quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O STF E A PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA — AINDA DÁ TEMPO FAZER UMA FEZINHA...


Senado retoma nesta quarta-feira a votação de dois destaques que, caso sejam aprovados, reduzem a economia projetada pela PEC Previdenciária economia em pelo menos R$ 76,5 bilhões em 10 anos, além de suscitar dúvidas quanto à necessidade (ou não) de a reforma retornar à Câmara. O risco de derrota na apreciação do destaque do PT levou o presidente da Casa a suspender a votação que estava em andamento e encerrar a sessão na noite de ontem. Dito isso, passemos à postagem do dia

Fezinha no sentido de aposta, é bom deixar claro. No entanto, se você tem fé, não custa rezar. Ou acender uma vela para seu santo de devoção, jogar flores ao mar para Yemanjá, botar despacho na encruza, enfim... Ouvi alguém dizer certa vez que se macumba ganhasse jogo o campeonato baiano terminava empatado. Em, particularmente, estou com os espanhóis: "No creo en brujas, pero que las hay, las hay". Mas reze, caro leitor. A fé move montanhas. E se não ajudar, atrapalhar é que não vai.

O Supremo, cuja função precípua é a de guardião da Constituição, torna-se verdadeira "curva de rio" (onde se acumula todo o lixo trazido pela correnteza) quando atua como última instância da Justiça criminal. E se a Constituição Cidadã já não é grande coisa (pelos motivos que expus em diversas oportunidades), a atual composição da Suprema Corte é ainda pior (pelo motivos que eu também expus em diversas oportunidades), a começar pelo atual presidente, que levou bomba em dois concursos para Juiz de primeira instância (em 1994 e 1995, ambas as vezes na etapa preliminar, que avalia conhecimentos gerais e noções elementares de Direito do candidato), foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, atuou nas campanhas de Lula à presidência (em 1998, 2002 e 2006), ocupou o cargo de subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República, foi promovido a advogado-geral da União e finalmente a ministro do STF (em 2009, na vaga aberta com a morte de Carlos Alberto Menezes Direito).

A vida pregressa de José Antonio Dias Toffoli dificilmente justificaria sua nomeação para a mais alta corte do país, mas no Brasil o Q.I. (de “Quem Indica”) fala mais alto, e estar nas boas graças do grão-petralha fez toda a diferença na época. E assim o nome de Toffoli foi aprovado no Senado, em votação secreta, por 58 votos a favor, 9 contra e 3 abstenções. Nas sabatina de praxe, o então candidato a ministro classificou como “coisa do passado” sua atuação como advogado de Lula e do PT, e afirmou que não tinha mestrado, doutorado, nem escrevera qualquer livro simplesmente porque “optou pela advocacia, que é uma atividade nobre, honrosa, que na Constituição federal como função essencial justiça, defensora das liberdades, da aplicação dos direitos". Vale lembrar que, segundo nossa formidável Carta Magna, não é preciso ser bacharel em Direito para concorrer a uma vaga no Supremo; exige-se do candidato, somente, “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” — vale mencionar que a OAB exclui da lista de indicações para o quinto constitucional advogados reprovados em concursos para a magistratura.

Observação: Mesmo sendo considerado incapaz de assinar uma simples sentença de despejo e a despeito de ter sido condenado a devolver aos cofres públicos cerca de R$ 700 mil recebidos indevidamente, o apadrinhado de Lula se tornou ministro supremo. Mais adiante, ele foi citado na delação Léo Pinheiro por ter sido agraciado com reformas milionárias em sua mansão e acusado de receber mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel.

Em 2012, durante o julgamento do mensalão, Toffoli não se deu por impedido e tampouco encontrou provas suficientes contra seu ex-chefe José Dirceu — que acabou sendo condenado pela maioria da Corte. Por outro lado, pesa a seu favor o fato de ele ter considerado culpados Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e José Genoíno, ex-presidente do partido. Há quem diga que o ministro deixou a militância petista. Em fevereiro de 2016, quando o Supremo deu aval à prisão em segunda instância, ele foi favorável à tese, mas mudou de posição nos julgamentos seguintes, passando a defender o cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

No papel de guardião da Constituição, o Supremo tem o poder de definir o alcance do texto da Carta sobre temas que, direta ou indiretamente, afetam a vida de todos os brasileiros. Dada a inoperância do Poder Legislativo (a não ser quando o assunto interessa diretamente ao congressistas), o STF decidiu em 2009 pela impossibilidade se prender alguém antes que os tribunais superiores (leia-se o STJ e o próprio Supremo) analisassem os recursos das defesas. O entendimento vigeu (e fomentou a impunidade) por sete longos anos.

