Em quatro meses de governo, apenas contando ao público o que
faz durante o seu horário de trabalho, Paulo
Guedes já pode ser apontado como o ministro que está dando mais certo na
equipe montada para governar o Brasil a partir deste ano. Quem é simpático ao
governo, ou mesmo neutro, está gostando. Quem é contra não consegue desgostar
de verdade; falam mal, mas têm outros alvos que detestam muito mais, como o
ministro Sergio Moro, ou o tipo
genérico resumido pela ministra Damares
e, mais do que tudo, o próprio presidente Jair
Bolsonaro. O resultado é que o ministro da Economia, a cada dia que passa,
tem sido ouvido com atenção quando fala. E a conclusão de boa parte do público,
cada vez mais, é a seguinte: “Esse homem fala coisa com coisa”. Já é um
colosso, na neurastenia geral que comanda a atual vida política brasileira.
Há outros ministros que estão fazendo um bom trabalho — fala-se, em geral, das áreas tocadas pelos
militares e as suas redondezas. Mas as suas atividades são quase sempre
consideradas uma grande chatice pela mídia, e o resultado é que acabam sendo
deixados relativamente em sossego. Paulo
Guedes, ao contrário, está na linha de frente da infantaria — aquela que acaba levando
chumbo em primeiro lugar, e chumbo mais grosso que todo o resto da tropa. É
natural; ministro da Economia está aí para isso mesmo. Mas embora seja o mais
bombardeado de todos, continua inteiro —
na verdade, está
mais inteiro hoje do que quando começou,
quatro meses atrás.
Guedes está se dando bem, basicamente, porque não tem medo
de políticos, de “influenciadores”, de economistas tidos como “importantes” — e, sobretudo, porque não tem medo de perder o
emprego. Está lá para fazer o trabalho
que, aos 69 anos de idade, acha mais correto para os interesses do Brasil. Só
isso. Se der certo, ótimo. Se não der, paciência.
O Brasil, por conta disso, começa a ouvir em voz alta coisas
que não costumava ouvir de autoridade nenhuma. Num país campeão em usar as
palavras para esconder o que pensa, o ministro tornou-se um especialista em
dizer, sim ou não, se é contra ou a favor disso ou daquilo, e explicar por que
é contra ou a favor. “O fato é que o Brasil cresceu em média 0,6% ao ano nos
últimos dez anos”, disse Guedes há
pouco. “O país afundou, simplesmente”. Não adianta, explica ele, ficar
enrolando: isso é uma desgraça, que nenhum esforço de propaganda pode ocultar,
e é exatamente por isso, só por isso, que o Brasil está hoje de joelhos. A
possibilidade de que algo possa ir bem numa economia que tem um número desses é
zero. E quem é o responsável direto pela calamidade? Não é o
governo da Transilvânia. É o conjunto de decisões tomadas entre 2003 e 2016
pelos presidentes Lula e Dilma Rousseff.
Guedes diz em voz
alta o que quase nenhum, ou nenhum, economista laureado deste país tem coragem
de dizer: que Lula, Dilma e o PT provaram, através dos seus atos, que são os maiores responsáveis
pela criação de pobreza, desigualdades e concentração de renda no Brasil ao
longo deste século. “Vocês estão me mostrando um comercial do governo PT”, disse ele ainda outro dia, quando
quiseram lhe apertar durante uma entrevista com a exibição de um filme que
mostrava filas com milhares de pessoas procurando emprego no Anhangabaú, em São
Paulo. Os 13 milhões de desempregados que estão aí, disse o ministro, foram
postos na rua pelo PT — quem, senão o PT, provocou anos seguidos de recessão? Quem zerou a renda desses coitados? O pior é que essa renda não sumiu; foi transferida
para o bolso dos ricos. Também
não dá para jogar
toda a culpa em cima do PT. Nos
últimos 30 anos, lembra Guedes, o
crescimento do Brasil chegou ao grande total de 2% — isso mesmo, dois miseráveis por cento, durante 30 anos seguidos. Como pode
existir alguma coisa certa numa economia assim?
Guedes fala com a
simplicidade da tabuada sobre o mais cruel de todos os impostos que existem no
Brasil — o “imposto sobre o trabalho”, que é cobrado do trabalhador
e de ninguém mais. “Para empregar um
brasileiro a 1.000 reais por mês,
o empregador tem de gastar 2.000”, diz o ministro. O trabalhador não vê um
centavo desses 1.000 reais a mais que a empresa paga; são os “direitos
trabalhistas”, que somem no buraco negro do governo e beneficiam os bolsos de
Deus e todo mundo, menos do pobre diabo em nome de quem eles são pagos. O único
efeito prático disso, no fim das contas, é suprimir empregos — há cada vez menos gente disposta a pagar o salário de duas pessoas para
ter o trabalho de uma. As empresas não
contratam; trabalho no Brasil virou algo taxado como artigo de luxo. O preço
desse culto aos “direitos” é um horror: entre desempregados e trabalhadores sem
carteira, há hoje 50 milhões de brasileiros vivendo no limite do desastre. Guedes lembra que esses 50 milhões não
pagam um tostão de contribuição para a previdência social — mas terão direito a
aposentadoria. Pode dar certo um negócio
desses?
O ministro também explica que dá, sim, para fazer o próximo
censo; não haverá nenhuma “intervenção no IBGE”. Só que, num país falido como o
Brasil de hoje, não se vai fazer 300 perguntas ao cidadão, mas quinze ou vinte,
como se faz nos países ricos. A Zona Franca vai acabar? Não, diz Guedes, não vai. Mas não faz sentido
deixar de reduzir impostos no resto do Brasil só para não incomodar a indústria
de Manaus. Dá para entender? Há, talvez, 1 trilhão de dólares em petróleo
embaixo do chão, afirma ele. Mas esse trilhão só existe se o petróleo for
tirado de lá; enquanto continuar enterrado será uma beleza para a preservação
do “patrimônio da Petrobras”, mas na vida real isso não rende uma lata de
sardinha para ninguém. Conclusão: o petróleo tem de sair do chão, e esse
trabalho exige investimentos e parcerias mundiais. Há outro jeito?
Paulo Guedes tem,
provavelmente, uma das melhores explicações da praça para a dificuldade brasileira
de tomar decisões certas — a
culpa, em grande parte, vem menos da malícia
e mais da ignorância.
“As pessoas querem
as coisas, mas não
sabem como obtê-las”, diz ele. Têm certezas em relação aos seus desejos, mas
são inseguras
quanto aos meios para chegar a eles, e não gostam de pensar no preço, nem no
trabalho, que serão exigidos para conseguir o que desejam. É animador, também,
que o ministro pareça ser um homem interessado em realidades. Quanto desafiado,
como vive acontecendo, a provar a sua autonomia, diz que prefere resultados em
vez de ficar mostrando que manda. É um alívio, também, que não pretenda ganhar
o Prêmio Nobel de Economia e nem dê muita bola para a liturgia das entrevistas
solenes — que às vezes se parecem mais
com interrogatórios
da Gestapo do que com entrevistas, com a vantagem de não haver tortura física e
nem perguntas em alemão.
No fim das contas o sucesso de Paulo Guedes vai depender do crescimento da economia e da queda no
desemprego — sem isso
estará morto, como
o resto do governo, por mais coisas certas que tenha feito. A questão é que o
único jeito de conseguir mais crescimento e emprego é fazer as coisas certas. É
um bom sinal que ele esteja tentando.
Texto de J.R. GUZZO