Devido a uma sequência de críticas e sátiras dirigida à deputada
petista Maria do Rosário, o
comediante Danilo Gentili foi
condenado, pelo crime de injúria, à pena de 6 meses e 28 dias de detenção.
A parlamentar, para quem não se lembra, já processou o então deputado Jair Bolsonaro por dizer que “ela não merecia ser estuprada porque era muito
feia”, e, em vídeo no YouTube,
considerou “extremamente abusivo tudo que
há em torno desse processo contra Lula”.
O caso de Gentili
começou com uma declaração da petista em defesa do então deputado psolista Jean Wyllys — que cuspiu em Jair Bolsonaro na Câmara — e do ator
petista José de Abreu — que cuspiu
em um casal num restaurante em São Paulo. “Julgam
Jean e Zé de Abreu por uma reação imediata. Quem reage a agressão não
planeja como agir, quem agride sim. Respeite e serás respeitado”, sentenciou
Maria do Rosário. Só que Bolsonaro não havia agredido Jean Wyllys, salientou o diretor de
jornalismo da Jovem Pan, Felipe Moura Brasil, e que o casal hostilizou
Zé de Abreu pelo uso da Lei Rouanet, que o ator negou, mas
depois reconheceu publicamente — no insuportável Domingão do Faustão, que se valeu do benefício por pelo menos duas
vezes.
Rosário chamou de
“agressão” o insulto verbal para amenizar ou legitimar a agressão física das
cusparadas de Wyllys — uma ação
planejada, como mostraram as câmeras, e não uma “reação imediata”. Gentili aplicou o mesmo raciocínio
contra a própria deputada, aludindo ao caso em que ela disse “sim” quando Bolsonaro lhe perguntou se o estava chamando
de estuprador: “Aí ela chama o cara de
estuprador, toma um empurrão, dá chilique, falsa e cínica pra caralho [...]
quando alguém cuspir em você, devolva com
um soco que a Maria do Rosário
aprova cuspir nela quando ela chama de estuprador”.
Ao receber uma
notificação extrajudicial pedindo a retirada dos conteúdos publicados por ele
no Twitter, o humorista publicou um
vídeo em que esconde com os dedos o início e o fim da palavra deputada —
deixando visível apenas “puta” —, rasga a notificação, coloca os papéis dentro das
suas calças e o remete de volta à Câmara. Ninguém precisa conhecer ou apreciar
seu trabalho, nem considerar engraçado ou de bom gosto este comportamento
específico, mas, pelo contexto, nota-se que, ao chamar Rosário de “puta”, Gentili
não a acusou de ser uma prostituta que aluga seu corpo e seus serviços sexuais,
mas simplesmente a xingou, reagindo a um documento do Estado com teor de
censura a postagens de conteúdo crítico, ainda que ácido, a uma parlamentar e
sua defesa de cuspidores.
A juíza da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, porém, considerou que o
caso concreto “revela a expressão de uma personalidade merecedora de reprovação
em grau elevado”, daí a condenação de Gentili
a detenção em regime semiaberto, mesmo que o “ato delituoso” não tenha sido
praticado com violência e que o réu não seja reincidente. Como o cinismo
petista já era conhecido, o caso concreto, na verdade, revela apenas a
banalização da prisão como forma de patrulha. Estimulada por Rosário, a Justiça cuspiu na liberdade de expressão.
O presidente
Bolsonaro — que recebeu a cusparada de Wylys,
mas não processou o cuspidor — publicou um tuíte dizendo que Gentili deveria poder exercer seu
direito de expressão. “Compreendo que são
piadas e faz parte do jogo, algo que infelizmente vale para uns e não para
outros”. Logo depois, Gentili
respondeu, também via Twitter: “Fico aliviado por entender que esse post
significa um registro do compromisso do governo com a liberdade de expressão”.
