ATUALIZAÇÃO - 18h02:
No finalzinho da tarde de hoje o ministro censor Alexandre de Moraes revogou a censura que impôs à revista Crusoé e ao site O Antagonista na última segunda-feira: “Diante do exposto, revogo a decisão anterior que determinou ao site O Antagonista e a revista Crusoé a retirada da matéria intitulada 'O amigo do amigo de meu pai' dos respectivos ambientes virtuais”, escreveu o magistrado em trecho da decisão.
O recuo tende a evitar mais desgaste para ele e o presidente da Corte, que ficaram isolados na defesa da determinação anterior, bem como impedir uma provável derrota no plenário. Celso de Mello já havia se pronunciado a propósito: “A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”, declarou o ministro.
Volto a esse assunto numa próxima oportunidade.
O esdrúxulo inquérito aberto de ofício pelo presidente do
STF a pretexto de proteger a Corte e
seus membros e familiares de
fake news
e ameaças conseguiu unanimidade: foi criticado tanto pela esquerda quanto pela
direita, combatido pela imprensa em geral, achincalhado nas redes sociais e repudiado
pelo
Ministério Público e por
inúmeros membros do
Congresso. Mas os protagonistas dessa vergonha parecem viver em
Valhala ou no alto do
Monte Olimpo, onde as nuvens os impedem de visualizar as consequências de sua estapafúrdia decisão — como a mudança na postura dos senadores em
relação à assim chamada “
CPI da
Lava-Toga”: depois de
arquivar mais um pedido
para investigar os tribunais superiores, o presidente do Senado voltou atrás e
declarou que o tema será
pautado em plenário em tempo oportuno. Uma das táticas
estudadas é a de apresentar um
mandado
de segurança dentro da ação proposta pela
Rede para questionar o inquérito; outra é sugerir uma
CPI com foco apenas no
STF.
Alessandro Vieira,
autor dos requerimentos para a abertura da CPI
da Lava-Toga, disse que “nada impede que a gente apresente um novo
requerimento”, que “a busca pela
impunidade está gerando situações absurdas, e que, “se alguém tinha dúvidas sobre a urgência da CPI das cortes superiores, os ministros confirmam a sua necessidade,
e que quem via risco à democracia na atuação do Executivo agora precisa se
preocupar também com outro lado da Praça dos Três Poderes, de onde se avolumam
as ações autoritárias”. No último sábado, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse que “a maioria dos senadores entende que não é
bom para o Brasil uma briga institucional.” Vieira respondeu: “Ele não
tem autonomia para esse tipo de escolha de pauta, e os ministros do Supremo estão se esmerando em criar um
escândalo a cada semana, o que aumenta a demanda da sociedade por uma atuação
do Senado”.
Parlamentares do partido de
Bolsonaro, que já vinham inflando as manifestações contrárias
ao
STF nas redes sociais e
disparando ofensivas contra magistrados no Congresso, elevaram o tom depois que
a Corte decidiu
encaminhar à Justiça Eleitoral casos de
caixa 2 associados à corrupção — medida enfaticamente criticada por
procuradores e considerada uma derrota para a
Lava-Jato. Agora, o ressurgimento da censura pelas mãos daqueles
que deveriam agir como guardiões da Carta Magna virou a bola da vez, tanto no
plenário quanto nos corredores do Senado, notadamente após o ministro
Alexandre de Moraes rejeitar a moção da
PGR que pedia o arquivamento da
parte do inquérito que cabe legalmente ao
Ministério Público.
Uma sucessão de erros transformou o
Supremo, de guardião da
Constituição e defensor dos direitos dos cidadãos, em pivô de uma crise
institucional. Censurar a revista
Crusoé
e o site
O Antagonista (detalhes na
postagem anterior) é algo impensável numa democracia, e o mesmo vale para a
expedição mandatos de busca e apreensão na casa de
sete supostos agressores do STF nas redes sociais, dentre os quais um general da reserva (que está sendo defendido por seus companheiros de
farda, alguns membros do governo
Bolsonaro).
A patacoada suprema originou ainda uma guerra com o Ministério Público e boa parte do Legislativo e representantes da
sociedade civil. Rodrigo Maia saiu
em defesa dos ministros Toffoli e Moraes, alegando que ser preciso
aguardar as investigações para tomar uma posição, mas deputados e senadores de
vários partidos entraram com ações no próprio STF para anular o inquérito — que, segundo Raquel Dodge, a despeito de o arquivamento pedido pela PGR ter sido negado, produzirá provas
imprestáveis a uma eventual futura ação penal.
