Mostrando postagens com marcador torque e potência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador torque e potência. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

AINDA SOBRE MOTORES MULTIVÁLVULA, COMANDOS VARIÁVEIS E QUE TAIS


TODA GUERRA TEM SEUS MORTOS E FERIDOS.

O que foi explanado nos capítulos anteriores nos leva à seguinte pergunta: se duas ou mais válvulas de admissão por cilindro aumentam o volume da mistura, potencializam a combustão e geram mais potência, por que, então, não adotar essa solução em todos os motores? 

A resposta simples: porque isso eleva o custo de produção do motor e o preço final do veículo, além de proporcionar ganhos mais expressivos em altas rotações. No trânsito urbano (e geralmente congestionado) da grandes metrópoles, se não se consegue sequer engrenar a terceira marcha, que dirá de acelerar o motor a fundo, levando o ponteiro do conta-giros até a faixa vermelha antes de trocar de marcha? E nesse contexto os motores com duas válvulas por cilindro têm desempenho semelhante ou até melhor do que os multiválvula. Mesmo assim os fabricantes se aproveitam do apelo mercadológico da evolução tecnológica para valorizar seus produtos. Um bom é o "i" adicionado nos Gol GTi, Monza GSi etc., que contavam com a então inovadora injeção eletrônica de combustível.

Observação: Note que nem toda injeção de combustível usa eletricidade e processamento eletrônico. Os primeiros sistemas de injeção mecânica foram criados por Leon Levavasseur, que também idealizou os motores V8 (nos quais os cilindros são dispostos em duas bancadas de 4, que, unidas pelo virabrequim, formam um "V"). Em 1907 ele aplicou um sistema de injeção direta nos cilindros de um dos motores V8 que equipavam os aviões Antoinette VII, mas isso já é outra história.

O mesmo se dá hoje em dia com a inscrição 16v exibida pelos veículos equipados com propulsores de quatro cilindros e quatro válvulas por cilindros, que prometem desempenho superior aos de oito válvulas. Se você está pensando em trocar sua carroça velha de guerra por um modelo mais atual, essa questão certamente lhe passou pela cabeça em algum momento. Mas saiba que, inobstante a escolha que fizer, você sairá ganhando na foice e perdendo no machado. Ou vice-versa.

Volto a lembrar que a quantidade de mistura aspirada para dentro dos cilindros determina a potência do motor, e duas "portas de entrada" melhoram o fluxo — sobretudo em regimes de alta rotação, nos quais o tempo para a renovação da mistura a cada ciclo reduz-se drasticamente. Nos modelos convencionais, essa “asfixia” faz com que o giro demore a subir; nos multiválvula, a progressão mais linear e contínua resulta num comportamento "mais vigoroso" em altas rotações.

Devido à inércia sensivelmente maior, os motores multiválvula tendem a ser mais “preguiçosos” em baixa rotação. Mas esse problema (ou característica, melhor dizendo) vem sendo atenuado com a adoção dos sistemas de comando variável, identificados por siglas como V-Tec, VVTi ou similares. No entanto, a combinação 1.0 + 16v já ganhou fama de motorzinho de dentista ou de máquina de costura, e não sem razão. Então, se você é fã de arrancadas ágeis e acelerações rápidas, carro 1.0, só com turbo ou supercharger.

Observação: Como a necessidade de admissão é maior que a de escapamento (daí as válvulas de admissão serem maiores que as de exaustão nos modelos de 4 válvulas por cilindro), alguns fabricantes adotam três ou cinco válvulas por cilindro, sendo duas de admissão e uma de escapamento, ou três de admissão e duas de escapamento.

A despeito de tudo que foi dito até aqui, o modo mais eficaz de aumentar o desempenho do motor (que, em última análise, consiste em aumentar o rendimento volumétrico) não é dobrar ou triplicar o número de válvulas, embora isso ajude um bocado, mas sim recorrer à sobrealimentação. Como vimos, quanto mais mistura ar-combustível adentrar o cilindro e for comprimida na câmara de explosão, mais energia resultará da sua queima e, consequentemente, mas torque e potência serão gerados.

Tomando como exemplo um motor de quatro cilindros 1.6 — ou seja, com deslocamento volumétrico de 1,6 l —, 400 ml de mistura deveriam ingressar em cada cilindro durante o ciclo de admissão. Deveriam, porque esse preenchimento tende a não ser total à mediada que a rotação aumenta. Assim, o pulo do gato é forçar o ingresso de mais ar (e, consequentemente, mais combustível) com o auxílio de um compressor, que pode ser acionado pelos gases do escapamento (turbocompressor) ou por um sistema mecânico de polias e correias (supercharger). Tanto um quanto o outro apresentam vantagens e desvantagens, como veremos nos próximos capítulos.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

DE VOLTA AO CABEÇOTE — VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS MODELOS MULTIVÁLVULA


NÃO EXISTE IDIOTA MAIOR QUE O APAIXONADO.

