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sábado, 29 de junho de 2019

COISAS DO BRASIL

Por mais desgastante que seja ler (e escrever) sobre o circo mambembe envolvendo as supostas conversas entre Moro e os procuradores da Lava-Jato, as artimanhas de Zanin para colocar Lula em liberdade, as rusgas entre o Planalto e o Judiciário e outros temas que dariam um tratado sobre absurdismo, é impossível fugir a essa dura realidade. As coisas são como são, e não como gostaríamos que fossem.

Notícia sobre o que não presta é o que não falta nesta banânia, mas vez por outra surge um ponto fora da curva. Exemplo disso é a decisão do corregedor nacional do MPF, Orlando Rochadel, de arquivar o processo administrativo disciplinar aberto contra Deltan Dallagnol com base nas supostas “conversas tóxicas” entre o coordenador da Lava-Jato no Paraná e o então juiz federal Sérgio Moro.

Ao decidir pelo arquivamento, Rochadel afirmou não ser possível confirmar a autenticidade dos diálogos divulgados pelo Intercept e que não há indicativos de infração funcional. Segundo os procuradores investigados, as supostas mensagens foram obtidas de forma ilícita, com violação ao sigilo das comunicações, e os diálogos, possivelmente adulterados. "Ainda que as mensagens em tela fossem verdadeiras e houvessem sido captadas de forma lícita, não se verificaria nenhum ilícito funcional", complementou o corregedor.

Falando em coisa que não presta, o sucessor do canhestro Ricardo Vélez no ministério da Educação, Abraham Weintraub, referindo-se ao episódio envolvendo o sargento da Aeronáutica preso na Espanha com 39 kg de cocaína, postou no Twitter a seguinte pérola: “No passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?”.

Um comentário espirituoso, sem dúvida, mas que não pegou bem devido ao cargo do aspirante a humorista. Aliás, Gleisi Hoffmann afirmou que vai processá-lo por comparar Lula e Dilma a droga: “O senhor fala dos outros aquilo que o senhor é: uma droga para a educação brasileira. Então, pode esperar que nós vamos processá-lo. Pelo que você falou de Lula e de Dilma, responderá em processo. Encaminharemos denúncia ao Ministério Público e ao Conselho de Ética da Presidência da República”, disse a presidente nacional do PT. É curioso o gosto dos petistas por questões judiciais, desde que não sejam eles os acusados, naturalmente. Enfim, segue o baile.

Na última terça-feira, depois que a 2ª Turma do STF decidiu não decidir e negar o pedido de liminar que visava soltar o petralha e mantê-lo em liberdade até que o mérito da ação que questiona a imparcialidade do então juiz Sérgio Moro no caso do tríplex seja apreciado. Assim, o paciente terá de ser paciente e aguardar em sua cela VIP a conclusão do julgamento. Em tese, isso nos dá um mês de descanso, embora os recessos judiciários do ano passado nos assombrem como os Fantasmas dos Natais Passados assombraram Ebenezer Scrooge em Um Conto de Natal, de Charles Dickens.

Para quem não se lembra, há um ano o desembargador-plantonista do TRF-4, atendendo a um pedido dos deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, determinou a imediata soltura de Lula, dando início a uma verdadeira guerra de liminares. Em dezembro foi a vez do ministro Marco Aurélio Mello causar frisson com a estapafúrdia liminar publicada minutos depois do almoço de confraternização de final de ano do Supremo, e que só não resultou na libertação de Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos pelas instâncias superiores porque foi prontamente cassada por Dias Toffoli, responsável pelo plantão da Corte durante o recesso.

Conforme eu mencionei no post anterior, existe o risco de a defesa de Lula repetir a dose agora em julho. Se assim for, caberá novamente a Toffoli botar água no chopp da petralhada, sob pena de cutucar a opinião pública com o pé e passar o resto da vida fugindo das mordidas. Oxalá a patuleia e os defensores incondicionais da autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil se conscientizem de que insistir no erro é burrice, porque de sobressaltos, más notícias, crises e assemelhados, nós estamos todos “por aqui” (registre-se que o articulista indica a altura da fronte).

Mudando de um ponto a outro, é curioso que se continue dando crédito ao material obtido criminosamente (hackeamento digital) e vazado seletivamente pelo Intercept, a despeito do viés nitidamente esquerdista do advogado e jornalista norte-americano Glenn Greenwald. que desde a criação da versão tupiniquim do site, em 2016, vem adotando uma linha editorial divorciada da isenção que se espera de um veículo de imprensa internacional, com publicações que servem apenas aos interesses dos partidos de esquerda.

