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quinta-feira, 18 de abril de 2019

AINDA SOBRE O SALSEIRO DO STF, CENSURA E OUTROS QUE TAIS



ATUALIZAÇÃO - 18h02:

No finalzinho da tarde de hoje o ministro censor Alexandre de Moraes revogou a censura que impôs à revista Crusoé e ao site O Antagonista na última segunda-feira: “Diante do exposto, revogo a decisão anterior que determinou ao site O Antagonista e a revista Crusoé a retirada da matéria intitulada 'O amigo do amigo de meu pai' dos respectivos ambientes virtuais”, escreveu o magistrado em trecho da decisão. 

O recuo tende a evitar mais desgaste para ele e o presidente da Corte, que ficaram isolados na defesa da determinação anterior, bem como impedir uma provável derrota no plenário. Celso de Mello já havia se pronunciado a propósito: “A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”, declarou o ministro.

Volto a esse assunto numa próxima oportunidade.

O esdrúxulo inquérito aberto de ofício pelo presidente do STF a pretexto de proteger a Corte e seus membros e familiares de fake news e ameaças conseguiu unanimidade: foi criticado tanto pela esquerda quanto pela direita, combatido pela imprensa em geral, achincalhado nas redes sociais e repudiado pelo Ministério Público e por inúmeros membros do Congresso. Mas os protagonistas dessa vergonha parecem viver em Valhala ou no alto do Monte Olimpo, onde as nuvens os impedem de visualizar as consequências de sua estapafúrdia decisão — como a mudança na postura dos senadores em relação à assim chamada “CPI da Lava-Toga”: depois de arquivar mais um pedido para investigar os tribunais superiores, o presidente do Senado voltou atrás e declarou que o tema será pautado em plenário em tempo oportuno. Uma das táticas estudadas é a de apresentar um mandado de segurança dentro da ação proposta pela Rede para questionar o inquérito; outra é sugerir uma CPI com foco apenas no STF.

Alessandro Vieira, autor dos requerimentos para a abertura da CPI da Lava-Toga, disse que “nada impede que a gente apresente um novo requerimento”, que “a busca pela impunidade está gerando situações absurdas, e que, “se alguém tinha dúvidas sobre a urgência da CPI das cortes superiores, os ministros confirmam a sua necessidade, e que quem via risco à democracia na atuação do Executivo agora precisa se preocupar também com outro lado da Praça dos Três Poderes, de onde se avolumam as ações autoritárias”. No último sábado, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse que “a maioria dos senadores entende que não é bom para o Brasil uma briga institucional.” Vieira respondeu: “Ele não tem autonomia para esse tipo de escolha de pauta, e os ministros do Supremo estão se esmerando em criar um escândalo a cada semana, o que aumenta a demanda da sociedade por uma atuação do Senado”.

Parlamentares do partido de Bolsonaro, que já vinham inflando as manifestações contrárias ao STF nas redes sociais e disparando ofensivas contra magistrados no Congresso, elevaram o tom depois que a Corte decidiu encaminhar à Justiça Eleitoral casos de caixa 2 associados à corrupção — medida enfaticamente criticada por procuradores e considerada uma derrota para a Lava-Jato. Agora, o ressurgimento da censura pelas mãos daqueles que deveriam agir como guardiões da Carta Magna virou a bola da vez, tanto no plenário quanto nos corredores do Senado, notadamente após o ministro Alexandre de Moraes rejeitar a moção da PGR que pedia o arquivamento da parte do inquérito que cabe legalmente ao Ministério Público.

Uma sucessão de erros transformou o Supremo, de guardião da Constituição e defensor dos direitos dos cidadãos, em pivô de uma crise institucional. Censurar a revista Crusoé e o site O Antagonista (detalhes na postagem anterior) é algo impensável numa democracia, e o mesmo vale para a expedição mandatos de busca e apreensão na casa de sete supostos agressores do STF nas redes sociaisdentre os quais um general da reserva (que está sendo defendido por seus companheiros de farda, alguns membros do governo Bolsonaro).

