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terça-feira, 8 de outubro de 2019

CABEÇOTE, VÁLVULAS, TORQUE E POTÊNCIA

A VERDADE ESTÁ POUCO SE LIXANDO PARA O QUE VOCÊ ACREDITA OU DEIXA DE ACREDITAR.

Uma vez que as válvulas são acionadas mecanicamente pelo eixo-comando (ou árvore de cames), sua abertura não acontece de forma instantânea. Por isso, a geometria dos cames (ressaltos) é projetada para dar início à abertura da válvula de admissão uma fração de segundo antes de o fluxo da mistura ar-combustível começar a invadir câmara de explosão.

O mesmo se aplica à válvula de escapamento, cuja abertura deve ter início um instante antes de o movimento ascendente do pistão dar início à fase de exaustão, quando os gases remanescentes da combustão da mistura são expulsos do interior do cilindro — e permanecer aberta até que o êmbolo alcance o PMI, pois a entrada da mistura ar/combustível ajuda a expelir os gases queimados (segundo o princípio da impenetrabilidade, dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo).

Observação: Uma fração de segundo parece pouco, mas é preciso ter em mente que, nos veículos de passeio, o virabrequim chega a dar 7 mil voltas completas por minuto, e o comando de válvulas, que da uma volta completa a cada duas voltas do virabrequim, abre e fecha as válvulas milhares de vezes por minuto.

Para otimizar a combustão e aumentar a potência, os engenheiros estudam cuidadosamente o movimento dos gases nos dutos de admissão e de escape, de maneira adequar os coletores ao projeto do motor, pois seu formato e extensão refletem no torque, na potência e no consumo de combustível. Como torque e potência variam conforme a rotação do virabrequim, o grande desafio é "ampliar" o volume da câmara de explosão de modo a obter curvas de torque e potência o mais planas possível — ou, no mínimo, evitar variações substantivas nos diversos regimes de giro impostos ao motor.

o meu desafio é trocar tudo isso em miúdos, ou seja, abordar esses conceitos usando uma linguagem acessível a leitores leigos ou pouco familiarizados com as sutilezas da mecânica automotiva. E isso nos leva à questão do torque e da potência — termos que designam coisas diferentes, mas interligadas a tal ponto que confundem até quem é do ramo.

Para explicar o que é torque e o que é potência sem recorrer às velhas fórmulas que a gente aprende na escola e esquece assim que passa no vestibular, costuma-se dizer simplesmente que “torque é para arrancada e potência, para velocidade”. No entanto, além de inexata, essa definição é por demais simplista, mesmo para quem não tem qualquer familiaridade com o cipoal da mecânica automotiva. Então, digamos que o torque é uma força que faz algo girar em torno do próprio eixo.

Um bom exemplo de torque é a força que aplicamos ao apertar as porcas da roda do carro: quando giramos a chave de rodas, estamos gerando torque. Levar o carro de um ponto a outro é trabalho, e como é o torque quem o realiza, podemos dizer que torque é trabalho, e que potência é a rapidez com que esse trabalho é realizado. À luz desse raciocínio, fica fácil entender por que veículos mais potentes alcançam velocidades mais elevadas e se deslocam de um ponto a outro mais rapidamente que os de menor potência.

Trata-se de um resuminho pra lá de elementar, mesmo considerando os propósitos despretensiosos desta postagem. Mas já é um começo. O resto fica para o próximo capitulo.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CABEÇOTE, AS VÁLVULAS E O EIXO-COMANDO


TODO MUNDO TEM UM AMOR INESQUECÍVEL E UM SEGREDO INCONFESSÁVEL.

