sábado, 30 de novembro de 2019

AOS AMIGOS, TUDO; AOS INIMIGOS, A LEI



Pouco antes de ser preso, Lula teve uma de suas piores ideias: fazer uma “caravana” pelos estados do Sul. Acabou escorraçado de lá na base da pedrada. Solto recentemente graças a uma decisão inqualificável da ala pró-crime do STF, reiniciou seu périplo pelo Brasil, visando destilar seu ódio e receber estrepitosos aplausos da claque amestrada que bebe suas palavras como, segundo diz a lenda, Rômulo e Remo sorveram o leite da loba que os alimentou.

No domingo 17, num hotel de luxo da praia da Boa Viagem (na capital de seu estado natal), o troçulho de Garanhuns tomou a sua primeira vaia. Enfiado no fundo de um desses ônibus de luxo com vidro escuro para ninguém ver nada dentro, aprontava-se para partir rumo ao que, aparentemente, seria um compromisso de sua nova peregrinação pelo Brasil, com a qual imagina atrair as massas e voltar a ser o que foi um dia. Mas em vez de ouvir o aplauso da multidão, ouviu o que tem ouvido sempre que sai à rua: “Lula, ladrão, teu lugar é na prisão”. Na verdade, não havia multidão nenhuma — só um grupo de gente vestida de verde e amarelo, mandando o ex-presidente para o raio que o parta. Onde estavam os milhares e milhões de “brasileiros do povo”, os “pobres”, os “desesperados” com o governo”, que deveriam ter aparecido para dar força ao ex-presidente petralha? Em lugar nenhum — e isso no coração do Nordeste, onde, com o apoio dos “institutos de pesquisa de opinião”, o sujeito sempre diz que goza de 110% de popularidade.

Este, meus caros, é o novembro do nosso descontentamento diante de um Brasil que está em guerra aberta contra os brasileiros. Agora, depois de meses a fio de uma tragédia única no mundo, vemos a maioria dos magistrados do tribunal supremo do País fazer o oposto do que é a sua obrigação. Em vez de buscar mais justiça numa sociedade que já é perigosamente injusta, chama para si a tarefa de dar aos criminosos ricos, aqueles que têm dinheiro para pagar criminalistas estrelados, o direito de passar o resto da vida sem receber nenhuma punição real pelos crimes que praticaram.

E não agem como agem os nobres causídicos-chicaneiros por acreditar, como dizem, que o direito de defesa deve estar acima de todos os outros — a começar pelo direito das vítimas. Fazem o que fazem porque estão metidos numa luta desesperada pela sobrevivência do Brasil velho, corrupto, subdesenvolvido e desigual, paraíso dos parasitas da máquina pública, da venda de favores e dos privilégios para quem tem força, inimigo do trabalho, do talento e do mérito individual. É o País que você tem certeza de que não quer.

Nada destrói tanto o respeito pelos governos, dizia Einstein, do que a sua incapacidade de fazer com que as leis sejam cumpridas. É o risco que foi construído no Brasil. De fato, como seria possível respeitar o poder público neste País se o Código Penal brasileiro diz que é proibido praticar crimes, mas o STF decide impedir a punição dos crimes praticados? Na verdade, o que realmente aconteceu em toda essa infame discussão sobre a “prisão em segunda instância” não foi, em momento algum, uma divergência sobre questões jurídica, mas, sim, um choque entre leis — ou o que nos dizem que é a lei — e a moral. Quando a lei se opõe à moral, como nesse caso, ou se perde o senso moral ou se perde o respeito pela lei. Não há outra possibilidade. É o momento em que a lei se torna injusta, por não estar mais em harmonia com as noções elementares do certo e do errado. O resto é mentira.

O que o cidadão viu, neste golpe legal para proibir a prisão de condenados em segunda instância, foi uma tentativa aberta de impedir que vigore no Brasil o império da lei — algo que só pode existir se a Justiça for imparcial. Mas quem defende essa aberração, inexistente em qualquer país sério do mundo, propõe, na verdade, que o sistema judicial brasileiro tome um partido — o dos réus, por considerar que as provas colhidas contra eles jamais estarão corretas, ou serão suficientes, e que os juízes errarão todas as vezes em que condenarem alguém.

ObservaçãoLevantamento do jornal O Estado de S. Paulo dá conta de que a maioria dos deputados e senadores é a favor da autorização para condenado em segunda instância começar a cumprir pena, mas as tentativas de transformar essa vontade de representantes do povo em lei se perdem em negociações sem fim, pois os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, sabotam de forma canalha as mudanças necessárias para que os bandidos da política deixem de gozar a proteção servil que lhes dão.

Trata-se, simplesmente, de usar o que está escrito na lei para desrespeitar a lei. Sempre ouvimos que democracia e civilização só podem vigorar se a Justiça tiver coragem de enfrentar o grito irracional da multidão, que exige culpados, não se interessa por provas e não entende de hermenêutica. Mas não há nada de irracional na voz da multidão que se está ouvindo agora — muito pelo contrário. O brasileiro sabe perfeitamente que um réu, para acabar na cadeia, tem de ser condenado por um juiz, a “primeira instância”, e, em seguida, ser condenado outra vez — agora não mais por um, mas por um conjunto de magistrados, a “segunda instância”. Nos dois casos, ele tem todas as chances de se defender e, se não consegue, não pode ficar apelando na Justiça até o Dia do Juízo Final. Irracional é querer o contrário.

Não há nada de frouxo na moralidade, como alegam os campeões do “direito de defesa”. Na verdade, ela é muito mais dura que qualquer lei. Diz apenas que é preciso fazer a coisa certa.

Com J.R. Guzzo e O Estadão