que os alimentou.

No domingo 17, num hotel de luxo da praia da Boa Viagem (na capital de seu estado natal), o troçulho de Garanhuns tomou a sua primeira vaia. Enfiado no fundo de um desses ônibus de luxo com vidro escuro para ninguém ver nada dentro, aprontava-se para partir rumo ao que, aparentemente, seria um compromisso de sua nova peregrinação pelo Brasil, com a qual imagina atrair as massas e voltar a ser o que foi um dia. Mas em vez de ouvir o aplauso da multidão, ouviu o que tem ouvido sempre que sai à rua: “Lula, ladrão, teu lugar é na prisão”. Na verdade, não havia multidão nenhuma — só um grupo de gente vestida de verde e amarelo, mandando o ex-presidente para o raio que o parta. Onde estavam os milhares e milhões de “brasileiros do povo”, os “pobres”, os “desesperados” com o governo”, que deveriam ter aparecido para dar força ao ex-presidente petralha? Em lugar nenhum — e isso no coração do Nordeste, onde, com o apoio dos “institutos de pesquisa de opinião”, o sujeito sempre diz que goza de 110% de popularidade.

Este, meus caros, é o novembro do nosso descontentamento diante de um Brasil que está em guerra aberta contra os brasileiros. Agora, depois de meses a fio de uma tragédia única no mundo, vemos a maioria dos magistrados do tribunal supremo do País fazer o oposto do que é a sua obrigação. Em vez de buscar mais justiça numa sociedade que já é perigosamente injusta, chama para si a tarefa de dar aos criminosos ricos, aqueles que têm dinheiro para pagar criminalistas estrelados, o direito de passar o resto da vida sem receber nenhuma punição real pelos crimes que praticaram.

E não agem como agem os nobres causídicos-chicaneiros por acreditar, como dizem, que o direito de defesa deve estar acima de todos os outros — a começar pelo direito das vítimas. Fazem o que fazem porque estão metidos numa luta desesperada pela sobrevivência do Brasil velho, corrupto, subdesenvolvido e desigual, paraíso dos parasitas da máquina pública, da venda de favores e dos privilégios para quem tem força, inimigo do trabalho, do talento e do mérito individual. É o País que você tem certeza de que não quer.

Nada destrói tanto o respeito pelos governos, dizia Einstein, do que a sua incapacidade de fazer com que as leis sejam cumpridas. É o risco que foi construído no Brasil. De fato, como seria possível respeitar o poder público neste País se o Código Penal brasileiro diz que é proibido praticar crimes, mas o STF decide impedir a punição dos crimes praticados? Na verdade, o que realmente aconteceu em toda essa infame discussão sobre a “prisão em segunda instância” não foi, em momento algum, uma divergência sobre questões jurídica, mas, sim, um choque entre leis — ou o que nos dizem que é a lei — e a moral. Quando a lei se opõe à moral, como nesse caso, ou se perde o senso moral ou se perde o respeito pela lei. Não há outra possibilidade. É o momento em que a lei se torna injusta, por não estar mais em harmonia com as noções elementares do certo e do errado. O resto é mentira.

O que o cidadão viu, neste golpe legal para proibir a prisão de condenados em segunda instância, foi uma tentativa aberta de impedir que vigore no Brasil o império da lei — algo que só pode existir se a Justiça for imparcial. Mas quem defende essa aberração, inexistente em qualquer país sério do mundo, propõe, na verdade, que o sistema judicial brasileiro tome um partido — o dos réus, por considerar que as provas colhidas contra eles jamais estarão corretas, ou serão suficientes, e que os juízes errarão todas as vezes em que condenarem alguém.

ObservaçãoLevantamento do jornal O Estado de S. Paulo dá conta de que a maioria dos deputados e senadores é a favor da autorização para condenado em segunda instância começar a cumprir pena, mas as tentativas de transformar essa vontade de representantes do povo em lei se perdem em negociações sem fim, pois os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, sabotam de forma canalha as mudanças necessárias para que os bandidos da política deixem de gozar a proteção servil que lhes dão.

Trata-se, simplesmente, de usar o que está escrito na lei para desrespeitar a lei. Sempre ouvimos que democracia e civilização só podem vigorar se a Justiça tiver coragem de enfrentar o grito irracional da multidão, que exige culpados, não se interessa por provas e não entende de hermenêutica. Mas não há nada de irracional na voz da multidão que se está ouvindo agora — muito pelo contrário. O brasileiro sabe perfeitamente que um réu, para acabar na cadeia, tem de ser condenado por um juiz, a “primeira instância”, e, em seguida, ser condenado outra vez — agora não mais por um, mas por um conjunto de magistrados, a “segunda instância”. Nos dois casos, ele tem todas as chances de se defender e, se não consegue, não pode ficar apelando na Justiça até o Dia do Juízo Final. Irracional é querer o contrário.

