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quarta-feira, 8 de maio de 2019

COISAS DO BRASIL



Jair Bolsonaro atribui sua vitória a Carluxo, que a credita a Olavo de Carvalho, quando na verdade ela se deveu a uma conjunção de fatores, dentre os quais o antipetismo, a facada de Adélio, a indignação popular contra o establishment e o apoio dos evangélicos, apenas para ficar nos principais.

A questão é que o capitão foi empossado há 16 semanas e ainda não começou a governar de fato — ao contrário do diligente príncipe herdeiro 02, que “vem se matando literalmente” para fazer Brasil dar certo, com milhares de tuítes disparados a partir da conta do pai. Com seu poderoso iPhone nas mãos, o pitbull palaciano provocou a demissão de Gustavo Bebianno, semeou a cizânia entre o Planalto e a presidência da Câmara, atacou duramente general Hamilton Mourão e, mais recentemente, passou a bater também no general Santos Cruz — dizem que por influência do guru do clã dos Bolsonaro, que puxa os cordéis lá da Virgínia (EUA) enquanto chupa alegremente seu cachimbo (não me pergunte o que ele coloca no fornilho).

Em março, Santos Cruz chamou o ex-astrólogo e autodeclarado filósofo de “desequilibrado” por criticar o vice-presidente e dizer que os militares do governo têm “mentalidade golpista”. Em resposta, Olavo disse que o general “simplesmente não presta.” Em abril, zero dois chancelou a indicação do empresário Fabio Wajn­garten para o comando da Secretaria de Comunicação, derrubando Floriano Amorim, com quem Santos Cruz mantinha um bom relacionamento. A troca produziu — e ainda produz — faísca no setor. 

O ex-comandante do Exército e assessor especial do Gabinete Institucional de Presidência, general Eduardo Villas Bôas, saiu em defesa do colega de Santos Cruz depois de Santos Cruz sido chamado de “merda” por Olavo de Carvalho, para quem "ninguém votou para ter um governo de generais tucanos". No meio do tiroteio, Bolsonaro, pusilânime, dá uma no cravo e outra na ferradura mas precisa mostrar sem rodeios com qual dos blocos se alinha. Ontem, em São Paulo, o filho Eduardo reputou “normais” as críticas feitas a militares aliados do presidente da República por ele próprio, pelo irmão Carluxo e, sobretudo, por Olavo de Carvalho.

Segundo o zero três, é natural que quem não esteja alinhado com o papai presidente fique sujeito a qualquer tipo de ataque. Também adepto à prática do “tiro ao general”, ele mirava em Mourão e em Santos Cruz, mas acertou Eduardo Villas Bôas — torpemente rebaixado pelo guru presidencial a “um doente numa cadeira de rodas” — e, por tabela, Augusto Heleno. Segundo Augusto Nunes, Villas Bôas teve uma participação fundamental na caminhada que o levou Bolsonaro ao Planalto, e ambos dividem segredos de tão grosso calibre que o capitão prefere levá-los para o túmulo. Por tudo isso e muito mais, o presidente precisa decidir se está com os atacantes ou com os agredidos.

Militares com cargos no primeiro escalão do governo disseram ao Estadão que estão apreensivos com a “falta de pulso” do chefe do Executivo para enquadrar seus filhos e seu guru, que a situação chegou “no limite” e que eles só não deixam o governo com receio do que pode acontecer no País (clique aqui para ler a matéria completa). Bolsonaro & Filhos depositam no "professor Olavo" um poder que, na prática, ele nunca teve, mas que lhe infla o ego e reforça a narrativa de constante combate contra “terríveis forças do mal”. Essa mentalidade tribal atende aos interesses de quem vive em campanha, não de quem precisa governar um país. O PT foi derrotado; Bolsonaro está no poder. Agora, a prioridade é outra, a pauta é outra. Mas os filhos do presidente parecem não se dar conta disso, e o próprio presidente às vezes demonstra o mesmo. 

Bolsonaro vem tentando minimizar as rusgas com o vice-presidente — visto pela prole real como potencial usurpador, embora o que ele tem feito seja apenas preencher as lacunas deixadas em aberto pelo menos preparado titular (vale lembrar que o poder abomina o vácuo). O clima é de bagunça geral, graças, sobretudo, aos pimpolhos de ouro, com destaque para o 02, que é o mais incisivo nos ataques. Enquanto isso — e talvez até por isso — a reforma previdenciária patina, a proposta anticrime e anticorrupção não avança (e como poderia avançar se não existe articulação política e o Congresso está infestado de corruptos?) e os índices de aprovação da atual gestão despencam, já que a população precisa de emprego, não de assistir impotente a templários travando uma batalha no Twitter. Isso me faz lembrar de um velho adágio dos marinheiros, segundo o qual “um comandante pilota o navio, mas dois comandantes afundam o navio”.

ObservaçãoO alto comando militar do governo fechou um acordo nesta terça-feira, 7, em almoço com o presidente, de não responder mais a Olavo de Carvalho. No entendimento dos participantes do encontro, a nota do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas foi suficiente para responder às provocações do escritor. E se o guru do presidente faz muito barulho nas redes sociais, não chega a afetar na prática o andamento do governo. 