Retomo a abordagem sobre o impacto da evolução tecnológica no segmento automotivo a partir de onde a interrompi no último dia 10, depois de falar brevemente sobro os ciclos Atkinson, Miller e B, que, como o Diesel e o Wankel, são "alternativas" ao popular ciclo Otto. Em sendo necessário refrescar a memória, clique aqui para aceder ao capítulo inicial da sequência anterior, aqui para ler o capítulo de abertura da sequência e aqui para acessar a postagem que antecedeu ao penúltimo intervalo.

Para facilitar a compreensão do que está por vir, relembro que um motor a combustão de quatro tempos (ciclo Otto) transforma a energia calorífica do combustível na energia cinética que faz o carro andar. Nos modelos aspirados, o movimento descendente que os pistões realizam no interior dos cilindros durante o ciclo de admissão cria uma depressão que suga a mistura ar-combustível através das válvulas de admissão (que provêm comunicação entre os cilindros e o coletor da admissão).

Na sequência, o movimento ascendente que os êmbolos realizam durante o ciclo de compressão "espreme" a mistura no interior da câmara de explosão (espaço remanescente entre as cabeças dos pistões, no ponto morto superior do curso e a base do cabeçote), e a centelha produzida pela vela de ignição inflama essa mistura, dando início ao ciclo de combustão, no qual os gases compridos se expandem e empurram os êmbolos de volta ao ponto morto inferior (esse movimento linear retilíneo, convertido pela biela em movimento circular, gira o virabrequim). Por último, mas não menos importante, um novo movimento ascendente dos pistões, combinado com a abertura das válvulas de exaustão (que provêm comunicação entre a câmara e o coletor de escapamento), expulsa os gases remanescentes combustão, preparando os cilindros para o início de uma subsequente fase de admissão.

Note que as quatro fases (ou quatro tempos) do ciclo Otto se repetem milhares de vezes por minuto; em marcha lenta, o motor "gira" de 800 a 1000 vezes por minuto; em regime de potência máxima, o giro sobe para algo entre 6000 e 7000 (podendo chegar a 15.000 nos bólidos de Formula 1). Para medir a rotação do motor (ou velocidade angular, como queiram), utiliza-se um tacômetro, vulgarmente conhecido como conta-giros, que expressa essa grandeza em rotações por minuto (RPM).

No motor de 4 tempos, o "momento motor" ocorre a cada duas descidas do pistão, razão pela qual o comando de válvulas gira na metade da velocidade do virabrequim. Como o conta-giros indica as voltas do virabrequim, quando ele marca 4.000 RPM, por exemplo, o motor realiza "apenas" 2.000 ciclos completos (admissão, compressão, combustão e descarga) por minuto. Note que somente a fase de combustão é considerada como "ciclo ativo", já que é a única que realiza trabalho (ou seja, gera torque e potência), e que, inobstante o número de cilindros (4, 6, 8, 12, etc.), uma sequência de distribuição pré-definida impede que dois pistões realizem a mesma fase o mesmo tempo.

Todo motor conta com pelo menos 2 válvulas por cilindro (uma de admissão e outra de escapamento). Nos modelos "multiválvula", que começaram a ser desenvolvidos no início do século passado, mas só passaram a equipar veículos de passeio de alto desempenho nos anos 1980 (a Honda e a Toyota foram as precursoras, mas logo foram seguidas por montadoras dos EUA), pode haver 3, 4, 5 ou mais válvulas por cilindro (vide imagem que ilustra este post).

Mais válvulas de admissão, mesmo que de diâmetro menor, aumentam a quantidade de mistura ar-combustível aspirada pelo pistão na fase de admissão. Combinado com o reposicionamento da vela de ignição na câmara de explosão — que proporciona uma propagação mais rápida da chama e otimiza o aproveitamento da queima —, um volume maior de mistura aumenta a quantidade de energia calorífica e produz mais energia cinética — ou seja, mais torque e potência são despejados nas rodas motrizes.

Ainda que motores "multiválvula" tenham se tornado comuns (voltaremos a esse assunto mais adiante), o ganho de potência em rotações mais altas pode não compensar a diminuição do torque em regimes de giro mais baixos, e como a maioria de nós trafega mais tempo em percursos urbanos (com trânsito congestionado) do que na estrada, a conclusão é óbvia.