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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

SOBRE O CABEÇOTE E OS MOTORES MULTIVÁLVULA


A FOME É A MELHOR COZINHEIRA.

Das mais priscas eras até pouco tempo atrás, o acionamento das válvulas se dava sempre do mesmo jeito, já que o momento da abertura e o tempo durante o qual elas ficavam abertas dependia diretamente da geometria dos cames (ressaltos existentes do eixo-comando, que por isso é chamado também de "árvore de cames").

Para melhorar a performance dos propulsores, um dos "venenos" mais comuns sempre foi substituir o comando original por um modelo mais "brabo", ou seja, capaz de gerar mais torque e/ou potência (veremos em breve o que significam esses dois termos) alterando os parâmetros de funcionamento das válvulas. 

A questão é que, a exemplo do "rebaixamento" do cabeçote (outro "veneno" muito usado pelos preparadores), os benefícios da troca do comando em situações específicas — nas pistas, por exemplo — nem sempre compensavam o desconforto no uso diário: além da marcha lenta instável, o funcionamento do motor em baixas rotações restava prejudicado.

Como sempre, a solução veio nas asas da evolução tecnológica, que nos trouxe os motores multiválvula, o duplo comando variável e outros aprimoramentos voltados inicialmente a veículos esportivos, mas que logo se disseminaram entre os modelos "de passeio" — contribuindo, inclusive, para o "downsizing" dos propulsores (assunto que abordaremos mais adiante).

Por motores "multiválvula", entenda-se os que contam com duas ou mais válvulas de admissão e/ou de escapamento por cilindro. Essa tecnologia remonta ao início do século passado e vinha sendo largamente utilizada em carros de corrida, mas só começou a ser aplicada nos veículos "de linha" na década de 70.  

Substituir 2 válvulas grandes (falo do diâmetro) por 4 válvulas menores evita flutuações em altas rotações, permitindo que o motor funcione melhor em regimes de giro mais elevados — o que, em última análise, aumenta a potência. Por outro lado, cabeçotes multiválvula têm mais componentes e mais partes móveis, o que significa mais peso e maior custo de manutenção. Isso sem mencionar sua tendência de gerar menos torque em rotações baixas e médias, pois a área maior coberta pelas válvulas reduz a velocidade do fluxo de ar no coletor de admissão, tornando a mistura menos homogênea e, consequentemente, limitando a potência gerada pela combustão. Isso não é problema em carros pista e esportivos usados com tal, mas a coisa muda de figura quando se trata de veículos "de passeio", que rodam durante a maior parte do tempo por trechos urbanos e, não raro, congestionados. 

Observação: A indústria automotiva vem utilizando somente comandos de válvulas acionados mecanicamente em veículos de série. Alguns esportivos são equipados com mecanismos adicionais de controle, que permitem modificar o padrão de movimento das válvulas, mas isso é outra conversa. 

Em veículos de entrada de linha e sem pretensões esportivas, os fabricantes continuam aplicando propulsores de 2 válvulas por cilindro. Nos modelos mais caros, voltados a um público alvo que não se importa de pagar mais por melhor desempenho, motores com 3 e até 5 válvulas por cilindro são bastante comuns — nos de 5 válvulasas 3 de admissão são abertas em momentos diferentes, otimizando a queima da mistura, gerando mais potência e gases de escape mais limpos, o que reduz a emissão de poluentes. Mas a maioria dos modelos multiválvula de 4 cilindros têm 16 válvulas — 4 por cilindro, geralmente duas de admissão e duas de escapamento, sendo as de admissão de maior diâmetro, mas há sistemas de 32 válvulas em motores V8 — em que os cilindros são divididos em duas séries de quatro dispostas lado a lado — com 4 válvulas por cilindro.

Não quero dizer com isso que motores de 2 válvulas por cilindro não oferecem desempenho aceitável; tudo depende do projeto — notadamente da velocidade de abertura e fechamento das válvulas, do momento em que elas se abrem e fecham e do tempo durante o qual elas permanecem abertas — e, claro, daquilo que se pretende extrair do propulsor. Mas não é difícil concluir que uma válvula de admissão aberta por mais tempo propicia a aspiração de um volume maior de mistura ar-combustível, o que garante uma explosão mais forte e, consequentemente, gera mais energia cinética. Se explodiu mais‚ é óbvio que há mais gases queimados e, por consequência, a válvula de descarga também precisa ficar mais tempo aberta, e é aí que a porca torce o rabo para os projetistas.