A patacoada suprema originou ainda uma guerra com o Ministério Público e boa parte do Legislativo e representantes da sociedade civil. Rodrigo Maia saiu em defesa dos ministros Toffoli e Moraes, alegando que ser preciso aguardar as investigações para tomar uma posição, mas deputados e senadores de vários partidos entraram com ações no próprio STF para anular o inquérito — que, segundo Raquel Dodge, a despeito de o arquivamento pedido pela PGR ter sido negado, produzirá provas imprestáveis a uma eventual futura ação penal.

Em vez de determinar “de ofício” a abertura do inquérito, Toffoli deveria ter requisitado a ação ao Ministério Público, que é o detentor da acusação no Estado, e a escolha do relator deveria ser feita por sorteio eletrônico. É certo que a PGR não poderia determinar o arquivamento, o que, segundo o Código de Processo Penal, compete ao órgão judicial. Todavia, também segundo o CPP, ao discordar do pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público, o magistrado tem de remeter o inquérito ao Procurador-Geral (dos Estados ou da República, conforme o caso), para que ele decida se deve ou não oferecer denúncia (no lugar do promotor ou procurador que requereu o arquivamento). Como esse inquérito em particular tramita no STF e o pedido de arquivamento veio da PGR, o relator não poderia mandá-lo de volta à própria PGR, e foi nisso que o ministro se baseou para negar o pedido de arquivamento. No entanto, como todos os movimentos dos envolvidos são relacionados com o interesse de eles próprios se protegerem, o Supremo não pode conduzir investigações sem o Ministério Público, muito menos quando a questão envolve diretamente a Corte.

Convocar para prestar depoimentos o jornalista Mario Sabino, editor do site O Antagonista e da revista Crusoé, e outros mais representa um abuso de poder do Supremo, que não pode considerar críticas individuais como críticas à instituição, como fez seu presidente em relação à reportagem censurada — que, aliás, foi baseada em documentos e informações da própria Lava-Jato. Portanto, não há que falar em fake news — e ainda que assim não fosse, bastaria que Toffoli esclarecesse o caso e exigisse uma eventual retratação, como fazem os cidadãos comuns. A apreensão de computadores nas casas dos supostos detratores reforça a desconfiança, já disseminada nas redes sociais, de que a intenção da operação é descobrir a fonte de informação do site (que pode estar dentro do governo, da PF, MP, PGR).

Como bem salientou o jornalista Merval Pereira em sua coluna n’O Globo, se a lei é igual para todos, Toffoli está sendo tratado como mais igual que os demais cidadãos. Josias de Souza segue na mesma linha. Confira a seguir o post que ele publicou em seu Blog:

“Num colegiado de 11 magistrados, o inquérito secreto aberto por Dias Toffoli e relatado por Alexandre de Moraes resulta numa estatística perversa: 18% do STF conferem aos 82% restantes uma péssima reputação. Nesse contexto, soa perturbador o silêncio das nove togas que compõem a banda muda da Suprema Corte. Por ora, apenas um ministro parece ter percebido que certos silêncios merecem resposta imediata. Levando os lábios ao trombone, Marco Aurélio Mello (9%) chamou pelo nome próprio a censura à reportagem que cita Dias Toffoli: "É um retrocesso em termos democráticos", declarou, antes de tachar de "inconcebível" a ordem para que o texto sobre "o amigo do amigo" do pai de Marcelo Odebrecht fosse retirado do ar pela revista eletrônica Crusoé e o site O Antagonista.

Certos personagens podem imaginar que, não tendo nada a dizer, o melhor é se abster de demonstrá-lo com palavras. Mas o risco que um magistrado zeloso corre ao se fingir de morto ao lado de colegas vivaldinos é de o pessoal não distinguir quem é quem. Talvez fosse conveniente, no mínimo, gritar para que o inquérito sigiloso fosse submetido ao crivo do plenário da Corte. Edson Fachin tem um bom megafone nas mãos [caberá a ele levar a discussão à 2ª Turma ou ao plenário da Corte]. A conjuntura recomenda pressa, pois Toffoli e Moraes conseguiram um feito notável: magnificaram os ataques ao Supremo e seus membros. Antes, as críticas circulavam pelas redes sociais. Agora, ecoam nos portais, nos jornais, nas rádios, no horário nobre das tevês. Logo, logo não haverá outro assunto nas mesas de boteco.