Ao que parece, o Judiciário
não leva em conta o que o chefe do Executivo pensa ou deixa de pensar. O
presidente do STF, que durante a
cerimônia de posse de Bolsonaro exaltou
a “liberdade de imprensa e a atuação independente e autônoma do
Ministério Público”, não só determinou a instauração
de um inquérito sigiloso para apurar fake
news e ameaças contra os ministros da corte e seus familiares (isso seria atribuição do Ministério Público), como escolheu ele próprio o relator dessa bizarrice (a relatoria deveria ser designada por sorteio eletrônico) e lhe pediu retirasse imediatamente do ar uma reportagem publicada pela revista Crusoé com o título “O
amigo do amigo de meu pai”, que levanta suspeitas sobre sua “reputação
ilibada”.
Além de censurar a revista digital e o site O Antagonista, responsável pela publicação, o ministro Alexandre de Moraes estipulou multa de R$ 100 mil por dia em caso de
desobediência e determinou que a PF
intimasse os responsáveis a prestar depoimento no prazo de 72 horas. Mesmo
obedecendo à determinação, Crusoé foi multada. Mas não é só: Moraes determinou o bloqueio de contas em redes sociais e do WhatsApp de sete pessoas investigadas por publicarem "ofensas" contra
a Corte. Entre
os alvos está o general da reserva Paulo
Chagas, que teria publicado “postagens de propaganda de processos violentos ou ilegais para a alteração da
ordem política e social, com repercussão entre seguidores”, e que o investigado
“defendeu a criação de um Tribunal de Exceção para julgamentos de membros do STF ou mesmo substituí-los”.
O ex-comandante do Exército e atual assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional, general Eduardo Villas Bôas, demonstrou
preocupação com restrições que o general da reserva Paulo Chagas está sofrendo. Após sessão de homenagem ao Dia do
Exército na Câmara, segundo o Metrópoles, o militar disse desconhecer as motivações
de Alexandre de Moraes, mas espera
da Justiça que as coisas sejam
colocadas “no devido lugar”. “Conheço
muito o general Paulo Chagas. Amigo
pessoal meu e confesso que estou preocupado. Vamos acompanhar os desdobramentos
disso. Já o atual comandante do Exército, general Edson Pujol, não quis comentar a decisão do magistrado, mas
defendeu Chagas: “Não tenho os detalhes, a motivação que
levou, as circunstâncias. O que eu posso dizer é que conheço o Paulo Chagas, é um militar e um cidadão
íntegro, temos maior respeito e admiração por ele.”
A determinação de Moraes é alarmante e coloca o Brasil em
contato com a censura depois de algumas décadas livres desta mazela. “Estamos diante da situação mais grave dos
últimos tempos”, frisou a jurista Janaína Paschoal, na última terça-feira, em publicação
no Twitter. Na avaliação de José Nêumanne, o ministro cometeu vários erros, começando por grafar Cruzoé, com "z", e ao abusar do latim para preservar a “honra” do presidente da Corte, terminou por expô-lo ainda mais, pois a truculência despertou a atenção geral para o material censurado. A informação de que o ofendido atendia pelo codinome de “amigo do amigo do meu pai” no propinoduto da Odebrecht bombou geral. Para ouvir a opinião sempre abalizada de Merval Pereira, clique aqui.
Observação: O ministro Marco Aurélio, em conversa com o Estadão, reconheceu que houve censura na decisão do colega: “Isso, pra mim, é inconcebível. É um retrocesso em termos democráticos. Prevalece a liberdade de expressão, para mim é censura. [...] Eu não vi nada de mais no que foi publicado com base em uma delação. O homem público é, acima de tudo, um livro aberto.” Indagado se o plenário da corte poderia derrubar a decisão, o ministro respondeu: “Não sei, cada qual tem a sua concepção sobre o Estado democrático de direito. A minha é sólida e sempre procedi assim.”
O senador Randolfe Rodrigues comparou o inquérito do STF a um novo AI-5: “Toffoli e Moraes fabricaram para si um AI-5: falou mal deles, dançou! Não é possível que, em plena democracia, dois juízes se comportem assim, aterrorizando a cidadania, transformados suas togas negras em capuzes de carrascos da sociedade!” Pelo Twitter, o senador acrescentou: “Ninguém escapa do AI-5 do Supremo: jornalistas, ativistas e até generais! Logo chegarão aqui no Senado, porque o coro de insatisfeitos só aumenta. Precisamos dar um basta nos desmandos desta fração que sequer representa a maioria do STF, mas que se acha a própria encarnação do poder.”
