Contrariando uma das muitas promessas que fez durante a campanha, Bolsonaro não só desistiu de propor o fim da reeleição como também resolveu disputá-la em 2022. O sucesso da empreitada depende de vários fatores e sua previsibilidade é nula, visto que muita água vai rolar até lá. Os índices de aprovação do governo, segundo as mais recentes pesquisas (detalhes no post anterior), orbitam os 30%. Com apenas um terço dos votos válidos, nenhum disputante vence eleições majoritárias (para prefeito, governador e presidente da República), onde se elege quem obtém maioria absoluta (se não no primeiro turno, fatalmente no segundo, quando então a disputa se limita aos dois candidatos mais votados no pleito anterior).
Claro
que muita coisa pode mudar nos próximos 3 anos, e nada garante que seja para
melhor. Mesmo assim, o presidente parece não se dar conta de que boa parte dos votos que obteve em 2018 não veio
dos bolsomínions, mas dos antipetistas — e é bom lembrar que o fato de alguém
ser inimigo do seu inimigo não significa necessariamente que é seu amigo.
Observação: No presidencialismo de coalizão, governar exige
dividir espaço com o Congresso, que, como se sabe, não
é movido a patriotismo. Mas é bom não confundir o que chamamos pejorativamente
de “toma-lá-dá-cá” com a fórmula adotada por Lula, que instituiu o mensalão e o petrolão para sustentar seu nefasto
projeto de eternizar o lulopetismo no poder.
Mesmo tendo passado 30 como deputado do baixo clero, o Bolsonaro presidente parece cultivar a mais profunda aversão pelo “é dando que se recebe”,
e assim conta apenas com o apoio dos parlamentares do PSL — partido nanico até
as últimas eleições, mas que multiplicou por 50 sua presença na Câmara e se
tornou, da noite para o dia, a maior bancada da Casa. Só que os deputados pesselistas não têm atuado como base do governo. Muitos deles não demonstram o
menor respeito pelas decisões da cúpula do partido e pelas demandas do Planalto,
e alguns deixam claro que seu único propósito na Câmara é defender as
corporações que julgam representar, em especial a dos profissionais de
segurança pública.
O problema da Previdência não vem de hoje, mas, nem FHC, nem Lula, nem Dilma nem Temer tiveram peito resolvê-lo. Para além de algumas tímidas tentativas, todos ele simplesmente a coisa com a barriga, levando o déficit chegar ao ponto que
chegou e o atual governo sem alternativa que não propor essa espinhosa
reforma. Só que o capitão nunca se empenhou verdadeiramente em defendê-la, embora
o futuro do seu governo e sua eventual reeleição dependam dela.
Depois
de cruzar a Praça dos Três Poderes e
entregar a proposta ao presidente da Câmara, Bolsonaro pôs-se a repetir que havia feito sua parte e que “a bola
estava com o Congresso”, afastou-se das
negociações e se dedicou a fomentar picuinhas, hostilizar Rodrigo Maia — de quem podermos não gostar, mas cujo empenho temos
de reconhecer —, fritar ministros e promover enfrentamentos tanto
desnecessários quanto indesejáveis. Instado a ajudar na articulação para reinserir Estados e
municípios, o presidente não moveu uma palha, mas bastou ser chamado de
"traidor" por policiais para se apressar a trabalhar pela concessão
de aposentadoria especialíssima à corporação amiga e, para desassossego de Paulo Guedes e da equipe econômica, vem
se empenhando em levar o esforço às últimas consequências. Porém, ao intervir
para tentar garantir aos policiais federais e à Polícia Rodoviária regras mais
brandas, fora da emenda principal, ele contribui para a obstrução da votação e
coloca em risco a própria economia de que seu governo tanto necessita para dar
início à Nova Previdência.
A oposição — magote de esquerdistas e boçais insensíveis ao fato de que, mesmo não sendo uma panaceia, a aprovação da reforma é a única alternativa
para a Economia deixar a UTI com vida — tem feito diabo para obstruir a
tramitação, e ainda que não some nem 150 votos, faz um barulho
danado. Alguns dizem que a oposição está cumprindo seu papel, mas, convenhamos,
fazer oposição responsável é uma coisa e agir como essa cáfila vermelha age é
outra bem diferente. E como se isso já não bastasse, o capitão, antipetista e
antiesquerdista, ajuda “o inimigo” ao se tornar um grande estorvo para a tramitação
da PEC — cuja aprovação, volto a frisar, definirá o sucesso do seu governo e
quiçá sua reeleição.
Bolsonaro monta uma
armadilha para si mesmo, pois cada emenda apresentada abre espaço para
discussões que consomem tempo valioso, pondo em risco a votação final —
inclusive dos destaques — antes do próximo dia 18, quando o Congresso entra em
recesso. E não faltam oportunista que se aproveitem da sua iniciativa para incluir outros agentes de segurança no pacote da PF, como guardas penitenciários e municipais, bem como retirar os
professores da reforma. Esse seria o pior dos mundos, pois desidrataria ainda
mais a reforma.
Paralelamente, os governadores insistem na inclusão de
servidores de Estados e Municípios, o que não conta com o apoio da maioria dos
deputados e pode reduzir a economia de R$
1 trilhão prevista para os próximos 10 anos — montante inferior ao desejado
por Paulo Guedes, mas, mesmo assim,
ainda aceitável. É por isso que Rodrigo
Maia quer deixar essa questão fora do bojo da reforma e tratar dela mais adiante, de preferência numa emenda constitucional cuja
tramitação começaria no Senado.
Aos trancos e barrancos, a coisa vai caminhado. A despeito da tramitação conturbada — afora a exigência do pedaço fisiológico do Congresso, que condiciona o voto à liberação de verbas orçamentárias, há o desejo dos partidos de oposição de obstruir as sessões, esticando a corda até o último instante — o texto-base aprovado na Comissão Especial da Câmara foi chancelado no plenário, em primeiro turno, por 379 votos a 131. Há 18 destaques para serem apreciados, mas Rodrigo Maia — indiscutivelmente o pai biológico da criança — está confiante de que a aprovação em segundo turno aconteça ainda esta semana, ficando para depois do recesso apenas o escrutínio do Senado. A impressão que se tem é de que a maioria dos deputados ou se conscientizou da necessidade
da emenda, ou votará a favor para não ser responsabilizada pelo agravamento da
crise econômica.
Oposição é necessária e faz bem à
democracia, mas a oposição brasileira frequenta o debate previdenciário sem
demonstrar sua utilidade. Há espaço no Congresso para o surgimento de uma nova
oposição, menos venenosa e mais propositiva, mas ainda não surgiu força capaz
de ocupar o vazio.
Bolsonaro é, ao
mesmo tempo, o grande estorvo e o maior beneficiário da reforma cujos impactos
na Economia o capitalizarão politicamente, embora o verdadeiro pai da criança
seja o Presidente da Câmara. Mesmo assim, o estorvo poderá jactar-se de ser a
mãe, e de ter parido o filho sem recorrer ao toma-lá-dá-cá, ainda que isso não
seja exatamente verdade: emendas parlamentares e outras bondades para garantir votos
no plenário da Câmara vêm sendo distribuídas a toque de caixa nos últimos dias.
Como dizia Ulysses
Guimarães, “em política, quem prepara a refeição nem sempre come o melhor
bocado”.