Ao dar de ombros para o arquivamento promovido pela procuradora-geral Raquel Dodge, Alexandre de Moraes manteve aberta a fábrica de matéria prima para a proliferação de críticas ao Supremo. Ao prorrogar o processo secreto por três meses, Toffoli como que consolidou a parceria informal com os detratores da Corte.”

E a despeito de todo esse salseiro, o deputado-pastor Marco Feliciano quer o impeachment do general Mourão — um dos poucos tripulantes da nau dos insensatos que o Planalto, a Praça dos Três Poderes, o DF e este pobre país viraram nos últimos tempos. E viva o povo brasileiro!

quarta-feira, 17 de abril de 2019

CRUSOÉ RETIRA “FAKE NEWS” DO AR E É MULTADA MESMO ASSIM



Devido a uma sequência de críticas e sátiras dirigida à deputada petista Maria do Rosário, o comediante Danilo Gentili foi condenado, pelo crime de injúria, à pena de 6 meses e 28 dias de detenção. A parlamentar, para quem não se lembra, já processou o então deputado Jair Bolsonaro por dizer que “ela não merecia ser estuprada porque era muito feia”, e, em vídeo no YouTube, considerou “extremamente abusivo tudo que há em torno desse processo contra Lula”.

O caso de Gentili começou com uma declaração da petista em defesa do então deputado psolista Jean Wyllys — que cuspiu em Jair Bolsonaro na Câmara — e do ator petista José de Abreu — que cuspiu em um casal num restaurante em São Paulo. “Julgam Jean e Zé de Abreu por uma reação imediata. Quem reage a agressão não planeja como agir, quem agride sim. Respeite e serás respeitado”, sentenciou Maria do Rosário. Só que Bolsonaro não havia agredido Jean Wyllys, salientou o diretor de jornalismo da Jovem Pan, Felipe Moura Brasil, e que o casal hostilizou Zé de Abreu pelo uso da Lei Rouanet, que o ator negou, mas depois reconheceu publicamente — no insuportável Domingão do Faustão, que se valeu do benefício por pelo menos duas vezes.  

Rosário chamou de “agressão” o insulto verbal para amenizar ou legitimar a agressão física das cusparadas de Wyllys — uma ação planejada, como mostraram as câmeras, e não uma “reação imediata”. Gentili aplicou o mesmo raciocínio contra a própria deputada, aludindo ao caso em que ela disse “sim” quando Bolsonaro lhe perguntou se o estava chamando de estuprador: “Aí ela chama o cara de estuprador, toma um empurrão, dá chilique, falsa e cínica pra caralho [...] quando alguém cuspir em você, devolva com um soco que a Maria do Rosário aprova cuspir nela quando ela chama de estuprador”.

Ao receber uma notificação extrajudicial pedindo a retirada dos conteúdos publicados por ele no Twitter, o humorista publicou um vídeo em que esconde com os dedos o início e o fim da palavra deputada — deixando visível apenas “puta” —, rasga a notificação, coloca os papéis dentro das suas calças e o remete de volta à Câmara. Ninguém precisa conhecer ou apreciar seu trabalho, nem considerar engraçado ou de bom gosto este comportamento específico, mas, pelo contexto, nota-se que, ao chamar Rosário de “puta”, Gentili não a acusou de ser uma prostituta que aluga seu corpo e seus serviços sexuais, mas simplesmente a xingou, reagindo a um documento do Estado com teor de censura a postagens de conteúdo crítico, ainda que ácido, a uma parlamentar e sua defesa de cuspidores.