Não há nada de frouxo na moralidade, como alegam os campeões do “direito de defesa”. Na verdade, ela é muito mais dura que qualquer lei. Diz apenas que é preciso fazer a coisa certa.

Com J.R. Guzzo e O Estadão

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

SEM NEXO — Ou: ELEIÇÕES 2018 -- SE CORRER O BICHO PEGA; SE FICAR...


O que aconteceria num país que teve quase catorze anos seguidos da mais ruinosa administração econômica que se possa imaginar, com direito à maior recessão na história de sua economia?

Além das repetidas tentativas de suicídio econômico, armou-se ao longo desse período o que provavelmente tenha sido o mais alucinante sistema de corrupção jamais visto na administração pública mundial. A máquina do Estado foi privatizada em favor dos partidos que apoiavam os governos, primeiro o do ex-presidente Lula e depois o de Dilma Rousseff.

Milhares de cargos públicos foram entregues a militantes do PT e outros coletivos de esquerda. Bilhões de reais desapareceram do Tesouro Nacional e foram acabar nos bolsos de dirigentes de “movimentos sociais”, ONGs, governantes de países estrangeiros que não se submetem à lei internacional, ditadores africanos, filhos de ditadores africanos que são pegos na alfândega do Brasil com malas abarrotadas de dinheiro vivo.

O ex-presidente está na cadeia, condenado a doze anos por corrupção e lavagem de dinheiro. Estão presos ex-ministros, diretores de estatais e outros barões do seu governo, quase todos réus confessos — e por aí afora. Muito bem. A única resposta possível para a pergunta feita no parágrafo inicial, dentro da lógica comum, é a seguinte: na primeira eleição que aparecesse, os responsáveis diretos pelas calamidades descritas acima receberiam da maioria dos eleitores uma ordem clara de cair fora do governo e ficar o mais longe possível dele, de preferência para sempre. Mas o país dessa história é o Brasil, e no Brasil as coisas raramente fazem nexo.

O problema não está tanto no comportamento do eleitorado, que segundo as “pesquisas de intenção de voto” põe numa situação privilegiada, quase de favorito, o candidato que promete abertamente ressuscitar a catástrofe dos governos Lula e Dilma. Num eleitorado em que a maioria dos 150 milhões de votantes não têm nenhum preparo para escolher nada, qualquer farsante, bem treinado para mentir mais que os outros candidatos, sempre terá chances excelentes de ganhar.

O curioso, na atual eleição presidencial, é que grande parte da elite empresarial brasileira — aquela que se imagina mais avançada, vê a si própria como merecedora de uma cota de sócia no mundo civilizado, lê os jornais e revistas de Nova York ou Londres, etc., etc., etc. — esteja achando que o candidato que promete voltar ao governo passado é o mais adequado para ocupar o governo futuro.

Não que Fernando Haddad seja o homem ideal, claro. Nossos mais distintos magnatas e seus guias espirituais prefeririam um Emmanuel Macron, digamos, ou coisa que o valha; mas Monsieur Macron não está disponível. A saída, então, é se arrumar com esse Haddad mesmo. É verdade que ele tem, entre todos os candidatos, o mais bem armado projeto de destruição do Brasil. O que se vai fazer, porém? A alternativa é eleger um homem de extrema direita — e isso deixa passando mal os nossos capitães de indústria, comércio e finanças — ou, pelo menos, é o que dizem. Haddad, imaginam, é uma pessoa com quem daria “para conversar”.

De mais a mais, é essa a instrução que recebem no momento do The Economist — e nos últimos anos, por razões de ordem psicológica que talvez sejam melhor esclarecidas no futuro, o The Economist virou uma espécie de Almanaque Capivari para os empresários brasileiros da modalidade “civilizada-liberal-contemporânea”. Acreditam no que é publicado ali como se acredita na tábua de marés da Marinha Nacional — e ali estão dizendo que Haddad, além de ter sido um prefeito “de êxito” em São Paulo, poderia inclinar-se para uma abordagem mais liberal da economia.

Quem pode levar a sério um disparate desses? Mais gente do que você pensa. Empreiteiros de obras públicas, banqueiros preocupados em manter o monopólio que tanto dinheiro lhe deu nos governos Lula-Dilma, fornecedores de sondas nacionais para a Petrobras, Joesleys, Eikes e todo o resto da turma estão prontos para assinar embaixo.

