quinta-feira, 24 de outubro de 2019

DE VOLTA AO CABEÇOTE — VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS MODELOS MULTIVÁLVULA


NÃO EXISTE IDIOTA MAIOR QUE O APAIXONADO.

Retomo a abordagem sobre o impacto da evolução tecnológica no segmento automotivo a partir de onde a interrompi no último dia 10, depois de falar brevemente sobro os ciclos Atkinson, Miller e B, que, como o Diesel e o Wankel, são "alternativas" ao popular ciclo Otto. Em sendo necessário refrescar a memória, clique aqui para aceder ao capítulo inicial da sequência anterior, aqui para ler o capítulo de abertura da sequência e aqui para acessar a postagem que antecedeu ao penúltimo intervalo.

Para facilitar a compreensão do que está por vir, relembro que um motor a combustão de quatro tempos (ciclo Otto) transforma a energia calorífica do combustível na energia cinética que faz o carro andar. Nos modelos aspirados, o movimento descendente que os pistões realizam no interior dos cilindros durante o ciclo de admissão cria uma depressão que suga a mistura ar-combustível através das válvulas de admissão (que provêm comunicação entre os cilindros e o coletor da admissão).

Na sequência, o movimento ascendente que os êmbolos realizam durante o ciclo de compressão "espreme" a mistura no interior da câmara de explosão (espaço remanescente entre as cabeças dos pistões, no ponto morto superior do curso e a base do cabeçote), e a centelha produzida pela vela de ignição inflama essa mistura, dando início ao ciclo de combustão, no qual os gases compridos se expandem e empurram os êmbolos de volta ao ponto morto inferior (esse movimento linear retilíneo, convertido pela biela em movimento circular, gira o virabrequim). Por último, mas não menos importante, um novo movimento ascendente dos pistões, combinado com a abertura das válvulas de exaustão (que provêm comunicação entre a câmara e o coletor de escapamento), expulsa os gases remanescentes combustão, preparando os cilindros para o início de uma subsequente fase de admissão.

Note que as quatro fases (ou quatro tempos) do ciclo Otto se repetem milhares de vezes por minuto; em marcha lenta, o motor "gira" de 800 a 1000 vezes por minuto; em regime de potência máxima, o giro sobe para algo entre 6000 e 7000 (podendo chegar a 15.000 nos bólidos de Formula 1). Para medir a rotação do motor (ou velocidade angular, como queiram), utiliza-se um tacômetro, vulgarmente conhecido como conta-giros, que expressa essa grandeza em rotações por minuto (RPM).

No motor de 4 tempos, o "momento motor" ocorre a cada duas descidas do pistão, razão pela qual o comando de válvulas gira na metade da velocidade do virabrequim. Como o conta-giros indica as voltas do virabrequim, quando ele marca 4.000 RPM, por exemplo, o motor realiza "apenas" 2.000 ciclos completos (admissão, compressão, combustão e descarga) por minuto. Note que somente a fase de combustão é considerada como "ciclo ativo", já que é a única que realiza trabalho (ou seja, gera torque e potência), e que, inobstante o número de cilindros (4, 6, 8, 12, etc.), uma sequência de distribuição pré-definida impede que dois pistões realizem a mesma fase o mesmo tempo.

Todo motor conta com pelo menos 2 válvulas por cilindro (uma de admissão e outra de escapamento). Nos modelos "multiválvula", que começaram a ser desenvolvidos no início do século passado, mas só passaram a equipar veículos de passeio de alto desempenho nos anos 1980 (a Honda e a Toyota foram as precursoras, mas logo foram seguidas por montadoras dos EUA), pode haver 3, 4, 5 ou mais válvulas por cilindro (vide imagem que ilustra este post).

Mais válvulas de admissão, mesmo que de diâmetro menor, aumentam a quantidade de mistura ar-combustível aspirada pelo pistão na fase de admissão. Combinado com o reposicionamento da vela de ignição na câmara de explosão — que proporciona uma propagação mais rápida da chama e otimiza o aproveitamento da queima —, um volume maior de mistura aumenta a quantidade de energia calorífica e produz mais energia cinética — ou seja, mais torque e potência são despejados nas rodas motrizes.

Ainda que motores "multiválvula" tenham se tornado comuns (voltaremos a esse assunto mais adiante), o ganho de potência em rotações mais altas pode não compensar a diminuição do torque em regimes de giro mais baixos, e como a maioria de nós trafega mais tempo em percursos urbanos (com trânsito congestionado) do que na estrada, a conclusão é óbvia.