A juíza da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, porém, considerou que o caso concreto “revela a expressão de uma personalidade merecedora de reprovação em grau elevado”, daí a condenação de Gentili a detenção em regime semiaberto, mesmo que o “ato delituoso” não tenha sido praticado com violência e que o réu não seja reincidente. Como o cinismo petista já era conhecido, o caso concreto, na verdade, revela apenas a banalização da prisão como forma de patrulha. Estimulada por Rosário, a Justiça cuspiu na liberdade de expressão.

O presidente Bolsonaro — que recebeu a cusparada de Wylys, mas não processou o cuspidor — publicou um tuíte dizendo que Gentili deveria poder exercer seu direito de expressão. “Compreendo que são piadas e faz parte do jogo, algo que infelizmente vale para uns e não para outros”. Logo depois, Gentili respondeu, também via Twitter: “Fico aliviado por entender que esse post significa um registro do compromisso do governo com a liberdade de expressão”. 

Ao que parece, o Judiciário não leva em conta o que o chefe do Executivo pensa ou deixa de pensar. O presidente do STF, que durante a cerimônia de posse de Bolsonaro exaltou a “liberdade de imprensa e a atuação independente e autônoma do Ministério Público”, não só determinou a instauração de um inquérito sigiloso para apurar fake news e ameaças contra os ministros da corte e seus familiares (isso seria atribuição do Ministério Público), como escolheu ele próprio o relator dessa bizarrice (a relatoria deveria ser designada por sorteio eletrônico) e lhe pediu retirasse imediatamente do ar uma reportagem publicada pela revista Crusoé com o título “O amigo do amigo de meu pai”, que levanta suspeitas sobre sua “reputação ilibada”.

Além de censurar a revista digital e o site O Antagonista, responsável pela publicação, o ministro Alexandre de Moraes estipulou multa de R$ 100 mil por dia em caso de desobediência e determinou que a PF intimasse os responsáveis a prestar depoimento no prazo de 72 horas. Mesmo obedecendo à determinação, Crusoé foi multada. Mas não é só: Moraes determinou o bloqueio de contas em redes sociais e do WhatsApp de sete pessoas investigadas por publicarem "ofensas" contra a Corte. Entre os alvos está o general da reserva Paulo Chagas, que teria publicado “postagens de propaganda de processos violentos ou ilegais para a alteração da ordem política e social, com repercussão entre seguidores”, e que o investigado “defendeu a criação de um Tribunal de Exceção para julgamentos de membros do STF ou mesmo substituí-los”.

O ex-comandante do Exército e atual assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional, general Eduardo Villas Bôas, demonstrou preocupação com restrições que o general da reserva Paulo Chagas está sofrendo. Após sessão de homenagem ao Dia do Exército na Câmara, segundo o Metrópoles, o militar disse desconhecer as motivações de Alexandre de Moraes, mas espera da Justiça que as coisas sejam colocadas “no devido lugar”. “Conheço muito o general Paulo Chagas. Amigo pessoal meu e confesso que estou preocupado. Vamos acompanhar os desdobramentos disso. Já o atual comandante do Exército, general Edson Pujol, não quis comentar a decisão do magistrado, mas defendeu Chagas: “Não tenho os detalhes, a motivação que levou, as circunstâncias. O que eu posso dizer é que conheço o Paulo Chagas, é um militar e um cidadão íntegro, temos maior respeito e admiração por ele.”

A determinação de Moraes é alarmante e coloca o Brasil em contato com a censura depois de algumas décadas livres desta mazela. “Estamos diante da situação mais grave dos últimos tempos”, frisou a jurista Janaína Paschoal, na última terça-feira, em publicação no Twitter. Na avaliação de José Nêumanne, o ministro cometeu vários erros, começando por grafar Cruzoé, com "z", e ao abusar do latim para preservar a “honra” do presidente da Corte, terminou por expô-lo ainda mais, pois a truculência despertou a atenção geral para o material censurado. A informação de que o ofendido atendia pelo codinome de “amigo do amigo do meu pai” no propinoduto da Odebrecht bombou geral. Para ouvir a opinião sempre abalizada de Merval Pereira, clique aqui.