Continua no próximo capítulo.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA -- O CABEÇOTE DO MOTOR

NÃO GRITE A SUA FELICIDADE, POIS A INVEJA TEM SONO LEVE.

Vimos que, entre o cabeçote e o bloco do motor, uma junta assegura a perfeita vedação das câmaras de combustão e a continuidade dos circuitos de refrigeração e lubrificação do motor.

Na parte superior do cabeçote, ficam os mancais de apoio do comando de válvulas de admissão e de escapamento, as molas de retorno de abertura, as chavetas, os tuchos, os balancins e os retentores; na parte inferior, a câmara de combustão, as sedes de válvulas e, rosqueada na câmara, a vela de ignição, que é responsável por produzir a centelha que inflama a mistura no ciclo de combustão.

Nas "paredes" do cabeçote, dutos funcionam como "galerias" por onde circulam (separadamente) o líquido de arrefecimento e o óleo lubrificante

Observação: A título de cultura inútil — já que os graxeiros de garagem são uma categoria em extinção —, a folga entre os eletrodos da vela deve ser ajustada de acordo com as especificações do fabricante. Para tanto, utiliza-se um calibre de folga, não o olhômetro ou uma folha de serra. Alguns motores são projetados para usar velas com múltiplos eletrodos, e também há cabeçotes de fluxo simples e de fluxo cruzado — nestes últimos, a admissão da mistura ar-combustível entra por um lado e os gases resultantes da combustão saem pelo outro, porém as vantagens se resumem basicamente ao aproveitamento de espaço —, mas isso é outra conversa.

Além de facilitar a manutenção do motor, o cabeçote é essencial para seu bom desempenho, pois determina o formato e o volume da câmara de combustão, a passagem dos gases de admissão e escape, o funcionamento das válvulas e seu comando. Alterando esse o projeto (ou simplesmente rebaixando o cabeçote), é possível alterar significativamente o desempenho do motor, mas isso também é outra conversa.

A figura que ilustra esta postagem mostra a parte inferior do cabeçote de um motor de 4 cilindros e 16 válvulas (quatro válvulas por cilindro, sendo duas de admissão e duas de escapamento). Modelos de 8 válvulas continuam sendo largamente utilizados, e também existem configurações com 3 ou 5 válvulas, mas isso é assunto para o próximo capítulo.

Nos antigos motores "flat head" (cabeça chata, em tradução literal), esse componente, que era basicamente uma simples "tampa" da câmara de combustão", abrigava somente a vela de ignição; as válvulas de admissão e escapamento ficavam no bloco do motor. Hoje em dia, praticamente todos os motores de quatro tempos (ciclo Otto) são do tipo OHV (sigla em inglês para "válvulas sobre o cabeçote"), que otimiza significativamente os fluxos de admissão da mistura ar-combustível e do escape dos gases resultantes da combustão em relação à arcaica configuração com válvulas no bloco do motor.

A tecnologia SOHC reposicionou o eixo-comando de válvulas no cabeçote, garantindo melhor acionamento com menos partes móveis e maior durabilidade do conjunto, além de permitir que o motor trabalhe em regimes de giro mais elevados. Mais adiante, os DOHC — com duas árvores de comando de válvulas no cabeçote (vide ilustração à direita) — e os comandos variáveis otimizaram o funcionamento do propulsor, aprimorando seu desempenho e reduzindo o consumo de combustível.

Numa visão simplista, mas adequada aos propósitos desta postagem, o comando de válvulas é um eixo com cames (ressaltos excêntricos) ligado ao virabrequim (eixo de manivelas que, com o auxílio das bielas, movimenta os pistões dentro dos cilindros) por engrenagens ou polias acionadas por correias ou correntes, de maneira a garantir que as válvulas de admissão e escapamento trabalhem sincronizadas com o sobe e desce dos pistões. Como existe uma relação direta entre o formato dos cames e o funcionamento do motor nas diversas faixas de rotação, os comandos variáveis permitem alterar o curso e tempo de abertura das válvulas conforme a faixa de rotação, de maneira a privilegiar o desempenho ou a economia de combustível (o comando comum, não variável, abre as válvulas sempre do mesmo jeito, independentemente da rotação do motor).

Continua no próximo capítulo