Considerando as decisões do juiz de primeiro grau, dos três
desembargadores da 8ª Turma do TRF-4
e dos quatro da 5ª Turma do STJ, a derrota
de Lula no tribunal superior fechou
o placar em 8 para a Justiça e zero para o condenado. Mesmo assim, a autoproclamada
alma viva mais honesta do Brasil continua batendo na mesma tecla — chegando
mesmo a dizer que jamais trocaria “sua dignidade” pela liberdade. Que dignidade,
cara pálida?
A despeito da culpabilidade chapada do ex-presidente — que,
nunca é demais lembrar, é um político preso, e não um preso político —, a mudança na “dosimetria” causou espécie, até porque
a turma do STJ que revisa as
decisões do TRF-4 nos processos da Lava-Jato é conhecida como “câmara de gás”.
Falou-se à boca pequena que os ministros foram pressionados por seus colegas
supremos — capitaneados pelo infalível Gilmar
Mendes — a “julgarem o recurso em vez de simplesmente chancelarem a decisão
a quo.”
Em entrevista ao Blog do Nêumanne,
ex-ministro da Justiça Miguel Reale
Júnior, componente do trio que preparou a acusação que levou ao impeachment
de Dilma Rousseff, explicou que “o
regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código Penal e a Lei
de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há presídios
semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo cumprida a pena
como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios semiabertos, a única
forma é aplicar o sistema aberto”.
Essa perspectiva da margem a especulações não só sobre o
abrandamento do “gás” empregado pela “câmara” na pena, mas também sobre uma
eventual combinação prévia desta. A unanimidade dos quatro ministros da turma
ao reduzir — na mesma medida — a pena de Lula
teria sido acertada pelo relator Felix
Fischer, segundo Carolina Brígido
escreveu em O Globo. O relator
tem negado repetidas vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do
senhor réu, mas percebeu que três colegas queriam diminuir a punição, e no
caso, se ficasse vencido no julgamento, perderia a relatoria não só do processo
do ex-presidente, mas de toda a Lava-Jato
no STJ, conforme o regimento da
Corte. Disse ainda a jornalista que “nos bastidores as conversas de integrantes
da 5ª Turma, entre si e com ministros
do STF, levaram meses. Outro ponto
que teria pesado na decisão de Fischer
seria o fato de que uma decisão unânime da turma fortaleceria o tribunal,
porque ficaria para o público a imagem de uma corte harmoniosa em relação a um
tema tão controvertido”. Completando o quadro, no Supremo, ao qual certamente a defesa recorrerá, há chance de
reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de dinheiro
da condenação (roteiro inspirado em precedentes).
De acordo com José Nêumanne,
uma rápida consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em
formação anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no
mensalão. A “fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de outro
ministro, Luiz Fux, pode também
levar a uma consulta aos arquivos.
Comemorando seu feito profissional, o representante do
jornal espanhol, Florestan Fernandes
Júnior, registrou em post no
Twitter que “nem a gaiola em
que foi trancado fez a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”.
Talvez a definição fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda presidente Dilma em
4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias depois, quando ele
afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do outro ao qual
recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte
totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente
acovardado”.
Passados três anos, o sumo pontífice da seita do inferno tem
bons motivos para se agarrar à esperança de ter perdoado pelo “Pretório
Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa. E descobriu no passado
do STF provas de coragem que
relatou, após enfrentar galhardamente o "rígido esquema de segurança" e ter
dado "forte abraço" em Florestan e Mônica Bergamo: "O STF já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por
exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a
questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima.
Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa
corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que
teve coragem e se comportou". Publicado o recado, resta-lhe esperar que os
ministros, do qual o PT nomeou sete,
tenham coragem. A palavra é essa mesmo. Coragem de mamar em onça, como diria meu
avô.
Todo somado e subtraído, com a redução concedida pelos
ministros superiores, a pena do condenado ficou próxima da que foi aplicada pelo
então juiz Sérgio Moro em julho de
2017 (de 9 anos e 6 meses), e os crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro no caso do triplex do Guarujá restaram sobejamente comprovados (em que
pesem as “dúvidas
seriíssimas“ do ministro Marco
Aurélio). Quanto à progressão para o regime semiaberto, não é certo que o
molusco poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua
cela à noite, já que o TRF-4 julgará
em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação
a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Moro na 13.ª Vara Federal do Paraná, no processo referente ao sítio
de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente
continuará preso, segundo entendimento do STF,
ainda válido.
