A votação em segundo turno da reforma da Previdência foi eclipsada pelo decisão da juíza federal Carolina Lebbos, que, na última quarta-feira, a pedido da PF, determinou a transferência de Lula para "um presídio em São Paulo" (detalhes na postagem anterior). Mas o fato é que no final da noite da mesma quarta-feira, após quase mais de nove horas de debates, a Câmara rejeitou os oito destaques apresentados pela oposição, que buscavam retirar alguns pontos do texto aprovado na madrugada anterior. O presidente da Casa, Rodrigo Bolinha Maia (ou Botafogo, como o deputado figurava nas planilhas do departamento de propinas da Odebrecht), agradeceu aos partidos aliados e disse que aprovação do texto foi consequência de um "trabalho coletivo" — e com toda razão: se dependesse de Bolsonaro... Enfim, o texto seguirá para o Senado, onde deve começar a tramitar na próxima semana e, se tudo correr bem, ser aprovado em dois turnos antes do final de outubro.
O mercado financeiro reagiu de forma positiva à aprovação do texto e à rejeição dos destaques. O
índice Bovespa se recuperou da queda
da última terça-feira e iniciou a quinta em alta (no momento em que estou concluindo este posts, o B3 está em alta de 1,25%, a mais de 104 mil pontos). Vale
lembrar que a instabilidade do mercado se deveu em grande medida à guerra
fiscal entre EUA e China, mas, durante a madrugada de ontem, o governo chinês
anunciou dados surpreendentemente bons para sua balança comercial, com
crescimento das exportações na casa dos 3% em julho em relação ao mesmo mês de
2018, ante previsões de uma queda de 2%. Os EUA também ofereceram algum alívio
aos investidores, já que o presidente do Federal Reserve de Chicago sinalizou a
possibilidade de um novo corte na taxa de juros norte-americana, após a redução
anunciada na semana passada.
Na Europa, o Banco da França anunciou em sua pesquisa de
julho que a segunda maior economia do continente pode ter acelerado seu
crescimento. Segundo análise da revista Exame,
são fagulhas de boas notícias, mas às quais os investidores devem se agarrar
após a leva de decepções dos últimos dias. No Brasil, a aprovação sem
alterações do texto base da reforma da Previdência na Câmara desanuvia em parte
as incertezas para a Economia, mas atenções agora se voltam para o Senado, onde
um grupo de parlamentares fala em trazer de volta a capitalização, em retirar
as isenções e em incluir estados e municípios no projeto. A ver.
Ainda sobre a decisão do STF sobre a transferência de Lula,
cabe um contraponto ao que eu disse no post anterior: na avaliação de Merval Pereira, fizeram bem os
ministros em manter o condenado preso em Curitiba. Não tinha cabimento o pedido
da defesa e do PT, para que Lula fosse libertado devido à decisão
da juíza federal Carolina Lebbos, responsável
pela execução penal do ex-presidente petralha pelo caso do tríplex.
É bom lembrar que Zanin
e companhia já haviam pedido anteriormente a transferência do petista para São
Bernardo do Campo, onde ele ficaria perto da quadrilha, digo, da família, e
aproveitaram a autorização de sua transferência para tentar, mais uma vez,
libertar o criminoso — e, mais uma vez, não obtiveram sucesso, como comprova o
placar de 10 a 1, ainda que o único voto
discordante — do ministro Marco Aurélio,
para quem o recurso deveria ter sido encaminhado ao TRF-4, que decretou a prisão em segunda instância — me pareça o
mais adequado à situação.
Vale lembrar, também, que a legislação brasileira não contempla
réus condenados, que estão cumprindo pena, com o direito à prisão especial: ex-governadores,
ex-ministros, deputados, senadores e distintíssima companhia estão todos em
prisão comum, inclusive os que ainda não foram condenados. Mas o caso de Lula é uma situação sem precedentes. Collor e Dilma foram penabundados do Planalto, mas mantiveram as regalias inerentes
à condição de ex-presidentes, como assessores e carros à disposição — que Lula só perdeu quando foi condenado em
segunda instância.