Em fevereiro de 2016, já com a Lava-Jato no encalço de figurões da elite política e econômica do país, um novo entendimento consagrado pelo plenário da Corte tornou possível a prisão do réu logo após sua condenação por um órgão colegiado. A medida teve impacto direto nas investigações. Poderosos de todos os tipos se viram — como nunca antes na história deste país, parafraseando um ex-presidente que conheceu a cadeia justamente após a decisão dos ministros) sob risco de ver o sol nascer quadrado, e muitos passaram a fechar acordos de colaboração premiada como forma de evitar as agruras do cárcere. Pouco mais de três anos após a mudança e já com a Lava-Jato batendo na porta do próprio Judiciário, os nobres magistrados acharam por bem revisitar o tema. Sob a presidência de Dias Toffoli, que em 2016, a exemplo de seu mentor (Gilmar Mendes), era favorável à prisão, mudou de ideia, e agora a corte tende a voltar à posição de 2009.

Feita essa (não tão) breve introdução, passemos ao que interessa, pelo menos a quem quer apostar no resultado do julgamento das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância. Na sessão da semana passada, pouco se ouviu além da mais pura cantilena para dormitar bovinos. Agora, porém, espera-se um debate ferrenho entre as alas garantista e punitivista do tribunal.

Sempre que faz uma fezinha na Loteria Esportiva, o apostador ortodoxo analisa desempenho dos times cujo resultado das partidas definirá o ganhador (ou os ganhadores) da bolada. Claro que o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e não raro a zebrinha morre de rir de quem seguiu a lógica. No caso em tela, porém, prever qual "time" sairá vitoriosos e qual será o placar da partida é um exercício de futurologia, embora possamos nos balizar pela posição que vem sendo adotada pelos togados supremos.

Edson Fachin votou pela prisão após condenação em segunda instância em todos os julgamentos de que participou. “Se afirmamos que a presunção de inocência não cede nem mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes julgadores de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes de instância à qual não se opõem limites à devolutividade recursal, reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição erigiu uma presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das instâncias ordinárias", disse ele em 2016.

Luiz Roberto Barroso também votou todas as vezes pela possibilidade de prisão a partir da condenação em segundo grau, sendo, atualmente, o ministro mais combativo da Corte em defesa da manutenção do status quo. “Não há dúvida de que a interpretação que interdita a prisão anterior ao trânsito em julgado tem representado uma proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas. Afinal, um direito penal sério e eficaz constitui instrumento para a garantia desses bens jurídicos tão caros à ordem constitucional de 1988. (…) No momento em que se dá a condenação do réu em segundo grau de jurisdição, estabelecem-se algumas certezas jurídicas: a materialidade do delito, sua autoria e a impossibilidade de rediscussão de fatos e provas (o grifo é meu). Neste cenário, retardar infundadamente a prisão do réu condenado estaria em inerente contraste com a preservação da ordem pública, aqui entendida como a eficácia do direito penal exigida para a proteção da vida, da segurança e da integridade das pessoas e de todos os demais fins que justificam o próprio sistema criminal. Estão em jogo aqui a credibilidade do Judiciário — inevitavelmente abalada com a demora da repreensão eficaz do delito —, sem mencionar os deveres de proteção por parte do Estado e o papel preventivo do direito penal. A afronta à ordem pública torna-se ainda mais patente ao se considerar o já mencionado baixíssimo índice de provimento de recursos extraordinários, inferior a 1,5% (em verdade, inferior a 0,1% se considerarmos apenas as decisões absolutórias), sacrificando os diversos valores aqui invocados em nome de um formalismo estéril. (…) A mudança de entendimento também auxiliará na quebra do paradigma da impunidade. Como já se afirmou, no sistema penal brasileiro, a possibilidade de aguardar o trânsito em julgado do recurso especial e do recurso extraordinário em liberdade para apenas então iniciar a execução da pena tem enfraquecido demasiadamente a tutela dos bens jurídicos resguardados pelo direito penal e a própria confiança da sociedade na Justiça criminal. Ao evitar que a punição penal possa ser retardada por anos e mesmo décadas, restaura-se o sentimento social de eficácia da lei penal. Ainda, iniciando-se a execução da pena desde a decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, evita-se que a morosidade processual possa conduzir à prescrição dos delitos. Desse modo, em linha com as legítimas demandas da sociedade por um direito penal sério (ainda que moderado), deve-se buscar privilegiar a interpretação que confira maior — e não menor — efetividade ao sistema processual penal”, argumentou o ministro, também em 2016.

