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sábado, 4 de maio de 2019

LULA, A CORAGEM DO JUDICIÁRIO DE MAMAR EM ONÇA E A FARRA SUPREMA COM DINHEIRO PÚBLICO NUMA REPUBLIQUETA À BEIRA DA FALÊNCIA



Considerando as decisões do juiz de primeiro grau, dos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e dos quatro da 5ª Turma do STJ, a derrota de Lula no tribunal superior fechou o placar em 8 para a Justiça e zero para o condenado. Mesmo assim, a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil continua batendo na mesma tecla — chegando mesmo a dizer que jamais trocaria “sua dignidade” pela liberdade. Que dignidade, cara pálida?

A despeito da culpabilidade chapada do ex-presidente — que, nunca é demais lembrar, é um político preso, e não um preso político —, a mudança na dosimetria causou espécie, até porque a turma do STJ que revisa as decisões do TRF-4 nos processos da Lava-Jato é conhecida como “câmara de gás”. Falou-se à boca pequena que os ministros foram pressionados por seus colegas supremos — capitaneados pelo infalível Gilmar Mendes — a “julgarem o recurso em vez de simplesmente chancelarem a decisão a quo.”

Em entrevista ao Blog do Nêumanne, ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, componente do trio que preparou a acusação que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, explicou que “o regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código Penal e a Lei de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há presídios semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo cumprida a pena como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios semiabertos, a única forma é aplicar o sistema aberto”.

Essa perspectiva da margem a especulações não só sobre o abrandamento do “gás” empregado pela “câmara” na pena, mas também sobre uma eventual combinação prévia desta. A unanimidade dos quatro ministros da turma ao reduzir — na mesma medida — a pena de Lula teria sido acertada pelo relator Felix Fischer, segundo Carolina Brígido escreveu em O Globo. O relator tem negado repetidas vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do senhor réu, mas percebeu que três colegas queriam diminuir a punição, e no caso, se ficasse vencido no julgamento, perderia a relatoria não só do processo do ex-presidente, mas de toda a Lava-Jato no STJ, conforme o regimento da Corte. Disse ainda a jornalista que “nos bastidores as conversas de integrantes da 5ª Turma, entre si e com ministros do STF, levaram meses. Outro ponto que teria pesado na decisão de Fischer seria o fato de que uma decisão unânime da turma fortaleceria o tribunal, porque ficaria para o público a imagem de uma corte harmoniosa em relação a um tema tão controvertido”. Completando o quadro, no Supremo, ao qual certamente a defesa recorrerá, há chance de reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de dinheiro da condenação (roteiro inspirado em precedentes).

De acordo com José Nêumanne, uma rápida consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em formação anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no mensalão. A “fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de outro ministro, Luiz Fux, pode também levar a uma consulta aos arquivos.

Comemorando seu feito profissional, o representante do jornal espanhol, Florestan Fernandes Júnior, registrou em post no Twitter que “nem a gaiola em que foi trancado fez a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”. Talvez a definição fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda presidente Dilma em 4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias depois, quando ele afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do outro ao qual recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”.

Passados três anos, o sumo pontífice da seita do inferno tem bons motivos para se agarrar à esperança de ter perdoado pelo “Pretório Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa. E descobriu no passado do STF provas de coragem que relatou, após enfrentar galhardamente o "rígido esquema de segurança" e ter dado "forte abraço" em Florestan e Mônica Bergamo: "O STF já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou". Publicado o recado, resta-lhe esperar que os ministros, do qual o PT nomeou sete, tenham coragem. A palavra é essa mesmo. Coragem de mamar em onça, como diria meu avô.

Todo somado e subtraído, com a redução concedida pelos ministros superiores, a pena do condenado ficou próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro em julho de 2017 (de 9 anos e 6 meses), e os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá restaram sobejamente comprovados (em que pesem as “dúvidas seriíssimas“ do ministro Marco Aurélio). Quanto à progressão para o regime semiaberto, não é certo que o molusco poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua cela à noite, já que o TRF-4 julgará em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Moro na 13.ª Vara Federal do Paraná, no processo referente ao sítio de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente continuará preso, segundo entendimento do STF, ainda válido.

Não fosse pelo fato de (mais) um recurso estar em via de ser apreciado pela 2ª Turma do STF, o Brasil, que tem mais com que se preocupar, segue sua vida política e institucional normalmente; apenas o PT manteria seu destino atrelado ao de seu amado líder e insubstituível presidente de honra. Isso porque há no Supremo ministros coçando a mão para libertar o sacripanta vermelho. Senão vejamos: À luz da jurisprudência ainda vigente na Suprema Corte, que permite o cumprimento antecipado da pena após decisão emanada de um juízo colegiado, a ministra Cármen Lúcia, relatora de uma ação que pleiteia a libertação de todos os condenados pelo TRF-4 que têm recursos pendentes de apreciação nas cortes superiores, determinou que julgamento fosse feito em plenário virtual, mas seu colega garantista (e petista de quatro costados) Ricardo Lewandowski, que acontece de ser o presidente da 2ª Turma, decidiu puxar a encrenca para uma sessão presencial.

Ora — pondera Josias de Souza —, se está autorizado, por que desautorizar prisões como a de Lula antes mesmo de o Supremo julgar em sessão plenária, diante das lentes da TV Justiça, as três ADCs que questionam as prisões em segunda instância? Certos ministros parecem decididos a conspirar contra a supremacia do Supremo. Mas convém não dizer isso em voz alta, sob pena de virar alvo do inquérito secreto — que Dias Toffoli abriu de ofício e nomeou Alexandre de Moraes relator — para investigar “fake news” e ameaças dirigidas à nossa Suprema Corte — que merece o maior respeito, embora o mesmo não se aplique a alguns togados que apitam por lá. Aliás, falando em desrespeito, o TCU quer saber por que o Supremo decidiu fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. A investigação se baseou em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de abril, segundo a qual a notícia teve "forte e negativa repercussão popular". O que não é de estranhar, convenhamos, considerando que os requintados itens que compõem as tais “refeições institucionais”, previstas no Pregão Eletrônico 27/2019, contrastam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira que ainda sofre com a grave crise econômica que se abateu sobre o País há alguns anos.

O MP pede "medidas necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal que visam à 'contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo alimentos e bebidas'". Da tribuna, o senador Jorge Kajuru criticou a proposta e informou que entregou duas representações ao TCU, uma para suspender o contrato imediatamente e outra para fazer uma auditoria nos últimos dez contratos firmados pelo STF. Na semana passada, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do TJ-MG, também entrou com uma ação popular na Justiça Federal do DF contra o pregão eletrônico do Supremo.

O menu exigido pela licitação dos ministros supremos — que sus excelências afirmam seguir o padrão do Itamaraty — inclui desde a oferta café da manhã, passando pelo "brunch", almoço, jantar e coquetel. Na lista estão produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e "medalhões de lagosta". As lagostas, destaca-se, devem ser servidas "com molho de manteiga queimada". A corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio ainda traz vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de filé e "tornedores de filé".

Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se for tinto, tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais". "O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses." Se a uva for tipo Merlot, só serão aceitas as garrafas de safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganho pelo menos quatro premiações internacionais. Nesse caso, o vinho, "em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses". Para os vinhos brancos, "uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013", com no mínimo quatro premiações internacionais.

Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, afirma que a despesa "que se pretende realizar por meio daquela licitação encerra afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos, simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo".

Os togados supremos costumam se colocar no Olimpo, mas precisam descer de lá. Alguém discorda?