Não fosse pelo fato de (mais) um recurso estar em via de ser
apreciado pela 2ª Turma do STF, o Brasil,
que tem mais com que se preocupar, segue sua vida política e institucional
normalmente; apenas o PT manteria
seu destino atrelado ao de seu amado líder e insubstituível presidente de honra. Isso
porque há no Supremo ministros coçando a mão para libertar o sacripanta
vermelho. Senão vejamos: À luz da jurisprudência ainda vigente na Suprema
Corte, que permite o cumprimento antecipado da pena após decisão emanada de um
juízo colegiado, a ministra Cármen Lúcia,
relatora de uma ação que pleiteia a libertação de todos os condenados pelo TRF-4 que
têm recursos pendentes de apreciação nas cortes superiores, determinou que
julgamento fosse feito em plenário virtual, mas seu colega garantista (e petista
de quatro costados) Ricardo Lewandowski, que acontece de ser o presidente
da 2ª Turma, decidiu puxar a
encrenca para uma sessão presencial.
Ora — pondera Josias
de Souza —, se está autorizado, por que desautorizar prisões como a de Lula antes mesmo de o Supremo julgar em
sessão plenária, diante das lentes da TV Justiça, as três ADCs que questionam
as prisões em segunda instância? Certos ministros parecem decididos a conspirar
contra a supremacia do Supremo. Mas convém não dizer isso em voz alta, sob pena
de virar alvo do inquérito secreto — que
Dias Toffoli abriu de ofício e nomeou Alexandre de Moraes relator — para investigar “fake news” e ameaças
dirigidas à nossa Suprema Corte — que merece o maior respeito, embora o mesmo
não se aplique a alguns togados que apitam por lá. Aliás, falando em
desrespeito, o TCU quer saber por
que o Supremo decidiu fazer uma
licitação de R$ 1,3 milhão para
comprar medalhões de lagosta e vinhos
importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela
Corte. A investigação se baseou em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de abril,
segundo a qual a notícia teve "forte e negativa repercussão popular".
O que não é de estranhar, convenhamos, considerando que os requintados itens
que compõem as tais “refeições institucionais”, previstas no Pregão Eletrônico
27/2019, contrastam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios
acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira que ainda
sofre com a grave crise econômica que se abateu sobre o País há alguns anos.
O MP pede "medidas
necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da
administração do Supremo Tribunal
Federal que visam à 'contratação de empresa especializada para prestação de
serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo
alimentos e bebidas'". Da tribuna, o senador Jorge Kajuru criticou a proposta e informou que entregou
duas representações ao TCU, uma para
suspender o contrato imediatamente e outra para fazer uma auditoria nos últimos
dez contratos firmados pelo STF. Na
semana passada, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do TJ-MG,
também entrou com uma ação popular na Justiça Federal do DF contra o pregão
eletrônico do Supremo.
O menu exigido pela licitação dos ministros supremos — que sus excelências
afirmam seguir o padrão do Itamaraty
— inclui desde a oferta café da manhã, passando pelo "brunch",
almoço, jantar e coquetel. Na lista estão produtos para pratos como bobó de
camarão, camarão à baiana e "medalhões de lagosta". As lagostas,
destaca-se, devem ser servidas "com molho de manteiga queimada". A
corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de
Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio
ainda traz vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de
filé e "tornedores de filé".
Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se for
tinto, tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva,
de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4
(quatro) premiações internacionais". "O vinho, em sua totalidade,
deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de
primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses." Se a uva for tipo Merlot, só serão aceitas as garrafas de
safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganho pelo menos quatro premiações
internacionais. Nesse caso, o vinho, "em sua totalidade, deve ter sido
envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8
(oito) meses". Para os vinhos brancos, "uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013", com no mínimo
quatro premiações internacionais.
Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado,
afirma que a despesa "que se pretende realizar por meio daquela licitação
encerra afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na
Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos,
simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo
daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir
muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta
impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade
administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for
constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela
via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo".
Os togados supremos costumam se colocar no Olimpo, mas precisam descer de
lá. Alguém discorda?