Por despretensiosos, os propósitos desta abordagem me autorizam a simplificar as explicações a ponto de definir o bloco do motor como o "habitáculo" dos cilindros (em cujo interior os pistões sobem e descem milhares de vezes por minuto, gerando o torque e a potência que fazem o veículo se mover) e o cárter como o repositório do óleo lubrificante (que reduz o atrito entre as partes móveis do motor). Mas a porca torce o rabo quando se trata do cabeçote, sobretudo porque esse componente, que nos projetos antigos era apenas uma "tampa" da câmara de combustão, passou a abrigar as válvulas e respectivo eixo-comando (ou árvore de cames), guias, molas de retorno, tuchos, retentores e outros, tornando-se o "sistema respiratório" do motor. Vamos aos detalhes.

O cabeçote consiste numa peça de ferro fundido — ou de alumínio — que é firmemente presa ao bloco por uma série de parafusos. Entre ambos, uma junta de metal multicamadas assegura um perfeito assentamento, evitando tanto o vazamento da compressão quanto a contaminação do óleo lubrificante pelo líquido de arrefecimento. Praticamente todos os motores de Ciclo Otto atuais são do tipo OHV (sigla em inglês para "válvulas sobre o cabeçote"), o que otimiza significativamente os fluxos de admissão da e de descarga.

Se o motor fosse uma orquestra, o cabeçote seria o maestro e o eixo-comando, sua batuta, pois é ele quem determina quando, por quanto tempo e com que intensidade os gases entram e saem dos cilindros. Note que, para tanto, é fundamental que  o "abre e fecha" das válvulas seja sincronizado com o "sobe e desce" dos pistões.

Não custa lembrar (mais uma vez) que as quatro fases (ou tempos) do ciclo Otto são admissão, compressão, combustão e descarga, e que o pistão percorre quatro vezes seu curso a cada volta completa do virabrequim, alternando movimentos ascendentes e descendentes. Por curso, entenda-se a distância que o êmbolo percorre do PMS (ponto morto superior) ao PSI (ponto morto inferior) e vice-versa, conforme, aliás, foi explicado nos capítulos anteriores.

Na primeira fase, o movimento descendente do pistão, combinado com a abertura da válvula de admissão, cria uma depressão que suga para o interior do cilindro a mistura ar-combustível preparada pelo sistema de injeção eletrônica de combustível (ou pelo carburador, no projetos de antigamente). Na segunda, com ambas as válvulas fechadas, a subida do embolo comprime essa mistura no interior da câmara de explosão. Na terceira, ainda com ambas as válvulas fechadas, a centelha produzida pela vela inflama a mistura, que se expande e empurra o êmbolo em direção ao PMI, produzindo o torque e a potência que fazem o veículo se mover. 

Observações: 1) Por câmara de combustão (ou de explosão, dá no mesmo), entenda-se o espaço entre a base do cabeçote e a cabeça do pistão quando este atinge o porto morto superior do curso; 2) um motor à combustão gera torque e potência convertendo o poder calorífico do combustível na força (energia cinética) que a combustão da mistura exerce sobre o pistão, que a biela converte no movimento rotacional do virabrequim, que, com o concurso dos sistemas de embreagem e transmissão, é direcionado às rodas motrizes do veículo, fazendo-o se movimentar. 

Na quarta e última fase, a abertura da válvula de escapamento faz com que o movimento novamente ascendente do êmbolo expulse os gases remanescentes da combustão e prepare o cilindro para um novo ciclo de quatro fases.

Resumo da ópera: Fechada pela ação da respectiva mola de retorno, a válvula de admissão impede que a mistura passe do coletor de admissão para o cilindro, e o mesmo se aplica à válvula de escapamento em relação à saída dos gases resultantes da combustão dessa mistura. Note que o cilindro precisa ficar fechado hermeticamente durante as fases de compressão e de combustão, e que as válvulas precisam abrir, cada qual a seu tempo, nas fases de admissão e de escapamento.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

AINDA A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA FOCADA NO SEGMENTO AUTOMOTIVO - O MOTOR DE COMBUSTÃO DO CICLO OTTO


OS GUERREIROS MAIS PODEROSOS SÃO A PACIÊNCIA E O TEMPO.