A exemplo do xará e colega retrocidado, Luiz Fux, atual vice-presidente do STF, é favorável à prisão após condenação em segunda instância. “Nos países onde a Justiça é muito célere, até pode-se cogitar do trânsito em julgado (esgotamento de todos os recursos) neste país, mas no Brasil as decisões demoram muito para se solidificar e se tornarem imutáveis. De sorte que eu considero realmente um retrocesso se essa jurisprudência for modificada”, disse ele a jornalistas, antes da sessão plenária da semana passada. “Por outro lado, em todos os países do mundo, a mudança da jurisprudência se dá depois de longos anos, porque a jurisprudência tem de se manter íntegra, estável e coerente — e nós não somos diferentes de ninguém. Estamos adotando um precedente e temos de seguir essa regra. E estamos seguindo países como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Portugal, Espanha e demais países do mundo”, completou o magistrado.

Rosa Weber é contra a prisão após condenação em segunda instância, mas, no julgamento de um habeas corpus de Lula, em abril de 2018, decidiu a favor por entender que, naquele momento, era preciso seguir o entendimento do plenário do STF sobre o tema. “Tenho alguma dificuldade na revisão da jurisprudência pela só alteração dos integrantes da corte. Para a sociedade, existe o Poder Judiciário, a instituição, no caso o Supremo Tribunal Federal. Por isso é que, embora louvando, como já disse, e até compartilhando dessas preocupações todas — é emblemático o caso que o eminente Ministro Luís Roberto refere, sob a minha relatoria, revelador do uso abusivo e indevido de recursos, e estamos todos os dias enfrentando essa realidade —, eu, talvez por falta de reflexão maior , não me sinto hoje à vontade para referendar a revisão da jurisprudência proposta (…) Há questões pragmáticas envolvidas, não tenho a menor dúvida, mas penso que o melhor caminho para solucioná-las não passa pela alteração, por esta Corte, de sua compreensão sobre o texto constitucional no aspecto", disse a ministra, também em 2016. E em 2018, no julgamento do habeas corpus de Lula: “Compreendido o tribunal como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência, como tampouco o são, acresço, razões de natureza pragmática ou conjuntural (…) Colocadas tais premissas teóricas, e forte no que nelas explicitei, destaco que, tendo integrado a corrente minoritária neste plenário quanto ao tema de fundo, passei a adotar, nesta Suprema Corte e no exercício da jurisdição eleitoral, no TSE, a orientação hoje prevalecente, de modo a atender não só o dever de equidade que há de nortear, na minha visão, a prestação jurisdicional — tratar casos semelhantes de modo semelhante —, mas também, como sempre enfatizo, o princípio da colegialidade que, enquanto expressão da exigência de integridade da jurisprudência, é meio de atribuir autoridade e institucionalidade às decisões desta casa."

Cármen Lúcia se recusou terminantemente a pautar o julgamento das ADCs durante os dois anos em que presidiu o Supremo, afirmando que rediscutir novamente o assunto, após um intervalo de tempo tão curto, seria apequenar o tribunal (se é que é possível apequená-lo ainda mais). Fato é que a ministra sempre foi favorável à prisão após decisão em segunda instância: “(...) As consequências eventuais com o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória haverão de ser tidas e havidas após o trânsito em julgado, mas a condenação que leva ao início de cumprimento de pena não afeta este princípio estabelecido inclusive em documentos internacionais (…) Portanto, naqueles julgamentos anteriores, afirmava que a mim não parecia ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade penal o início do cumprimento de pena determinado quando já exaurida a fase de provas, que se extingue exatamente após o duplo grau de jurisdição, porque então se discute o direito (…) Portanto, o quadro fático já está posto. Outras questões, claro, haverão de ser asseguradas para os réus. Por isso, Presidente, considerei e concluí, votando vencida naqueles julgados, no sentido de que o que a Constituição determina é a não culpa definitiva antes do trânsito, e não a não condenação, como disse agora o ministro Fux, se em duas instâncias já foi assim considerado, nos termos inclusive das normas internacionais de Direitos Humanos", ponderou a magistrada em 2016 (note que, à época, Ricardo Lewandowski ainda presidia o STF).