Por J.R. Guzzo — Publicado na edição impressa da EXAME

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sábado, 4 de março de 2017

A DICOTOMIA PETISTA DO “NÓS X ELES”


A DICOTOMIA PETISTA DO “NÓS X ELES”

Lula e o PT não criaram a corrupção, embora a tenham institucionalizado e colocado a serviço de seu espúrio projeto de poder, embrulhada em falácias populistas que, durante algum tempo, engambelaram até os mais céticos. Na avaliação do sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier, a era lulopetista feriu a democracia brasileira muito mais profundamente do que se tem admitido, não só com a corrupção sistêmica, cuja radioatividade está longe de terminar, e as insanidades do governo Dilma, que elevou para mais de 12 milhões o número de desempregados, mas também com o culto sistemático da mentira, a falsificação ideológica da história e o uso político de aberrações conceituais, que dividiram os brasileiros em “nós” e “eles”, fomentando a cizânia entre a esquerda e a direita e culpando a mídia, as “zelites”, os “coxinhas”, o Judiciário e sabe Deus quem mais por tudo que deu errado na sua imprestável administração.

Com efeito, desde sua fundação, há 36 anos, que o PT insiste em apresentar a história brasileira como obra de uma elite pequena, coesa, gananciosa, em permanente conspiração contra os trabalhadores e os pobres. Um país de verdade, onde todos tenham oportunidade, só a partir de Lula. Mas, ironicamente, o grande exemplo de país governado por uma elite conspiratória foi o próprio PT que nos ofereceu. Ao se associar umbilicalmente ao cartel das empreiteiras, Lula e seus acólitos conspiraram o quanto puderam, com requintes de profissionalismo a toda prova. E mais: dividiram o eleitorado de tal forma e tão passionalmente que as pessoas trocaram a civilidade e o respeito mútuo por agressividade, ódio e repulsa pelos adversários. Claro que as redes sociais também colaboraram, mas considerá-las a única responsável por essa polarização seria o mesmo que culpar a arma pelo homicídio e absolver quem a sacou, apontou e puxou o gatilho.

Anda difícil achar alguém que não tenha rompido uma antiga amizade, deixado de falar com parentes ou virado a cara para colegas de trabalho por conta de diferenças de “ideologia política” ― tema que o bom senso recomenda evitar em happy-hours, festas familiares e reuniões corporativas. Por outro lado, é preciso paciência de para aturar o proselitismo da militância petista e de seus apoiadores, que, a despeito de todas as evidências em contrário, insistem em dogmatizar as bazófias asininas do penta-réu chefe da ORCRIM e aplaudir os discursos azoratados que ele não perde a oportunidade de proferir, mesmo que isso signifique fazer de palanque o esquife da ex-primeira-dama Marisa Letícia, numa demonstração de vileza e de mau-caratismo à toda prova. No funeral da esposa, o pulha chegou ao cúmulo de atribuir sua morte à tensão decorrente das acusações na Lava-Jato, e a insinuar que o culpado seria Sergio Moro. E foi aplaudido pela patuleia ignara ― veja a que ponto chega o descolamento da realidade dessa confraria de “esquerdistas”.

Em plena era do pós-verdade, a mentira campeia solta e fatos objetivos têm menos influência do que apelos emocionais e crenças pessoais. É o mais desolador é que isso se verifica em todos os níveis, aí incluído o dos políticos, cuja função é nos representar. A título de ilustração, em março do ano passado, depois de Lula ser conduzido coercitivamente para depor na PF, Jandira Feghali gravou um vídeo para “tranquilizar a militância” (confira neste link). Enquanto ela diz que o molusco está “muito tranquilo”, vê-se ao fundo o dito-cujo falando ao celular ― ué, ela agora tem celular? ― com a nefelibata da mandioca, e, em determinado momento, ouve-se claramente ele esbravejar:  “Eles que enfiem no cu todo o processo”. Imagine o que ele diria se não estivesse sereno!

Mas o que mais causa espécie é ver pessoas que reputamos esclarecidas defenderem com unhas de dentes a “honestidade” desse um salafrário abjeto, prestigiarem uma agremiação criminosa travestida de partido ― onde, se alguém gritar pega ladrão, não fica um ― e prestarem vassalagem a uma ex-governante de merda, que destruiu a Economia para ficar mais 4 anos na presidência, embora nunca tenha sido capaz de gerenciar coisa alguma ― como comprova a falência de suas duas lojinhas de badulaques importados, em meados dos anos 1990, justamente quando a paridade entre o real e o dólar favorecia sobremaneira esse tipo de comércio.