Dada a possibilidade de esses dois ex-presidentes (além de Michel Temer) serem
condenados e passarem a cumprir pena, talvez esteja na hora de discutir esse tipo
de privilégio à luz do preceito constitucional de que todos são iguais perante
a lei. É certo que nosso sistema prisional é ultrapassado, que os presídios
estão superlotados e que a ressocialização dos presos é uma balela. Mas a prova
provada de que a iniquidade campeia solta em nossa sociedade é fato de o maior
líder populista surgido nos últimos tempos — e seus abilolados apoiadores —
considerar que ir para uma prisão comum é uma tentativa de aniquilá-lo. Por
outro lado, num país em quase 7% da
população (cerca de 15 milhões e brasileiros) acreditam que a terra é plana,
não se pode esperar que o exercício intelectual seja o esporte nacional.
Se o chanceler Ernesto
Araújo — que, a exemplo de Bolsonaro e respectiva prole, bebe da sabedoria
do escritor, ideólogo e ex-astrólogo Olavo
de Carvalho — tivesse escutado uma explanação do então presidente Lula, não teria dúvidas de que a Terra
é redonda. Enquanto o guru de festim afirma que ainda não encontrou explicações
cientificas convincentes de que a terra seja redonda, embora advirta que não se
debruçou detalhadamente sobre o tema, Lula
explicou: “Freud dizia que havia
várias coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries.
Essa questão do clima é delicada por quê? Porque o mundo é redondo. Se o
mundo fosse quadrado, ou retangular, e a gente soubesse que nosso território
está a 14 mil quilômetros de distância dos centros mais poluidores, ótimo, vai
ficar por lá. Mas como o mundo gira, e a gente também passa lá embaixo nos
lugares mais poluídos, a responsabilidade é de todos”. Nem Dilma teria feito melhor.
Para concluir: Dias atrás, o porta-voz da presidência afirmou
que os filmes financiados pela Ancine devem ter o espírito cristão, que é o da sociedade brasileira. Mas é impensável
achar que o Estado só pode financiar filmes que correspondam ao pensamento do
presidente. O país não pode ser liderado por uma visão personalista e
voluntarista como a de Bolsonaro,
que não tem parâmetros, e sim interesses pessoais. Ele vive em torno da família
e dos amigos, e quem não está nesse grupo é visto como fora do padrão, não
confiável. Sobre o comportamento do presidente, um texto de Rodrigo Constantino fecha esta postagem
com chave de ouro:
As redes sociais deram voz aos idiotas de todos os tipos,
perfis e ideologias. Andando em bando ou no anonimato, eles se sentem
confortáveis para disseminar seu ódio, extravasar seu recalque, transformar sua
mediocridade pessoal em arma contra todos aqueles que se mostram
superiores, independentes, com autoconfiança.
Anos de petismo produziram um sentimento, compreensível, de
revolta profunda, alimentando um desejo de vingança. No encontro entre as redes
sociais e esse sentimento difuso, criou-se o fenômeno do bolsolavismo, uma
“direita” que se define basicamente por aquilo que odeia, a esquerda. Não há
desejo de construção, mas sim de destruição. E como se parecem, nos métodos,
com aquilo que pretendem destruir!
Ao perceber isso, muitos liberais e conservadores foram se
afastando do governo Bolsonaro.
Afinal, trata-se de um pacote: para levar Guedes
é preciso levar também essa gente que baba de ódio e quer guerra permanente
contra os inimigos — todos aqueles que não aderem totalmente ao bando. O
governo Bolsonaro, porém, não é sua
militância olavete nas redes sociais. Mas quem conhece essa turma tem calafrios
só de imaginar sua crescente influência no governo.
O receio com o autoritarismo, portanto, é legítimo. Não é
“fascismo imaginário”, como alguns alegam. É projeção desse grupo se alastrando
e tomando conta do todo, inclusive jogando para escanteio aqueles mais
moderados e pragmáticos que insistem em lutar pelo país em meio aos boçais.
Eles se acham “machões”, mas não passam de brutamontes truculentos sem qualquer
noção do que seja conservadorismo.