Henrique Ricardo Lewandowski foi mais um togado supremo alçado ao cargo pela falta de noção — ou pelo amor as próprios interesses e conveniências — de certo ex-presidente presidiário das dimensões do cargo de ministro da nossa mais alta Corte de Justiça. Atuou como advogado militante de 1974 a 1990. Era amigo da Famiglia Demarchi e ingressou na vida pública com o apoio de Walter Demarchi, que o nomeou para a Secretaria de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo (os Demarchi se orgulham de terem sugerido seu nome quando surgiu a vaga no STF, em 2006, com a aposentadoria do ministro Carlos Velloso, e de Lula ter aceitado prontamente a sugestão). Durante o julgamento do mensalão, retribuiu a gentileza do padrinho, atuando mais como defensor dos mensaleiros do que como julgador, e repetiu a dose quando, como presidente do STF, comandou a votação do impeachment de Dilma e, mancomunado com cangaceiro das Alagoas, que à época era presidente do Congresso, fatiou o objeto da votação em dois quesitos, evitando a cassação dos direitos políticos da mulher sapiens inutilis. Também é defensor ferrenho da prisão do dia de S. Nunca, digo, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, e votou nesse sentido em todos os julgamentos de que participou. “Eu vou pedir vênia ao eminente Relator e manter a minha posição, que vem de longa data, no sentido de prestigiar o princípio da presunção de inocência, estampado, com todas as letras, no art. 5º, inciso LVII, da nossa Constituição Federal. (…) Assim como fiz, ao proferir um longo voto no HC 84.078, relatado pelo eminente Ministro Eros Grau, eu quero reafirmar que não consigo, assim como expressou o Ministro Marco Aurélio, ultrapassar a taxatividade desse dispositivo constitucional, que diz que a presunção de inocência se mantém até o trânsito em julgado. Isso é absolutamente taxativo, categórico; não vejo como se possa interpretar esse dispositivo. (…) Em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de ¼ de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo” (2016).

Sobre Gilmar Mendes... ah, o Gilmar... Bastaria reler as postagens anteriores (além desta, que oferece informações mais detalhadas), mas vou dedicar algumas linhas àquele que Augusto Nunes tão bem definiu como Maritaca de Diamantino e o ministro Barroso, como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia". Em 2009, o ministro votou contra a prisão após condenação em segunda instância; em 2016, não só votou a favor como foi o maior defensor da tese no STF. Em abril de 2018, mudou novamente de opinião — ou não tem opinião, simplesmente age conforme seus interesse no momento —, e agora defende a ferro e fogo o retorno à jurisprudência anterior. Dado o cinismo dos argumentos desse decisor, prefiro nem transcrever o que ele disse nas últimas sessões.

Se nada mais se pode dizer a favor de Marco Aurélio Mello (detalhes nas postagens anteriores), há que reconhecer sua coerência. Ele sempre foi contrário à prisão em segunda instância e sempre votou nesse sentido em todos os julgamentos dos quais participou. Em dezembro passado, chegou mesmo a assinar uma liminar que determinava a libertação de todos os condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos às cortes superiores. “Em passado recente, o tribunal assentou a impossibilidade, levando inclusive o STJ a rever jurisprudência pacificada, de ter-se a execução provisória da pena? Porque, no rol principal das garantias constitucionais da Constituição de 1988, tem-se, em bom vernáculo, que ‘ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória’. (…) O preceito, a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual, onde o texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de vingar o princípio da autocontenção. Já disse nesta bancada que, quando avançamos, extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como que se lança um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa” (2016).

Celso de Mello também é coerente no erro, digo, em sua opinião sobre o tema: em todos os julgamentos de que participou, o decano da Corte sempre votou contra a prisão em segunda instância. “Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado, tal como tem advertido o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte. (…) Disso resulta, segundo entendo, que a consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa — independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado — há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve prevalecer, até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal, como uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral. (…) Lamento, senhores ministros, registrar-se, em tema tão caro e sensível às liberdades fundamentais dos cidadãos da República, essa preocupante inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista revelada em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do estado” (2016).