Ainda que não sirva de consolo, esse descolamento da realidade ― ou tendência de negar incondicional e irracionalmente os fatos em sua obviedade ― não é privilégio da patuleia tupiniquim. Na primeira entrevista como presidente dos EUA, o parlapatão Donald Trump disse que sua posse reuniu a maior plateia de todos os tempos, ainda que a multidão fosse 70% menor do que na posse de Barack Obama, em 2009. Quando os jornais New York Times e Washington Post publicaram fotos aéreas comparativas (vide imagem), Trump os chamou de mentirosos e manipuladores. No dia seguinte à posse, a empresa de pesquisas YouGov mostrou as fotos a 1.388 americanos e perguntou qual posse era de quem. Entre os eleitores de Trump, 41% deram a resposta errada. E quando os pesquisadores reformularam a pergunta para “em qual dessas duas fotos tem mais gente”, 15% insistiram que havia mais pessoas na imagem vazia. Durma-se com um barulho desses!

Para entender melhor, vejamos alguns números: durante as eleições americanas, o site BuzzFeed monitorou o compartilhamento de notícias verdadeiras e falsas. As 20 Fake News mais bombadas tiveram 8,7 milhões de compartilhamentos, enquanto as verdadeiras, 7,3 milhões. No Brasil, esse quadro é ainda pior: no ano passado, o mesmo site analisou as 20 notícias que mais se destacaram nas redes sociais (10 verídicas e 10 falsas) e constatou que os posts mentirosos foram bem mais compartilhados do que os verdadeiros (3,9 milhões e 2,7 milhões de vezes, respectivamente).

Agora, a explicação: quando se depara com uma informação nova, nossa mente tende a tomá-la por verdade. A desconfiança e possível refutação, segundo o psicólogo Daniel Gilbert, da Universidade de Harvard, só acontece depois, porque desconfiar requer mais esforço cognitivo e, portanto, gasta mais energia. Assim, quanto mais informações nosso cérebro recebe, mais propenso ele se torna a aceitar cada uma delas. E como as redes sociais compartilham informações em quantidade e velocidade vertiginosas (só no Facebook, há mais de 5 bilhões de compartilhamentos por dia), a conclusão é óbvia. Para Márcio Moretto Ribeiro, professor da USP e criador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, as redes permitem que os usuários escolham suas próprias versões dos fatos, e as pessoas tendem a compartilhar notícias que reforçam suas ideias preconcebidas, sejam elas verdadeiras ou não (as informações são da revista Superinteressante).

Por essas e outras, eu desisti de argumentar com a patuleia abilolada. Limito-me divulgar os fatos e oferecer a minha interpretação. Deixei de perder tempo com polêmicas que levam coisa alguma a lugar nenhum. Se leio algo que me chama a atenção, além de verificar se a origem confiável, checo também se a notícia foi divulgada por outras fontes fidedignas. Afinal, 13 anos e fumaça de lulopetismo propiciaram a disseminação de uma quantidade exorbitante de sites e blogs-mortadela, especializados em espalhar a desinformação, e muitos continuam ativos e operantes, mesmo depois de o governo atual lhes ter cortado o patrocínio.

Quanto a editoriais e colunas, é preciso ter em mente que eles expressam a opinião do jornal/revista ou do colunista, conforme o caso. Mas opinar é uma coisa, vender gato por lebre é outra bem diferente. Ainda assim, alguns tem a cara de pau de publicar como verdade qualquer coisa que provenha do departamento de propaganda do Partido dos Trambiqueiros, mesmo que seja capaz de enrubescer santo de pedra. Tem quem afirma que Lula foi o melhor presidente do Brasil, que Dilma fez um excelente governo, que o impeachment foi um “golpe”, que Temer é um “traíra” sem legitimidade para ocupar a presidência, que a aprovação da PEC do teto foi uma calamidade, que Previdência não está falida, que a reforma da Legislação Trabalhista vai prejudicar os trabalhadores, que privatização é entreguismo, e por aí segue essa lamentável procissão de bobagens. Houve até quem que afirmasse ― pasmem! ― que o nove-dedos teria sido indicado para o Prêmio Nobel... Vão sonhando. Quem sabe um dia a academia sueca resolva laurear os que mais se destacam no campo da desfaçatez, do cinismo, da corrupção...

Enfim, o jeito é deixar pra lá. Depois de meia dúzia de réplicas e tréplicas, se você perceber que o interlocutor continua impermeável à argumentação, desencane, mude de assunto ― ou de interlocutor. Fuja dos haters, ou você acabará se tornando igual a eles.

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