Deu um nó. Está sempre dando, na política brasileira, porque
é mesmo da natureza da política produzir complicação, aqui e no resto do mundo.
Mas desta vez parece que se formou entre governo, Congresso, partidos e o resto
da nebulosa que compõe a vida pública brasileira um nó de escota duplo, ou um
lais de guia holandês, ou algum outro dos muitos enigmas criados pela ciência
dos marinheiros — desses que você olha, mexe, olha de novo, e não tem a menor
ideia de como desfazer. É fácil para os marinheiros — mas só para eles. Como,
no presente momento, não há ninguém com experiência prévia a respeito da
desmontagem dos nós que apareceram desde que Jair Bolsonaro formou o seu governo, o mundo político está com um
problema sério.
Como se sabe, é a primeira vez na história recente do Brasil
que o time inteiro de cima foi montado sem ninguém pedir licença aos políticos,
ou sequer perguntar a sua opinião — e menos ainda comprar seu apoio com a
entrega de cargos na administração. Há muito técnico, muito general etc. Mas
não há, como a ciência política considera indispensável, nada de “engenharia
política”. Isso quer dizer, na prática, que ficou difícil fazer a turma da
situação votar a favor do governo — pois a maior parte dela passa mal se tiver
de votar alguma coisa por princípio, ou seja, de graça. É esse o nó que não
desata. Por causa dele, dizem que o governo está “paralisado há 100 dias”.
Vejam, para citar o exemplo mais indecente do momento, a
reforma da Previdência. Nada mais natural que o PT, seus auxiliares e o resto da esquerda fiquem contra. Têm mesmo
de ficar: a única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100%
contra qualquer ideia que tenha a mínima chance de melhorar o Brasil em alguma
coisa. Isso seria, em seu raciocínio, ajudar o governo Bolsonaro a ser bem-sucedido — e um governo Bolsonaro medianamente bem-sucedido é um desastre mortal para o
consórcio Lula-PT. Que futuro vai
ter essa gente na vida, a não ser que o governo acabe em naufrágio? Nenhum. É
compreensível, assim, que a oposição não aprove nada que possa dar certo. Mas PT, PSOL e PCdoB, somados,
não chegam a 15% da Câmara dos Deputados. E o resto: por que eles demoram tanto
para votar a reforma? Mesmo descontando outras facções antigoverno, daria para
aprovar. Resposta: demoram porque querem
cargos na máquina e não estão levando.
É isso: o sujeito quer uma diretoria, uma superintendência,
uma vice-presidência — uma boquinha gorda qualquer, Santo Deus — e não tem a
quem pedir. Falam em “agilização” das nomeações. Mas nomeação, que é bom, não
sai. Chegou-se a falar num “Banco de Talentos”, para onde a politicalha
mandaria os nomes que quer empregar — e onde as escolhas seriam feitas segundo
“critérios técnicos”. Também não rolou. Um deputado especialmente desesperado
com a demora, Felipe Francischini,
chutou o balde e pediu um emprego na estatal Itaipu para a própria madrasta.
Outro, um Elmar Nascimento, do
liberalíssimo DEM, disse que não
quer saber de “talentos”; quer emprego mesmo, e dos bons. “Não vamos nos
contentar só com marmita”, ameaçou ele. Histórias como essa encheriam a revista
inteira; não vale a pena ficar repetindo a mesma ladainha. O certo é que a
manada quer os empregos, não está conseguindo e, pior que tudo, não sabe com
quem falar para descolar a nomeação. Não adianta falar “no governo”, ou “no
palácio”. Tem de ser com o sujeito de carne e osso que manda assinar o raio do
papel que vai para o Diário Oficial.
E quem é que chega até ele?
A Caixa Econômica Federal, para dar um exemplo só, trocou
todos os vice-presidentes, 38 dos quarenta diretores e 75% dos 84 diretores
regionais — tudo propriedade privada dos políticos. Mais: quer cortar em dois
anos 3,5 bilhões de reais em despesas como aluguéis ou “prestação de serviços”.
Só na Avenida Paulista, a CEF ocupa hoje sete prédios — nenhum outro banco do
mundo chegou perto disso, mesmo na época em que bancos tinham milhares de
agências. Em Brasília é pior: são quinze prédios, um deles só para tratar da
admissão de funcionários, como se a Caixa tivesse de admitir funcionários todos
os dias. Até uma criança de 10 anos sabe que mexer nisso é mexer diretamente no
interesse material dos políticos. Eles perderam esses cargos; querem todos de
volta, desesperadamente. Na CEF, no serviço contra as secas, nos portos, nos
aeroportos, nos armazéns de atacado, no Oiapoque e no Chuí.
Uma coisa é pedir um negócio desses ao ministro Onyx Lorenzoni, outra é pedir ao
general Santos Cruz. Dá para
entender o nó, não é mesmo?
Texto de J.R. Guzzo.