Por mais desgastante que seja ler (e escrever) sobre o circo
mambembe envolvendo as supostas conversas entre
Moro e os procuradores da
Lava-Jato, as artimanhas de
Zanin
para colocar
Lula em liberdade, as
rusgas entre o Planalto e o Judiciário e outros temas que dariam um tratado
sobre absurdismo, é impossível fugir a essa dura realidade. As coisas são como
são, e não como gostaríamos que fossem.
Notícia sobre o que não presta é o que não falta nesta
banânia, mas vez por outra surge um ponto fora da curva. Exemplo disso é a
decisão do corregedor nacional do
MPF,
Orlando Rochadel, de arquivar o
processo administrativo disciplinar aberto contra
Deltan Dallagnol com base nas supostas “conversas tóxicas” entre o
coordenador da
Lava-Jato no Paraná e o então juiz federal
Sérgio Moro.
Ao decidir pelo arquivamento,
Rochadel afirmou não ser possível confirmar a autenticidade dos
diálogos divulgados pelo
Intercept e
que não há indicativos de infração funcional. Segundo os procuradores
investigados, as supostas mensagens foram obtidas de forma ilícita, com
violação ao sigilo das comunicações, e os diálogos, possivelmente adulterados. "
Ainda que as mensagens em tela fossem
verdadeiras e houvessem sido captadas de forma lícita, não se verificaria
nenhum ilícito funcional", complementou o corregedor.
Falando em coisa que não presta, o sucessor do canhestro
Ricardo Vélez no ministério da
Educação,
Abraham Weintraub, referindo-se
ao episódio envolvendo o sargento da Aeronáutica
preso na Espanha com 39 kg de cocaína,
postou no
Twitter a seguinte pérola:
“
No
passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém
sabe o peso do Lula ou da Dilma?”.
Um comentário espirituoso, sem dúvida, mas que não pegou bem
devido ao cargo do aspirante a humorista. Aliás,
Gleisi Hoffmann afirmou que vai processá-lo por
comparar Lula e Dilma a droga: “
O
senhor fala dos outros aquilo que o senhor é: uma droga para a educação
brasileira. Então, pode esperar que nós vamos processá-lo. Pelo que você falou
de Lula e de Dilma, responderá em processo. Encaminharemos denúncia ao
Ministério Público e ao Conselho de Ética da Presidência da República”, disse a presidente nacional do
PT. É curioso
o gosto dos petistas por questões judiciais, desde que não sejam eles os
acusados, naturalmente. Enfim, segue o baile.
Na última terça-feira, depois que a 2ª Turma do STF decidiu
não decidir e negar o pedido de liminar que visava soltar o petralha e mantê-lo
em liberdade até que o mérito da ação que questiona a imparcialidade do então
juiz Sérgio Moro no caso do tríplex
seja apreciado. Assim, o paciente terá de ser paciente e aguardar em sua cela VIP a conclusão do julgamento. Em tese,
isso nos dá um mês de descanso, embora os recessos judiciários do ano passado
nos assombrem como os Fantasmas dos
Natais Passados assombraram Ebenezer
Scrooge em Um Conto de Natal, de
Charles Dickens.
Para quem não se lembra, há um ano o desembargador-plantonista
do
TRF-4, atendendo a um pedido dos
deputados petistas
Wadih Damous,
Paulo Pimenta e
Paulo Teixeira, determinou a imediata soltura de
Lula, dando início a uma verdadeira
guerra de liminares. Em dezembro
foi a vez do ministro
Marco Aurélio
Mello causar frisson com a
estapafúrdia liminar publicada
minutos depois do almoço de confraternização de final de ano do
Supremo, e que só não resultou na
libertação de
Lula e outros 170 mil
condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus
recursos pelas instâncias superiores porque foi prontamente cassada por
Dias Toffoli, responsável pelo plantão
da Corte durante o recesso.
Conforme eu mencionei no post anterior, existe o risco de a
defesa de Lula repetir a dose agora
em julho. Se assim for, caberá novamente a Toffoli
botar água no chopp da petralhada, sob pena de cutucar a opinião pública com o
pé e passar o resto da vida fugindo das mordidas. Oxalá a patuleia e os
defensores incondicionais da autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil se
conscientizem de que insistir no erro é burrice, porque de sobressaltos, más
notícias, crises e assemelhados, nós estamos todos “por aqui” (registre-se que
o articulista indica a altura da fronte).
Mudando de um ponto a outro, é curioso que se continue dando
crédito ao material obtido criminosamente (hackeamento digital) e vazado
seletivamente pelo Intercept, a
despeito do viés nitidamente esquerdista do advogado e jornalista norte-americano
Glenn Greenwald. que desde a criação
da versão tupiniquim do site, em 2016, vem adotando uma linha editorial divorciada
da isenção que se espera de um veículo de imprensa internacional, com
publicações que servem apenas aos interesses dos partidos de esquerda.