Para facilitar a compreensão do que será explicado a seguir, sugiro clicar aqui, para ler o post de abertura desta sequência, ou aqui para aceder ao capítulo que antecedeu o intervalo. Sem embargo, dedico algumas linhas a uma rápida recapitulação dos pontos essenciais, que servirá também como introdução para o que está por vir. Acompanhe.

Grosso modo, o motor se divide em cabeçote, bloco e cárter (detalhes nesta postagem). No bloco ficam os cilindros. Dentro de cada cilindro, um pistão, ligado ao eixo de manivelas (ou virabrequim) por uma biela, realiza sucessivos movimentos retilíneos verticais (de sobre e desce), que se repetem milhares de vezes por minuto, conforme o regime de giros do motor.

Sobre o bloco, e firmemente preso a ele, fica o cabeçote do motor. Nos projetos mais antigos, ele não passava de uma "tampa" que abrigava as velas de ignição; nos atuais, nele abriga também as válvulas de admissão e de escapamento, o eixo-comando que as aciona e outros componentes, tais como guias, sedes, chavetas, molas de retorno, hastes, tuchos, retentores e balancins. Para reduzir o peso e melhorar a refrigeração, veículos esportivos e de alto rendimento têm cabeçotes de alumínio (nos demais, ele é feito de ferro fundido).

No ciclo Otto, as velas produzem a centelha que inflama a mistura ar-combustível, dando início à fase de combustão, também chamada de ciclo de força ou ciclo útil por ser a única das quatro fases que gera energia (as demais, de admissão, compressão e descarga, são meramente preparatórias).

Observação: No ciclo Diesel é o ar, e não a mistura, que é aspirado para o interior da câmara pelo movimento descendente do pistão e comprimido quando o êmbolo retorna ao PMS (ponto morto superior). O óleo é injetado somente no final do ciclo de compressão, quando a pressão chega a ser 60 vezes superior à inicial e a temperatura atinge patamares elevadíssimos. Como a combustão ocorre por auto ignição, essa tecnologia dispensa velas, bobinas, platinado, condensador, distribuidor e outros penduricalhos que tais.

A maioria dos motores conta com uma vela para cada cilindro, e cada vela tem dois eletrodos (um central e outro lateral). Do correto espaçamento entre eles depende a eficácia da centelha, daí a importância de se ajustar essa "folga" às especificações do fabricante com um calibrador de folga (figura à direita), em vez de confiar "no olhômetro" ou usar uma lâmina de serra, como é de praxe entre os mexânicos de plantão.

Velas inapropriadas ou com a folga mal ajustada podem causar problemas: um tamanho de rosca menor que o especificado, por exemplo, compromete a queima da mistura e gera sedimentação na parte final da rosca; em casos extremos, a vela pode superaquecer e até perder o eletrodo-massa. Já uma rosca longa demais pode alterar a compressão da mistura dentro da câmara, gerar resíduos e até ser atingida pela cabeça do pistão, ao passo que uma vela mal assentada (isto é, que não tenha sido adequadamente rosqueada) pode provocar perda de compressão e ser expelida do cabeçote.

Como toda regra tem exceção, há velas com múltiplos eletrodos e motores que utilizam duas velas por cilindro. Os mais conhecidos são os dos primeiros Honda Fit 1.4, dos Alfa Romeo 164 Twin Spark, da Mercedes M-112 V6 e das primeiras Ford Ranger. Essa solução visava intensificar a faísca e otimizar a queima da mistura, mas foi substituída por amplificadores de centelha, velas com tecnologia Iridium, cabos de menor resistência, bobinas individuais (uma para cada cilindro) e até mesmo ciclos mais modernos — como o Atkinson —, que custam menos e dão melhores resultados. Mesmo assim, motores aeronáuticos de pistão continuam utilizando duas velas por cilindro, até porque lá em cima não tem acostamento.

Continua no próximo capítulo.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA -- O CABEÇOTE DO MOTOR

NÃO GRITE A SUA FELICIDADE, POIS A INVEJA TEM SONO LEVE.