David Miranda, cuja carreira política começou justamente quando o site em questão inaugurou sua versão brasileira e cujo patrimônio cresceu quase 400% desde então — é marido e braço-direito de Greenwald. Em 2013, ele ficou detido por nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres, sob a legislação antiterrorista, além de ter documentos ligados aos vazamentos de Snowden confiscados. Em 2016, elegeu-se vereador pelo PSOL, e em 2018 garantiu uma vaga de suplente de deputado federal, passando a titular quando Jean Wyllys abriu mão de seu terceiro mandato e se autoexilou na Espanha — supostamente devido a notícias do envolvimento de milicianos na morte da vereadora Marielle Franco, cuja demora na conclusão do inquérito vem dando margem às mais diversas teorias conspiratórias).

Abastecido por jornalistas freelancers, o Intercept engaveta reportagens que não estão de acordo com o alinhamento político de Greenwald, além de atacar grandes veículos de mídia brasileiros. Em 2016, o site deixou de publicar um artigo sobre a ocupação das escolas no Paraná porque o repórter havia conversado com jornalistas de uma emissora de TV — com a qual, no passado, Greenwald teve estreita relação — e incluíra no texto o ponto de vista deles. Dos 27 matérias publicadas entre os dias 1º e 13 de outubro de 2018 pelo Intercept, não houve uma linha que desabonasse o PT e o fantoche do ex-presidente presidiário, embora 5 artigos e 10 reportagens tenham feito a caveira do então candidato Jair Bolsonaro.

Fiel a seu objetivo maior, Greenwald segue divulgando seletivamente vazamentos sensacionalistas de trechos de um material obtido criminosamente e cuja autenticidade não foi comprovada pelas autoridades brasileiras. A despeito de conspurcar a imagem da imprensa isenta e prestar um desserviço ao tentar desacreditar a Lava-Jato e o combate à corrupção institucionalizada, o jornalista americano é endeusado pelos esquerdistas em geral e petistas em particular, bem como por políticos e corruptos de toda espécie. Até na mais alta cúpula do Judiciário, que há muito foi dividida em garantistas e punitivistas, o material espúrio tem produzido efeitos deletérios, haja vista a maneira como o togado supremo Gilmar Mendes se referiu, na última terça-feira, às denúncias feitas pelo Intercept.

Tirar da cartola soluções heterodoxas seria desnecessário se os nobres magistrados simplesmente cumprissem adequadamente suas funções. Lula continua preso, mas por muito pouco não conseguiu deixou o xilindró graças a mais essa manobra de Gilmar — que contou com a prestimosa colaboração de Ricardo Lewandowski, que seguiu prontamente o voto do colega. Gilmar deu a impressão de que trabalhava mais como advogado de defesa de Lula do que como julgador. Seus pares na 2ª Turma, que esperavam votar o habeas corpus e acabaram tendo de julgar uma liminar proposta no calor do momento. Demais disso, logo no início da sessão, foi também do ministro-deus a iniciativa de sugerir a libertação de Lula caso não fosse possível concluir os julgamentos do dia — estratégia logo assumida pela defesa do ex-presidente.

A sugestão de Gilmar, que é crítico ferrenho de Moro e da Operação Lava-Jato, além de encabeçar a lista dos ministros do STF com mais pedidos de impeachment, era conveniente para a defesa. Afinal, na melhor das hipóteses a liminar seria deferida e Lula estaria pronto para sair da cadeia; se a chicana não prosperasse — como de fato não prosperou — o HC continuaria vivo para ser julgado mais adiante, talvez sob o impacto de novas supostas conversas atribuídas a Sergio Moro e divulgadas pelo Intercept. Que algo assim fosse sugerido pela defesa seria de se esperar, mas não da parte de um dos julgadores. Chega a ser incompreensível; não há garantismo penal nem base regimental que expliquem essa postura.

Vale lembrar que não se trata de um fato inédito: em meados de 2018, uma chicana semelhante, prontamente acolhida por Dias Toffoli, resultou na soltura de José Dirceu (vencidos os votos de Edson Fachin e Celso de Mello). O ex-ministro de Lula e mentor intelectual do Mensalão, que foi condenado a mais de 30 anos de prisão, só voltou para o xadrez há pouco mais de um mês — antes desse episódio lamentável, ele havia ficado preso de agosto de 2015 a maio de 2017 e entre maio e junho de 2018.

À luz desses fatos, não fosse trágico, seria cômico o questionamento da lisura do ex-juiz Sérgio Moro. Mas esse é o retrato pronto e acabado do país em que vivemos. E cosi la nave va.

sábado, 26 de janeiro de 2019

BOLSONARO, FORO DE SÃO PAULO E OUTRAS HISTÓRIAS CABELUDAS



A gente brinca, mas a coisa é séria. Enfim, vamos por partes.

