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segunda-feira, 22 de abril de 2019

PEC DA PREVIDÊNCIA NA CCJ — A HORA DO TOMA-LÁ-DÁ-CÁ


Bolsonaro foi eleito com 57 milhões de votos graças ao discurso antipetismo, anticorrupção e anti velha política. Uma vez empossado, desperdiçou os 100 primeiros dias de mandato com estultices que minaram sua popularidade e emperraram a tramitação do seu principal projeto e sustentáculo de governo.

Se tudo tivesse seguido o script, a reforma da Previdência estaria concluída no final deste semestre. Pelo andar da carruagem, devemos nos dar por felizes se até lá ela tiver sido aprovada na CCJ e na Comissão Especial da Câmara. (Na CCJ, a PEC pode ser aprovada amanhã — desde que o PT e seus satélites não atrapalhem e o governo renegocie a idade mínima, o benefício de prestação continuada e outras questões que nada têm a ver com a admissibilidade da proposta e só deveriam ser debatidas na próxima fase).

Quase quatro meses depois de ter subido a rampa, o capitão continua com os dois pés no palanque, fiel ao discurso que lhe rendeu bons resultados na campanha. Mas treino é treino e jogo é jogo; a partida começou pra valer em janeiro e o centroavante não se deu conta de que, neste nosso presidencialismo de cooptação, é impossível governar sem uma sólida base de apoio político-partidária. E Bolsonaro deveria saber disso melhor que ninguém, pois passou os últimos trinta anos no baixo-clero da Câmara, convivendo com deputados em sua maioria fisiologistas, useiros e vezeiros em colocar interesses pessoais ou corporativistas à frente das instâncias nacionais.

Com mais de 30 partidos dispostos ao casamento — a depender do dote, naturalmente —, o presidente se nega a fatiar o governo que montou a partir dos núcleos que comandaram sua exitosa campanha (militares, ruralistas, liberais, olavistas, evangélicos e familiares) e recheou com ministros heterodoxos e, salvo honrosas exceções, de uma parvoíce asinina. Alguém precisa lembrá-lo de que, sem uma base sólida de apoio, governar esta banânia é tão impraticável quanto calçar sapato em minhoca.

Observação: Todos os ex-presidentes da “nova república” se renderam ao sofisticado sistema de escambo em que cargos, verbas, emendas e ministérios são trocados por apoio parlamentar à pauta do governo. O famoso toma-lá-dá-cá sempre existiu, e quem se rebelou acabou defenestrado — caso dos abantesmas Fernando Collor e Dilma RousseffPode-se não gostar de Michel Temer, mas não se pode deixar de reconhecer sua invejável habilidade em negociar com o Congresso. Basta lembrar quão rapidamente foram aprovadas as reformas que ele chegou a propor antes de ser abatido em seu voo de galinha pelo moedor de carne bilionário Joesley Batista. Ou como ele conseguiu sobreviver aos petardos de Janot, ainda que para isso tenha se tornado refém dos congressistas terminado seu mandato-tampão melancolicamente, com os piores índices de popularidade já registrados na história desta República.  

Com uma sutileza digna de rinoceronte em loja de cristais, Bolsonaro travou uma queda de braço tão pueril quanto despropositada com o presidente da Câmara — o que lhe rendeu a aprovação em tempo recorde do orçamento impositivo das emendas coletivas e “inflacionou o mercado futuro”, como se nota dos obstáculos que os parlamentares vêm espalhando ao longo do tortuoso caminho da reforma previdenciária. Outro sinal claro do Congresso ao presidente foi o massacre infligido pela oposição a Paulo Guedes durante uma sessão na CCJ, sem que absolutamente ninguém da base aliada acorresse em seu socorro. Por que os deputados supostamente aliados não se manifestaram? Para sinalizar ao governo que não abrem mão do toma-lá-dá-cá, e que, se não receberem o que desejam (exigem?), o tão sonhado R$ 1 trilhão de economia nos próximos dez anos cairá para uns R$ 800 milhões, e olhe lá. Nesse patamar, a reforma da Previdência certamente voltaria à baila no próximo governo ou no seguinte, e novos e emocionantes capítulos dessa novela continuariam se sucedendo sem cessar.

Bolsonaro está usando algo vital para o país como balão de ensaio, o que pode colocar em xeque seu futuro político. Muitos acreditam que o chefe do Executivo se curvará ao sistema de trocas, até porque é possível fazê-lo sem enveredar pelo caminho da corrupção, mas isso é conversa para outra hora. Se continuar peitando os parlamentares, o capitão estará como que os estimulando a buscar ainda mais independência, e o resultado será inevitavelmente a instabilidade, embora tenha como consequência positiva a possível adoção do parlamentarismo no Brasil, claro que não amanhã ou na próxima eleição, mas daqui a alguns anos. Aliás, nosso esclarecidíssimo eleitorado já perdeu esse bonde uma vez, no plebiscito de 1993. Se aprendeu alguma coisa desde então, isso é o tempo que irá dizer.

Para encerrar: No post da última sexta-feira eu comentei en passant que o vice-líder do governo na Câmara, por influência do guro de meia pataca Olavo de Carvalho, apresentou um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, alegando “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e “conspiração para conseguir o cargo de Jair Bolsonaro”. Um dos argumentos sustentados pelo congressista patarateiro é um like de Mourão na publicação em que a jornalista Rachel Sheherazade dirigiu elogios ao vice-presidente e críticas ao titular. O general classificou como “bobagem” o pedido de impeachment e afirmou que "se prosperar, ele volta para a praia". Quanto ao dublê de pensador e astrólogo, talvez fosse melhor ele voltar a fazer mapa astral, chupar seu cachimbo lá em Richmond, na Virgínia, e palpitar menos no governo tupiniquim. Todo mundo sairia ganhando.