Observação: O ministro Marco Aurélio, em conversa com o Estadão, reconheceu que houve censura na decisão do colega: “Isso, pra mim, é inconcebível. É um retrocesso em termos democráticos. Prevalece a liberdade de expressão, para mim é censura. [...] Eu não vi nada de mais no que foi publicado com base em uma delação. O homem público é, acima de tudo, um livro aberto.” Indagado se o plenário da corte poderia derrubar a decisão, o ministro respondeu: “Não sei, cada qual tem a sua concepção sobre o Estado democrático de direito. A minha é sólida e sempre procedi assim.”

O senador Randolfe Rodrigues comparou o inquérito do STF a um novo AI-5: “Toffoli e Moraes fabricaram para si um AI-5: falou mal deles, dançou! Não é possível que, em plena democracia, dois juízes se comportem assim, aterrorizando a cidadania, transformados suas togas negras em capuzes de carrascos da sociedade!” Pelo Twitter, o senador acrescentou: Ninguém escapa do AI-5 do Supremo: jornalistas, ativistas e até generais! Logo chegarão aqui no Senado, porque o coro de insatisfeitos só aumenta. Precisamos dar um basta nos desmandos desta fração que sequer representa a maioria do STF, mas que se acha a própria encarnação do poder.” 

Segundo a Folha, o senador Alessandro Vieira, autor dos dois requerimentos para criação da CPI Lava-Toga , declarou: “Se alguém tinha dúvidas sobre a urgência da CPI das cortes superiores, os ministros confirmam a sua necessidade. E quem via risco à democracia na atuação do Executivo agora precisa se preocupar também com outro lado da Praça dos Três Poderes, de onde se avolumam as ações autoritárias.”

Além de pedir o arquivamento do inquérito do STF sobre “fake news”, a PGR quer que todos os atos praticados sejam anulados, incluindo buscas e apreensões e censura a sites.Considerando os fundamentos constitucionais desta promoção de arquivamento, registro, como consequência, que nenhum elemento de convicção ou prova de natureza cautelar produzida será considerada pelo titular da ação penal ao formar sua opinio delicti. Também como consequência do arquivamento, todas as decisões proferidas estão automaticamente prejudicadas.” 

Observação: Como o Ministério Público não participou da abertura do inquérito (tanto a instauração como escolha do relator partiram de Toffoli), a PGR não pode arquivá-lo (a prerrogativa é do STF). Segundo o G1, Raquel Dodge afirma que a corte não pode manter o inquérito: “O sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções na persecução criminal: um órgão acusa, outro defende e outro julga; não se admite que o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse”. Teimosamente, Moraes rejeitou a recomendação de Dodge e manteve o andamento do inquérito. Virou queda de braço (mais uma entre muitas neste começo de gestão). Enfim, como dizia minha finada avó, quem brinca com fogo mija na cama ou acaba se queimado.

Resumo da ópera: Há um textinho famoso sobre o nazismo — que, como ensina Reinaldo Azevedo, é da autoria do teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984), embora nove entre dez citadores o atribuam a Maiakovski, Brecht, ou mesmo ao brasileiro Eduardo Alves da Costa (que realmente escreveu algo parecido):

“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. E aí já não havia mais ninguém para reclamar.”


terça-feira, 16 de abril de 2019

CRUSOÉ E O ANTAGONISTA SOB CENSURA



A reportagem de capa da última edição da revista eletrônica Crusoé, que recebeu o título de “O amigo do amigo de meu pai”, apresenta informações sobre a deleção do empresário Marcelo Odebrecht, que cita o suposto apelido do presidente do STFDias Toffoli, nas planilhas da empreiteira envolvida em diversos escândalos de corrupção. 

Segundo O Antagonista, a matéria foi baseada em um documento que consta dos autos da Lava-Jato, no qual Marcelo Odebrecht, respondendo a um pedido de esclarecimento feito pela PF, fez a revelação que Crusoé trata em sua edição de número 50, publicada na última sexta-feira, 12. O ministro Alexandre de Moraes alegou “claro abuso no conteúdo da matéria veiculada” e ordenou que a Polícia Federal intime os responsáveis pela publicação da reportagem “para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas”. Portanto, na avaliação de O Antagonista, “desde o fim da manhã desta segunda-feira, 15, Crusoé está sob censura”. 