Observação: O ministro Marco Aurélio, em conversa com o Estadão, reconheceu que houve censura na decisão do colega: “Isso, pra mim, é inconcebível. É um retrocesso em termos democráticos. Prevalece a liberdade de expressão, para mim é censura. [...] Eu não vi nada de mais no que foi publicado com base em uma delação. O homem público é, acima de tudo, um livro aberto.” Indagado se o plenário da corte poderia derrubar a decisão, o ministro respondeu: “Não sei, cada qual tem a sua concepção sobre o Estado democrático de direito. A minha é sólida e sempre procedi assim.”
O senador Randolfe Rodrigues comparou o inquérito do STF a um novo AI-5: “Toffoli e Moraes fabricaram para si um AI-5: falou mal deles, dançou! Não é possível que, em plena democracia, dois juízes se comportem assim, aterrorizando a cidadania, transformados suas togas negras em capuzes de carrascos da sociedade!” Pelo Twitter, o senador acrescentou: “Ninguém escapa do AI-5 do Supremo: jornalistas, ativistas e até generais! Logo chegarão aqui no Senado, porque o coro de insatisfeitos só aumenta. Precisamos dar um basta nos desmandos desta fração que sequer representa a maioria do STF, mas que se acha a própria encarnação do poder.”
Segundo a Folha, o senador Alessandro Vieira, autor dos dois requerimentos para criação da CPI
Lava-Toga , declarou: “Se alguém tinha
dúvidas sobre a urgência da CPI das cortes superiores, os ministros confirmam a
sua necessidade. E quem via risco à democracia na atuação do Executivo agora
precisa se preocupar também com outro lado da Praça dos Três Poderes, de onde
se avolumam as ações autoritárias.”
Além de pedir o arquivamento do inquérito do STF sobre “fake news”, a PGR quer
que todos os atos praticados sejam anulados, incluindo buscas e apreensões e
censura a sites. “Considerando os fundamentos constitucionais
desta promoção de arquivamento, registro, como consequência, que nenhum
elemento de convicção ou prova de natureza cautelar produzida será considerada
pelo titular da ação penal ao formar sua opinio
delicti. Também como consequência do arquivamento, todas as decisões
proferidas estão automaticamente prejudicadas.”
Observação: Como o Ministério Público não participou da abertura do inquérito (tanto a instauração como escolha do relator partiram de Toffoli), a PGR não
pode arquivá-lo (a prerrogativa é do STF). Segundo o G1, Raquel Dodge afirma
que a corte não pode manter o inquérito: “O
sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções na
persecução criminal: um órgão acusa, outro defende e outro julga; não se admite que o órgão que julgue seja o
mesmo que investigue e acuse”. Teimosamente, Moraes rejeitou a recomendação de Dodge e manteve o andamento do inquérito. Virou queda de braço (mais uma entre muitas neste começo de gestão). Enfim, como dizia minha finada avó, quem brinca com fogo mija na cama ou acaba se queimado.
Resumo da ópera: Há um textinho famoso sobre o nazismo — que, como ensina Reinaldo Azevedo, é da autoria do teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984), embora nove entre dez citadores o atribuam a Maiakovski, Brecht, ou mesmo ao brasileiro Eduardo Alves da Costa (que realmente escreveu algo parecido):
Resumo da ópera: Há um textinho famoso sobre o nazismo — que, como ensina Reinaldo Azevedo, é da autoria do teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984), embora nove entre dez citadores o atribuam a Maiakovski, Brecht, ou mesmo ao brasileiro Eduardo Alves da Costa (que realmente escreveu algo parecido):
“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou
judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho,
que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia,
vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram. E aí já não havia mais ninguém para
reclamar.”