No apagar das luzes do ano legislativo, a Câmara aprovou por
esmagadora maioria o pacote de medidas anticrime e anticorrupção, menina dos olhos
do ex-juiz da Lava-Jato e hoje
ministro da Justiça e Segurança Pública. Lamentavelmente, foram retiradas do texto a Legitima defesa — que propunha a alteração do Código Penal para
permitir “reduzir a pena até a metade ou
deixar de aplicá-la” se o excesso em ações de autoridades públicas
decorresse “de escusável medo, surpresa
ou violenta emoção” —, a prisão após
segunda instância — que dispensa explicações — e o plea bargain — confissão dos suspeitos de terem praticado crimes
em troca de uma pena menor, sem necessidade de julgamento.
Como se vê, os efeitos detergentes promovidos pelo
eleitorado no ano passado foram insuficientes. Prova disso é que o todo
poderoso presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, citado como Botafogo nas
planilhas do departamento de propinas da Odebrecht,
que raramente vota, passou a presidência da sessão de ontem da Câmara ao
deputado Marcos Pereira para votar a
favor de um destaque que institui o juiz de garantias ao processo penal — que,
em tese, “fiscaliza” a legalidade da investigação.
O fato é que, desde sempre, vimos dando a Herodes acesso à chave do berçário. Veja, por exemplo, a institucionalização do mensalão pelos
punguistas do parlamento, sempre prontos a bater a carteira dos "contribuintes".
A despeito de faltar dinheiro para tudo, do papel higiênico nas repartições ao
giz nas escolas, passando pela saúde e segurança públicas, os nobilíssimos
congressistas aprovaram o relatório preliminar que
aumenta para R$ 3,8 bilhões o fundo eleitoral em 2020.
Para inflar os recursos das campanhas municipais, o
Congresso prevê cortes em saúde, educação e infraestrutura. O Executivo
desejava destinar R$ 2 bilhões para
custear as disputas locais, mas presidentes e líderes de partidos que
representam a maioria dos deputados e senadores articularam a elevação do valor
do fundo em R$ 1,8 bilhão. O novo
montante irá ainda à votação do relatório final na Comissão Mista do Orçamento, após o que o plenário do Congresso
analisará a proposta em sessão prevista para o dia 17 de dezembro. Se
mantido esse valor, o fundo será mais que o dobro em relação a 2018,
quando foram distribuídos R$ 1,7 bilhão
aos candidatos. O dinheiro sai do caixa da União (ou seja, do nosso bolso, pois o governo não gera recursos, apenas os administra).
"Nas democracias, as eleições precisam ser financiadas,
e o financiamento privado está vedado. É preciso construir no financiamento
público, mas tem de se verificar o valor e de onde virá o recurso para que a
sociedade compreenda com o mínimo de desgaste possível para o Congresso",
disse Botafogo. Se o Congresso
não recuar, Jair Bolsonaro dificilmente
vetará esse trecho do projeto, pois ele foi escrito (marotamente) de tal forma que seria
preciso barrar todos os recursos para o financiamento das campanhas em vez de
um veto parcial. E viva o povo brasileiro!
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Do jeito que as coisas vão, ainda vamos acabar com um
problemão. É o que acontece quando a ciência dos “especialistas” diz uma coisa,
e a vida real diz outra — no caso, como se ouve há onze meses, “o extremismo
neoliberal” do governo em geral e do ministro Paulo Guedes em especial
está “destruindo os sonhos” da população e arruinando a
economia brasileira, provavelmente para sempre.
Só que está dando o contrário a cada vez que um dado oficial
do desempenho da atividade econômica é divulgado: o que tinha de ser ruim,
quando a gente vai ver, é bom. Acabou de acontecer com o resultado do PIB, que cresceu 0,6% no terceiro trimestre deste ano, o
maior avanço desde o primeiro trimestre do ano passado. Para piorar, o desemprego também está caindo.
A solução para os “especialistas” é dizer que os números foram
“uma surpresa”, ou “atípicos”, ou alguma bobagem desse tipo. Ou seja: nós
estávamos certos, mas a realidade está errada. Outra saída é dizer que os
níveis e crescimento “tendem a não se sustentar”. É muito usado também, no caso
da queda do desemprego, dizer que está aumentando o “trabalho informal”, como
se ganhar a vida por conta própria não fosse trabalhar.
Em relação às vendas de Natal, que estão com cara de bombar,
a desculpa é que o “Natal é temporário”. Enfim, todo e qualquer avanço é
condenado como “lento demais” — sem que ninguém consiga dizer em que outro
lugar do mundo o ritmo de crescimento está na velocidade desejada pelos
analistas.
Quer perder o seu tempo? Continue lendo e ouvindo quem lhe diz que essa “situação aí” está muito difícil.
Alguém precisa avisar a uma parte dos nossos comunicadores
sociais que houve uma eleição para presidente da República um ano
atrás, que um dos lados presentes no turno final ganhou, e que, em consequência
desse fato, adquiriu o direito de fazer nomeações para cargos da administração
federal que não exijam aprovação dos demais poderes, passagem por concurso
público e outras exigências legais.
Ministros, por exemplo, mandarins do segundo escalão e
mais uma infinidade de cargos da máquina estatal, podem ser escolhidos pelos
vencedores das eleições segundo os critérios que acharem mais acertados — mesmo
porque é isso, justamente, que os eleitores esperam que seja feito pelo
candidato em que votaram. Nenhum desses fatos, porém, parece estar claro até
agora para uma porção de gente boa nesse país.
Temos assim, a cada vez que alguém é nomeado para alguma
função no bonde da União, um coro escandalizado de protestos – fulano de tal,
escolhido para o cargo tal, “é de direita”. Ah, não diga — e daí?
Esperavam o que? Que fosse de esquerda? Um não serve porque é contra as
drogas e não gosta de rock. Outro, porque acha que a proclamação da República
foi um golpe militar, ou é contra o aborto, o feriado da “Consciência Negra",
o aumento das reservas indígenas, ou acha que a agricultura precisa de
fertilizantes e defensivos químicos para produzir alguma coisa.
Mas são pessoas assim, e não o seu contrário, que a maioria
dos eleitores quer ver no governo. Essa maioria pensa como elas. Imagina que
estão corretas. Acha que deveriam ter sido nomeadas exatamente pelas razões que
seus críticos invocam para dizer que não deveriam. Ou é isso, ou então vai ser
preciso chamar aquela menina sueca para o Ministério do Ambiente.
Com J.R. Guzzo.