Toffoli, no pedido para que a reportagem fosse objeto de apuração — alegando tratar de “mentiras” destinadas a atingir as “instituições brasileiras” — faz remissão à nota oficial divulgada pela PGR, dizendo não ter recebido, ainda, cópia do documento enviado à Lava-Jato por Marcelo Odebrecht e revelado por Crusoé. É justamente à nota de Raquel Dodge que Moraes se apega para ordenar a censura, alegando que a reportagem é “um típico exemplo de fake news”. Crusoé reitera o teor da reportagem, baseada em documentos, e registra o contorcionismo da decisão, que se apega a uma nota sobre um detalhe lateral e a utiliza para classificar como “fake news” uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava-Jato. A revista salienta, ainda, que, embora tenha solicitado providências ao colega Alexandre de Moraes na sexta-feira, o ministro Dias Toffoli não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da reportagem agora censurada.

A decisão do ministro causou indignação instantânea nas redes sociais. Na manhã de ontem, quando a proibição veio a público, a tag #DitaToga era um dos assuntos mais comentados do Twitter brasileiro. O deputado Marcel van Hattem, líder do Novo na Câmara, considerou a decisão um cerceamento à liberdade de imprensa e uma ameaça a diretos consagrados pela Constituição: “É muito perigoso, depõe contra a Corte, contra os ministros, contra a democracia e contra o próprio combate à corrupção. Se o ministro não está envolvido, por que a censura? Quem não deve não teme. Ao silenciar o mensageiro, Toffoli piora a situação.” O líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues, afirmou que recorrerá ao STF para derrubar o que a maioria dos parlamentares entende como sendo um ato de censura explícita.

A propósito desse lamentável episódio, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, declarou: “Não tenho dúvida de que é censura, mas vai além da censura. No momento em que [a decisão], além de interditar a publicação, convoca os jornalistas a depor na Polícia Federal. [Significa que] Já estão respondendo a inquérito.” Na avaliação do general reformado, ao se sentir atingido, o ministro deveria ter acionado o MPF, não exigido a retirada conteúdo: “O camarada está sendo tudo, é julgador e investigador.” Mourão também criticou a manifestação da AGU, favorável ao inquérito aberto por Dias Toffoli sobre calúnias, fake news e ameaças contra magistrados. Segundo ele, haveria um acordo entre o Executivo e o Judiciário: “Tem um acordo nisso aí e não passa por mim. Se a AGU se manifestou favorável, tem um acordo aí.”

Para o jornalista José Nêumanne, o pecado da revista foi contar que o empreiteiro e corrupto confesso Marcelo Odebrecht disse que o “amigo do amigo do meu pai” relacionado no propinoduto da “empreiteira-corrupteira” é o citado ex-advogado-geral da União e do PT. A censura foi decretada contra um abuso, que foi cometido pelos dois ministros aqui citados ao substituir o “cala boca nunca mais” pregado por Cármen Lúcia, pelo “cala boca, gentalha” —, ou seja, nós. Na avaliação do jornalista, o parecer favorável — desnecessário e imerecido — emitido pelo advogado-geral da União, André Mendonça, ao inquérito inventado por Dias Toffoli para impedir críticas e ameaças a membros de altos tribunais, comprova que todo o clã Bolsonaro aderiu à blindagem destes. Afinal, o advogado-geral não tomaria uma atitude destas sem consultar o chefe. E a sabotagem do filho do presidente, Flávio, à instalação da CPI da Lava-Toga no Senado confirma que no triunvirato filial papai-hipotenusa apoia os três filhotes-catetos.

Deputados e senadores também estão aumentando o coro com críticas ao Supremo após a decisão do ministro Alexandre, como noticiou o site RENOVA.