A reportagem de capa da última edição da revista eletrônica Crusoé, que recebeu o título de “O amigo do amigo de meu pai”, apresenta
informações sobre a deleção do empresário Marcelo Odebrecht, que cita o suposto apelido do presidente
do STF, Dias Toffoli, nas planilhas da
empreiteira envolvida em diversos escândalos de corrupção.
Segundo O Antagonista, a matéria foi baseada em
um documento que consta dos autos da Lava-Jato,
no qual Marcelo Odebrecht,
respondendo a um pedido de esclarecimento feito pela PF, fez a revelação que Crusoé trata
em sua edição de número 50, publicada na última sexta-feira, 12. O ministro Alexandre
de Moraes alegou “claro abuso no conteúdo da matéria veiculada” e ordenou
que a Polícia
Federal intime os responsáveis pela publicação da reportagem “para que prestem depoimentos no prazo de 72
horas”. Portanto, na avaliação de O Antagonista, “desde o fim da
manhã desta segunda-feira, 15, Crusoé está
sob censura”.
Toffoli, no
pedido para que a reportagem fosse objeto de apuração — alegando tratar de
“mentiras” destinadas a atingir as “instituições brasileiras” — faz remissão à
nota oficial divulgada pela PGR,
dizendo não ter recebido, ainda, cópia do documento enviado à Lava-Jato por Marcelo Odebrecht e revelado
por Crusoé. É justamente à nota
de Raquel Dodge que Moraes se apega para ordenar a
censura, alegando que a reportagem é “um típico exemplo de fake news”. Crusoé reitera
o teor da reportagem, baseada em documentos, e registra o contorcionismo da
decisão, que se apega a uma nota sobre
um detalhe lateral e a utiliza para classificar como “fake news” uma informação
absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava-Jato. A revista salienta, ainda, que, embora tenha solicitado
providências ao colega Alexandre de
Moraes na sexta-feira, o ministro Dias Toffoli não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas
antes da publicação da reportagem agora censurada.
A decisão do ministro causou indignação instantânea nas redes sociais. Na manhã de ontem, quando a proibição veio a público, a tag #DitaToga era um dos assuntos mais comentados do Twitter brasileiro. O deputado Marcel
van Hattem, líder do Novo na
Câmara, considerou a decisão um cerceamento à liberdade de imprensa e uma
ameaça a diretos consagrados pela Constituição: “É muito perigoso, depõe contra a Corte, contra os ministros, contra a
democracia e contra o próprio combate à corrupção. Se o ministro não está
envolvido, por que a censura? Quem não deve não teme. Ao silenciar o
mensageiro, Toffoli piora a situação.” O líder da minoria no
Senado, Randolfe Rodrigues,
afirmou que recorrerá ao STF para
derrubar o que a maioria dos parlamentares entende como sendo um ato de censura explícita.
A propósito desse lamentável episódio, o
vice-presidente, general Hamilton Mourão,
declarou: “Não tenho dúvida de que é
censura, mas vai além da censura. No momento em que [a decisão], além de
interditar a publicação, convoca os jornalistas a depor na Polícia Federal.
[Significa que] Já estão respondendo a inquérito.” Na avaliação do general reformado,
ao se sentir atingido, o ministro deveria ter acionado o MPF, não exigido a retirada conteúdo: “O camarada está sendo tudo, é julgador e investigador.” Mourão também
criticou a manifestação da AGU, favorável ao inquérito aberto por Dias Toffoli sobre calúnias, fake news
e ameaças contra magistrados. Segundo ele, haveria um acordo entre o Executivo
e o Judiciário: “Tem um acordo nisso aí
e não passa por mim. Se a AGU se manifestou favorável, tem um acordo aí.”
Para o jornalista José
Nêumanne, o pecado da revista foi contar que o empreiteiro e
corrupto confesso Marcelo Odebrecht
disse que o “amigo do amigo do meu pai” relacionado no propinoduto da “empreiteira-corrupteira”
é o citado ex-advogado-geral da União e do PT.
A censura foi decretada contra um abuso, que foi cometido pelos dois ministros
aqui citados ao substituir o “cala boca nunca mais” pregado por Cármen Lúcia, pelo “cala boca,
gentalha” —, ou seja, nós. Na avaliação do jornalista, o parecer favorável — desnecessário e imerecido — emitido pelo
advogado-geral da União, André Mendonça,
ao inquérito inventado por Dias Toffoli
para impedir críticas e ameaças a membros de altos tribunais, comprova que todo
o clã Bolsonaro aderiu à blindagem
destes. Afinal, o advogado-geral não tomaria uma atitude destas sem consultar o
chefe. E a sabotagem do filho do presidente, Flávio, à instalação da CPI
da Lava-Toga no Senado confirma que no triunvirato filial papai-hipotenusa
apoia os três filhotes-catetos.
Deputados e senadores também estão aumentando o coro com
críticas ao Supremo após a decisão do ministro Alexandre, como noticiou o site RENOVA.