É fato sabido que o STF,
pelo comportamento pessoal de parte dos seus membros, se transformou há tempos
no principal causador da instabilidade jurídica no Brasil. É uma aberração. O Supremo é justamente o órgão que
deveria garantir o principal atributo da aplicação da justiça numa sociedade
civilizada — a
previsibilidade das decisões
judiciais, elemento indispensável para dar aos cidadãos a segurança de saber
que os magistrados vão proceder sempre da mesma forma na aplicação das leis.
Sem isso não há justiça de verdade; há apenas os caprichos, as neuroses e os
interesses materiais de quem está com o martelinho de juiz na mão.
Não é apenas a estabilidade jurídica que está indo para o
saco. A conduta degenerada de diversos membros da Corte acaba sendo, também,
uma ameaça constante à própria estabilidade política do país, com a produção
irresponsável, incompreensível ou inútil de crises com os poderes Executivo e
Legislativo, conflitos com porções diversas da sociedade e agressões à lógica
comum. Tudo isso, nos últimos dias, ficou ainda pior. Dois ministros, o
presidente Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, mergulharam num
surto de decisões extravagantes, totalitárias e denunciadas como puramente
ilegais por muitos dos juristas mais respeitados do país. Resultado:
tornaram-se uma ameaça direta às instituições brasileiras. São eles, mais que
quaisquer outros indivíduos, quem mais se esforçam hoje para destruir um dos
três pilares da democracia que existe por aqui —
o Poder Judiciário.
Toffoli e Moraes são duas nulidades; não irão a
lugar nenhum com seus acessos de furor ditatorial e não vão, no fim, conseguir
o que querem. Na verdade, já não conseguiram. Sua história, como todo o Brasil
ficou sabendo, é rasa, escura e miserável. A revista digital Crusoé,
parte da organização jornalística O Antagonista, publicou um trecho da
delação do empreiteiro Marcelo Odebrecht,
réu confesso de corrupção maciça no governo Lula, condenado e cumprindo hoje pena de prisão domiciliar. Nessas
declarações, que integram um documento oficial da Justiça como parte
inseparável do seu longo processo de delação, Odebrecht se refere a Toffoli
— descrito por ele
como “o amigo do
amigo do meu pai”,
ou seja, como amigo de Lula — numa sombria conversa
envolvendo construção de usinas e a Advocacia-Geral da União, à época dirigida
pelo atual presidente do STF.
Pronto. Toffoli entrou imediatamente
em modo de Rei da Babilônia e mandou o colega Moraes se lançar à expedição de uma bateria de ordens dementes — suspensão da publicação da
revista, multas diárias de 100.000 reais, censura, ameaça a outros meios
digitais e por aí afora.
O resultado foi um desastre integral. O STF conseguiu, ao mesmo tempo, violar a liberdade de imprensa,
aplicar punições sem a conclusão de processo legal e sem a produção de uma
única prova, ignorar a decisão da Procuradoria-Geral da República de arquivar o
caso (cabe à PGR, legalmente,
investigar os supostos delitos cometidos pela revista), exercer abuso de poder
e incorrer na suspeita de praticar outros crimes —
um horror, quando essa série
de ações é cometida não por criminosos do PCC, mas por ministros da mais alta
corte deste país.
Pior que tudo, a dupla conseguiu exatamente o oposto do que pretendia com a sua blitz proibitória e punitiva: a
reportagem da Crusoé, que ambos quiseram deletar do mundo real, foi
reproduzida de forma massiva e incontrolável por centenas de órgãos de
comunicação, de todos os tamanhos e plataformas, espalhados pelo Brasil e mesmo
no exterior. Toffoli, que já carrega
na testa a marca de repetente (por duas vezes) em concursos para juiz de
direito, passou a carregar agora, também, o lamentável apelido de “amigo do pai
do meu pai”. Não vai se livrar disso.
Os dois serão detidos dentro do próprio STF, que não os deixará obter o que queriam. Sua tela está
mostrando: “You lost“. Mas
conseguiram, sim, cometer um atentado de primeira grandeza contra as
instituições.
Texto de J.R. Guzzo