Em vez de determinar “de ofício” a abertura do inquérito, Toffoli deveria ter requisitado a ação ao Ministério Público, que é o detentor da
acusação no Estado, e a escolha do relator deveria ser feita por sorteio eletrônico. É certo que a PGR
não poderia determinar o arquivamento, o que, segundo o Código de Processo Penal, compete ao órgão judicial. Todavia,
também segundo o CPP, ao discordar
do pedido de arquivamento feito pelo Ministério
Público, o magistrado tem de remeter o inquérito ao Procurador-Geral (dos Estados ou da República, conforme o caso),
para que ele decida se deve ou não oferecer denúncia (no lugar do promotor ou
procurador que requereu o arquivamento). Como esse inquérito em particular
tramita no STF e o pedido de
arquivamento veio da PGR, o relator
não poderia mandá-lo de volta à própria PGR,
e foi nisso que o ministro se baseou para negar o pedido de arquivamento. No entanto,
como todos os movimentos dos envolvidos são relacionados com o
interesse de eles próprios se protegerem, o Supremo não pode conduzir investigações sem o Ministério Público, muito menos quando a questão envolve
diretamente a Corte.
Convocar para prestar depoimentos o jornalista Mario Sabino, editor do site O Antagonista e da revista Crusoé, e outros mais representa um abuso de poder do Supremo, que não pode considerar
críticas individuais como críticas à instituição, como fez seu presidente em
relação à reportagem censurada — que, aliás, foi baseada em documentos e informações da própria
Lava-Jato. Portanto, não há que
falar em fake news — e ainda que
assim não fosse, bastaria que Toffoli
esclarecesse o caso e exigisse uma eventual retratação, como fazem os cidadãos
comuns. A apreensão de computadores nas casas dos supostos detratores reforça a
desconfiança, já disseminada nas redes sociais, de que a intenção da operação é
descobrir a fonte de informação do site (que pode estar dentro do governo, da PF, MP, PGR).
Como bem
salientou o jornalista Merval Pereira
em sua coluna n’O Globo, se a lei é
igual para todos, Toffoli está sendo
tratado como mais igual que os demais cidadãos. Josias de Souza segue na mesma linha. Confira a seguir o
post que ele publicou em seu Blog:
“Num colegiado de 11
magistrados, o inquérito secreto aberto por Dias Toffoli e relatado por Alexandre
de Moraes resulta numa estatística perversa: 18% do STF conferem aos 82% restantes uma péssima reputação. Nesse
contexto, soa perturbador o silêncio das nove togas que compõem a banda muda da
Suprema Corte. Por ora, apenas um
ministro parece ter percebido que certos silêncios merecem resposta imediata.
Levando os lábios ao trombone, Marco
Aurélio Mello (9%) chamou pelo nome próprio a censura à reportagem que cita
Dias Toffoli: "É um retrocesso
em termos democráticos", declarou, antes de tachar de
"inconcebível" a ordem para que o texto sobre "o amigo do amigo"
do pai de Marcelo Odebrecht fosse
retirado do ar pela revista eletrônica Crusoé
e o site O Antagonista.
Certos personagens
podem imaginar que, não tendo nada a dizer, o melhor é se abster de
demonstrá-lo com palavras. Mas o risco que um magistrado zeloso corre ao se
fingir de morto ao lado de colegas vivaldinos é de o pessoal não distinguir
quem é quem. Talvez fosse conveniente, no mínimo, gritar para que o inquérito
sigiloso fosse submetido ao crivo do plenário da Corte. Edson Fachin tem
um bom megafone nas mãos [caberá a ele levar a discussão à 2ª Turma ou
ao plenário da Corte].
A conjuntura
recomenda pressa, pois Toffoli e Moraes conseguiram um feito notável:
magnificaram os ataques ao Supremo e
seus membros. Antes, as críticas circulavam pelas redes sociais. Agora, ecoam
nos portais, nos jornais, nas rádios, no horário nobre das tevês. Logo, logo
não haverá outro assunto nas mesas de boteco.
Ao dar de ombros para
o arquivamento promovido pela procuradora-geral Raquel Dodge, Alexandre de
Moraes manteve aberta a fábrica de matéria prima para a proliferação de críticas
ao Supremo. Ao prorrogar o processo secreto
por três meses, Toffoli como que
consolidou a parceria informal com os detratores da Corte.”
E a despeito de todo esse salseiro, o deputado-pastor
Marco Feliciano quer o
impeachment
do general Mourão — um dos poucos tripulantes da
nau dos insensatos que o Planalto, a Praça dos Três Poderes, o DF e
este pobre país viraram nos últimos tempos. E viva o povo
brasileiro!