David Miranda,
cuja carreira política começou justamente quando o site em questão inaugurou
sua versão brasileira e cujo patrimônio cresceu quase 400% desde então — é marido
e braço-direito de Greenwald. Em
2013, ele ficou detido por nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres, sob
a legislação antiterrorista, além de ter documentos ligados aos vazamentos de
Snowden confiscados. Em 2016, elegeu-se vereador pelo PSOL, e em 2018 garantiu uma vaga de suplente de deputado federal, passando
a titular quando Jean Wyllys abriu
mão de seu terceiro mandato e se autoexilou na Espanha — supostamente devido a
notícias do envolvimento de milicianos na morte da vereadora Marielle Franco, cuja demora na
conclusão do inquérito vem dando margem às mais diversas teorias
conspiratórias).
Abastecido por jornalistas freelancers, o Intercept
engaveta reportagens que não estão de acordo com o alinhamento político de Greenwald, além de atacar grandes
veículos de mídia brasileiros. Em 2016, o site deixou de publicar um artigo
sobre a ocupação das escolas no Paraná porque o repórter havia conversado com
jornalistas de uma emissora de TV — com a qual, no passado, Greenwald teve estreita relação — e incluíra
no texto o ponto de vista deles. Dos 27 matérias publicadas entre os dias 1º e
13 de outubro de 2018 pelo Intercept, não houve uma linha que desabonasse o PT e o fantoche do ex-presidente
presidiário, embora 5 artigos e 10 reportagens tenham feito a caveira do então
candidato Jair Bolsonaro.
Fiel a seu objetivo maior, Greenwald segue divulgando seletivamente vazamentos
sensacionalistas de trechos de um material obtido criminosamente e cuja autenticidade
não foi comprovada pelas autoridades brasileiras. A despeito de conspurcar a
imagem da imprensa isenta e prestar um desserviço ao tentar desacreditar a Lava-Jato e o combate à corrupção institucionalizada,
o jornalista americano é endeusado pelos esquerdistas em geral e petistas em
particular, bem como por políticos e corruptos de toda espécie. Até na mais
alta cúpula do Judiciário, que há muito foi dividida em garantistas e
punitivistas, o material espúrio tem produzido efeitos deletérios, haja vista a
maneira como o togado supremo Gilmar Mendes
se referiu, na última terça-feira, às denúncias feitas pelo Intercept.
Tirar da cartola soluções heterodoxas seria desnecessário se
os nobres magistrados simplesmente cumprissem adequadamente suas funções. Lula continua preso, mas por muito
pouco não conseguiu deixou o xilindró graças a mais essa manobra de Gilmar — que contou com a prestimosa
colaboração de Ricardo Lewandowski,
que seguiu prontamente o voto do colega. Gilmar
deu a impressão de que trabalhava mais como advogado de defesa de Lula do que como julgador. Seus pares
na 2ª Turma, que esperavam votar o habeas corpus e acabaram tendo de julgar uma liminar proposta no
calor do momento. Demais disso, logo no início da sessão, foi também do ministro-deus
a iniciativa de sugerir a libertação de Lula
caso não fosse possível concluir os julgamentos do dia — estratégia logo
assumida pela defesa do ex-presidente.
A sugestão de Gilmar,
que é crítico ferrenho de Moro e da Operação Lava-Jato, além de encabeçar a
lista dos ministros do STF com mais
pedidos de impeachment, era conveniente para a defesa. Afinal, na melhor das
hipóteses a liminar seria deferida e Lula
estaria pronto para sair da cadeia; se a chicana não prosperasse — como de fato
não prosperou — o HC continuaria
vivo para ser julgado mais adiante, talvez sob o impacto de novas supostas
conversas atribuídas a Sergio Moro e
divulgadas pelo Intercept. Que algo assim fosse sugerido pela defesa seria de
se esperar, mas não da parte de um dos julgadores. Chega a ser incompreensível;
não há garantismo penal nem base regimental que expliquem essa postura.
Vale lembrar que não se trata de um fato inédito: em meados
de 2018, uma chicana semelhante, prontamente acolhida por
Dias Toffoli,
resultou
na soltura de José Dirceu (vencidos os votos de
Edson Fachin e
Celso de
Mello). O ex-ministro de Lula e mentor intelectual do Mensalão, que foi condenado
a mais de 30 anos de prisão
, só voltou para o xadrez
há pouco mais de um mês — antes desse episódio lamentável, ele havia
ficado preso de agosto de 2015 a maio de 2017 e entre maio e junho de 2018.
À luz desses fatos, não fosse trágico, seria cômico o
questionamento da lisura do ex-juiz Sérgio
Moro. Mas esse é o retrato pronto e acabado do país em que vivemos. E cosi
la nave va.