Alexandre de Moraes é o novato da Corte. Foi secretário estadual de Justiça e de Segurança Pública durante a gestão do governador paulista Geraldo Alckmin. Em maio de 2016, foi nomeado ministro da Justiça pelo Vampiro do Jaburu. Sua trajetória política é recheada de controvérsias — durante a crise penitenciária, por exemplo, declarações atrapalhada e feitas com demora, combinadas com a inabilidade para pôr um ponto final às rebeliões, levaram Temer pensar em demiti-lo do ministério da Justiça, mas, em vez disso, resolveu indicá-lo para a vaga aberta com a morte trágica do ministro Teori Zavascki num acidente aéreo em Parati. Muito se comentou sobre sua suposta ligação com o PCC, de quem Moraes teria sido advogado. Na verdade, ele advogou para a cooperativa de vans Transcooper, acusada de integrar um esquema de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro em ao menos 123 processos na área civil. Em sua defesa, o dono da careca mais luzidia do STF alegou que renunciou a todos os processos nos quais advogava quando assumiu a SSP e que ele e seus sócios jamais prestaram serviços à pessoas acusadas de fazerem parte do crime organizado, apenas à pessoa jurídica da cooperativa. Em 2018, Moraes votou a favor da prisão após condenação em segunda instância: “Ignorar a possibilidade de execução provisória de decisão condenatória de segundo grau, escrita e fundamentada, mediante a observância do devido processo legal, ampla defesa e contraditório e com absoluto respeito as exigências básicas decorrentes do princípio da presunção de inocência perante o juízo natural de mérito do Poder Judiciário — que, repita-se, não é o STJ nem o STF — seria atribuir eficácia zero ao princípio da efetiva tutela jurisdicional, em virtude de uma aplicação desproporcional e absoluta do princípio da presunção de inocência. (…) Exigir o trânsito em julgado ou decisão final para iniciar a execução da pena aplicada após a análise de mérito da dupla instância judicial constitucionalmente escolhida como juízo natural criminal seria subverter a lógica de harmonização dos diversos princípios constitucionais penais e processuais penais e negar eficácia aos diversos dispositivos já citados em benefício da aplicação absoluta e desproporcional de um único inciso do artigo 5º, com patente prejuízo ao princípio da tutela judicial efetiva.”

Como se vê, embora nada impeça qualquer dos ministros de rever sua posição, tudo indica que o resultado do julgamento de amanhã está nas mãos de Rosa Weber e Alexandre de Moraes. A sessão extraordinária começa às 9h30, mas o julgamento pode não ser concluído hoje, sem mencionar a possibilidade de algum ministro pedir vista do processo.O Vem Pra Rua mobilizou seguidores nas redes sociais para convencer BarrosoFuxFachin e Cármen Lúcia a pedirem vista e interromper o julgamento.

O STF tem sofrido pressões de todos os lados. A intimidação mais agressiva vem de caminhoneiros bolsonaristas, que gravaram vídeos ameaçando novas paralisações caso Lula seja solto. “Se vocês soltarem tudo que é ladrão, principalmente o maior de todos eles, que é o Lula, vocês vão ver a maior paralisação que este País já teve. E quando os caminhoneiros param, o Brasil para. Fica esperto, Toffoli”, diz um caminhoneiro identificado como “Marcão”. “Já viram caminhão subindo rampa? Vocês querem soltar bandido para benefício próprio de vocês. Chega! Ou vocês trabalham direito ou vão ver o que vai acontecer. Isso não é um recado, não. É uma promessa”, diz outro caminhoneiro.

A ofensiva também chegou aos gabinetes dos ministros, que não param de receber mensagens e ligações para impedir a revisão da atual jurisprudência. Só no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, foram mais de 2 mil telefonemas e 4,5 mil e-mails na semana passada. Na semana passada, o general Eduardo Villas Bôas defendeu no Twitter o “grande esforço para combater a corrupção” e alertou para os riscos de “convulsão social”. No ano passado, um tuíte dele na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula foi interpretado como intimidação. Agora, a nova postagem é vista na Corte como um “gesto isolado”.

A deputada federal Margarete Coelho, coordenadora do grupo de trabalho que analisa os projetos anticrime e anticorrupção na Câmara dos Deputados, rebateu nesta segunda-feira críticas de que os deputados se manifestaram sobre a prisão em 2ª instância ao retirar a prisão após julgamento em segunda instância do pacote enviado à Casa pelo governo federal. Para o grupo, o dispositivo deve ser tratado por meio de PEC. "Nós não decidimos a favor ou não de prisão de segunda instância. O que nós dissemos foi que a prisão de segunda instância tem que ser decidida pela Constituição e nesse momento essa medida já tramita na Câmara Federal". Segundo a deputada, o que precisa agora é a CCJ votar o parecer.

Enfim, alea jacta est. Façam suas apostas.