Vimos que, entre o cabeçote e o bloco do motor, uma junta assegura a perfeita vedação das câmaras de combustão e a continuidade dos circuitos de refrigeração e lubrificação do motor.

Na parte superior do cabeçote, ficam os mancais de apoio do comando de válvulas de admissão e de escapamento, as molas de retorno de abertura, as chavetas, os tuchos, os balancins e os retentores; na parte inferior, a câmara de combustão, as sedes de válvulas e, rosqueada na câmara, a vela de ignição, que é responsável por produzir a centelha que inflama a mistura no ciclo de combustão.

Nas "paredes" do cabeçote, dutos funcionam como "galerias" por onde circulam (separadamente) o líquido de arrefecimento e o óleo lubrificante

Observação: A título de cultura inútil — já que os graxeiros de garagem são uma categoria em extinção —, a folga entre os eletrodos da vela deve ser ajustada de acordo com as especificações do fabricante. Para tanto, utiliza-se um calibre de folga, não o olhômetro ou uma folha de serra. Alguns motores são projetados para usar velas com múltiplos eletrodos, e também há cabeçotes de fluxo simples e de fluxo cruzado — nestes últimos, a admissão da mistura ar-combustível entra por um lado e os gases resultantes da combustão saem pelo outro, porém as vantagens se resumem basicamente ao aproveitamento de espaço —, mas isso é outra conversa.

Além de facilitar a manutenção do motor, o cabeçote é essencial para seu bom desempenho, pois determina o formato e o volume da câmara de combustão, a passagem dos gases de admissão e escape, o funcionamento das válvulas e seu comando. Alterando esse o projeto (ou simplesmente rebaixando o cabeçote), é possível alterar significativamente o desempenho do motor, mas isso também é outra conversa.

A figura que ilustra esta postagem mostra a parte inferior do cabeçote de um motor de 4 cilindros e 16 válvulas (quatro válvulas por cilindro, sendo duas de admissão e duas de escapamento). Modelos de 8 válvulas continuam sendo largamente utilizados, e também existem configurações com 3 ou 5 válvulas, mas isso é assunto para o próximo capítulo.

Nos antigos motores "flat head" (cabeça chata, em tradução literal), esse componente, que era basicamente uma simples "tampa" da câmara de combustão", abrigava somente a vela de ignição; as válvulas de admissão e escapamento ficavam no bloco do motor. Hoje em dia, praticamente todos os motores de quatro tempos (ciclo Otto) são do tipo OHV (sigla em inglês para "válvulas sobre o cabeçote"), que otimiza significativamente os fluxos de admissão da mistura ar-combustível e do escape dos gases resultantes da combustão em relação à arcaica configuração com válvulas no bloco do motor.

A tecnologia SOHC reposicionou o eixo-comando de válvulas no cabeçote, garantindo melhor acionamento com menos partes móveis e maior durabilidade do conjunto, além de permitir que o motor trabalhe em regimes de giro mais elevados. Mais adiante, os DOHC — com duas árvores de comando de válvulas no cabeçote (vide ilustração à direita) — e os comandos variáveis otimizaram o funcionamento do propulsor, aprimorando seu desempenho e reduzindo o consumo de combustível.

Numa visão simplista, mas adequada aos propósitos desta postagem, o comando de válvulas é um eixo com cames (ressaltos excêntricos) ligado ao virabrequim (eixo de manivelas que, com o auxílio das bielas, movimenta os pistões dentro dos cilindros) por engrenagens ou polias acionadas por correias ou correntes, de maneira a garantir que as válvulas de admissão e escapamento trabalhem sincronizadas com o sobe e desce dos pistões. Como existe uma relação direta entre o formato dos cames e o funcionamento do motor nas diversas faixas de rotação, os comandos variáveis permitem alterar o curso e tempo de abertura das válvulas conforme a faixa de rotação, de maneira a privilegiar o desempenho ou a economia de combustível (o comando comum, não variável, abre as válvulas sempre do mesmo jeito, independentemente da rotação do motor).

Continua no próximo capítulo