Através de uma postagem nas redes sociais, o presidente Bolsonaro relembrou a participação do PT e do Foro de São Paulo no colapso da ditadura de Nicolás Maduro. O Presidente resgatou um tuíte de 2013, publicado pelo perfil oficial do PT com a chamada “Foro de São Paulo faz reunião extraordinária em Caracas para apoiar Maduro”, escreveu: “Foro de SP consiste no grupo de países e grupos ideologicamente alinhados usando o dinheiro dos cidadãos para a manutenção de seus companheiros no poder em nome do chamam de Pátria Grande Bolivariana” e ao final acrescentou: “E ainda dizem que o Foro nunca existiu”.

Para quem não sabe ou não se lembra, o Foro de São Paulo foi criado nos anos 1990 por Fidel Castro e Lula — por ideia deste último, conforme ele próprio declarou em 2011 — a pretexto de construir uma América Comunista em oposição à América Capitalista. Por quase duas décadas, os jornais e supostos oposicionistas brasileiros esconderam sua existência, que foi denunciada publicamente em 1997 — e classificada de “teoria da conspiração”. De uns anos para cá, quando o Foro já tinha feito e desfeito governos em toda a América Latina, elegendo presidentes dos países do continente cerca de 15 membros da organização, seu nome começou a aparecer aqui e ali em reportagens, como se essa aberração fosse apenas uma entidade como outra qualquer.

Falando na esquerda neurótica e em aberrações, o deputado federal Jean Wyllys, do PSOL-RJ, decidiu abrir mão de seu terceiro mandato e deixar de vez o Brasil (se é por falta de adeus...). Em entrevista à Folha, o parlamentar disse que vive sob escolta policial desde o assassinato de Marielle Franco, e que ficou “apavorado” ao saber que o filho do presidente que sempre o difamou contratou para trabalhar em seu gabinete a esposa e a mãe do sicário. (referindo-se ao ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, um dos 13 alvos de uma operação deflagrada na última terça-feira pelo MP para prender suspeitos de chefiar milícias que atuam em comunidades como de Rio das Pedras e Muzema, na zona oeste do Rio).

Mudando de pato pra ganso, Jair Bolsonaro virá a São Paulo neste domingo e se internará no Hospital Albert Einstein para ser submetido à cirurgia que restabelecerá seu trânsito intestinal. Na véspera do seu retorno de Davos, um decreto assinado pelo vice-presidente passou a permitir que servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas imponham sigilo secreto e ultrassecreto a dados públicos — o texto antigo estabelecia que só tinham essa competência o presidente, vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas permanentes no exterior.

Em entrevista, Mourão afirmou que "o decreto única e exclusivamente diminui a burocracia na hora de você desqualificar alguns documentos sigilosos", negando que as alterações atentem contra a transparência e a liberdade de informação. Salvo melhor juízo, esse decreto é um retrocesso indesejável e injustificável. Mourão parece não ter se dado conta de que a Velhinha de Taubaté já morreu (para quem não sabe, trata-se de uma personagem criada por Luiz Fernando Veríssimo durante o governo do general Figueiredo, famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade de acreditar piamente em tudo que lhe era dito pelos presidentes militares.

Outra aberração que veio a público enquanto Bolsonaro estava em Davos, a decisão do Banco Central de excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras também causou espécie. As propostas fazem parte de uma atualização das normas que a autarquia impõe às instituições financeiras para combater a lavagem de dinheiro, mas a minuta de circular foi editada com as novas normas sem que fossem colhidas sugestões do novo Coaf e do Ministério Público.

O Coaf, é bom lembrar, ganhou relevância com a Lava-Jato e foi transferido do antigo Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, chefiado pelo ministro Sergio Moro — que, perguntado sobre o assunto em Davos, disse tratar-se apenas de uma “consulta pública”, não de uma decisão final (o BC vai receber sugestões de alterações ao texto até o dia 18 de março e pode acatá-las ou não na edição final da circular, prevista para 2020). Mas o fato é que Moro pareceu ter sido pego de surpresa, como comentou Ricardo Boechat no Café com Jornal desta sexta. A pergunta que não quer calar é: como é possível que uma instituição do governo Bolsonaro, no início do governo Bolsonaro, faça um negócio desses sem consultar seus superiores na hierarquia de Brasília?

Sobre o imbróglio Queiroz/Flávio Bolsonaro, novos desdobramentos complicaram ainda mais a situação do filho do Presidente. Sobre as especulações de que renunciaria ao mandato, Flávio disse ao SBT que isso jamais lhe passou pela cabeça, mas o pai presidente vem sofrendo pressão de militares do governo para isolá-lo, como forma de amenizar a repercussão das investigações sobre movimentações financeiras mal explicadas, às quais, como elas já não bastassem, ora se somam suspeitas de envolvimento com milicianos.

É inegável que uma caça às bruxas está em curso, mas contra fatos não há argumentos. Ao contrário dos petistas — que não veem provas contra Lula nem que elas lhes mordam a bunda —, os eleitores dos Bolsonaro (pai e filho) querem respostas.

Para não encompridar demais este texto, o resto fica para o post de amanhã.