A insatisfação com a postura dos filhos do presidente é crescente nos bastidores da direita, entre liberais e conservadores. Cada vez mais seus apoiadores se resumem a bolsomínions — seleta confraria de baba-ovos que agem tal e qual os militantes de esquerda, só que com o sinal trocado. Há até quem chegue a dizer que seria melhor termos o general Mourão como presidente, o que chega a ser espantoso, sobretudo porque muitos brasileiros votaram em Bolsonaro porque não queriam a volta da esquerda ao poder, a despeito do receio de, em elegendo o capitão, estariam abrindo as portas para a volta da ditadura militar. Curiosamente, é justamente o núcleo militar que menos problemas tem criado para o presidente. Coisas do Brasil, que há décadas avança aos trancos e barrancos, não graças a seus governantes, mas apesar deles.

Segundo Dora Kramer, este não é o primeiro e talvez não seja o último ignorante a ocupar a Presidência. O atual mandatário tampouco pode ser visto como pioneiro no exercício insolente da incultura. O que o diferencia de antecessores e de possíveis sucessores é a tendência a fazer as coisas para só depois ver como é que ficam. A questão é que o problema, com as consequências, é que elas vêm depois. Bolsonaro parece não saber como as coisas funcionam. Não sabia, por exemplo, que os árabes, donos de negócios bilionários com o Brasil, não podiam ser ofendidos impunemente. Ou que dos chineses depende boa parte do equilíbrio de nossa balança comercial. Pela cabeça do presidente não passava a evidência de que universidades fossem autônomas para decidir sobre a continuidade dos respectivos cursos, tampouco havia no chip dele a existência de uma lei que afasta as empresas estatais da alçada do Planalto.

Jair Bolsonaro, na condição de deputado do baixo clero, não sabia de muita coisa. Normal. Só que Jair Bolsonaro, como presidente da República, precisa saber de tudo. Entre outros motivos para não acabar como seu antípoda que alegadamente não sabia de nada. De tanto errar, provocar, e com isso abrir espaço para as questões das quais discorda, vai acabar mostrando e provando pela via do contraponto que o Brasil é um país mais plural, mais adepto à diversidade, mais moderno do que aquele que acredita governar. Por ignorância, arrisca surpreender-se.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

ZERO ZERO, ZERO DOIS E A GUERRA CIVIL NA VENEZUELA



Carlos Bolsonaro, dublê de pitbull palaciano e franco-atirador das redes sociais, tuitou que o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, exerceu com competência máxima sua incompetência na área de comunicação ao perder as chances claríssimas de trombetear o "bom trabalho" do seu pai, embora não tenha especificado quais feitos notáveis do presidente mereceriam um rufar de tambores. 

A exemplo de Mourão, Santos Cruz não é fã de carteirinha do polemista Olavo de Carvalho, guru do clã Bolsonaro e grande herói daquele que, ao incluir outro general no seu rol de alvos, deixou claro que o tiro ao general se tornou seu esporte predileto, enquanto seu papai presidente, ao permitir que o pimpolho ocupe todos os espaços da oposição, consolida sua inequívoca vocação para um esporte ainda mais radical: o tiro no próprio pé.

A frequência com que vem interferindo na administração de estatais e bancos públicos não só causa arrepios na equipe econômica como já garantiu ao presidente-capitão o apelido nada elogioso de “Dilmo”. Menos de uma semana depois de ordenar ao Banco do Brasil a suspensão de uma peça publicitária (que custou R$ 17 milhões) e demitir o diretor de marketing da instituição, o boquirroto, visando à redução dos juros para empréstimos ao setor rural, apelou publicamente “ao coração e ao patriotismo” do presidente da instituição, que, ao ser empossado no cargo, afirmou que o banco não voltaria a ser usado para baixar artificialmente os juros, como aconteceu no governo Dilma, cujo intervencionismo levou o país para o buraco.

Para desassossego de seu ministro e da equipe econômica, Bolsonaro vem se revelando um liberal de gogó. Ao repetir no Banco do Brasil o que tentou fazer na Petrobras, o capitão derrubou o valor das ações da instituição, justificou o apelido que recebeu dos parlamentares do centrão e demonstrou ser incapaz de aprender com os próprios erros, pois imaginava-se que a tentativa atabalhoada de controlar os preços do diesel na Petrobras a golpes de gogó lhe tivesse lhe ensinado que o órgão a ser governado nas empresas — estatais ou privadas— é a cabeça, e que não se melhora um balanço com o coração. E governante que demora a perceber algo tão trivial estimula o eleitor a acreditar que a República já não precisa de um presidente, mas de um médico-legista.

Enquanto escrevo este texto (no final da tarde de terça-feira, 30), o caldeirão ferve como nunca na Venezuela. Se as imagens transmitidas pela TV não são de uma guerra civil, então eu não sei o que seriam. Graças ao bolivarianismo tão admirado por Gleisi, Haddad e outros esquerdopatas, e insuflado com dinheiro do BNDES (nosso dinheiro, portanto) durante os governos de Lula, de sua imprestável pupila e sucessora e de seu "bando de maluco", o país vizinho chegou ao ponto que chegou, e só se salvará com a queda — ou o extermínio, que assim não fica dando despesa na prisão — do ditador sanguinário que se agarra ao poder como carrapato em lombo de boi. Que Maduro caia rápida e definitivamente, livrando a América Latina de mais essa aberração populista de esquerda.

O Planalto, que foi pego de surpresa pelos acontecimentos (pelo menos, foi essa a impressão que deu), afirmou que o desfecho do imbróglio depende do comportamento das Forças Armadas. A sensação de que a adesão a Guaidó poderia ser mais densa foi potencializada pelas imagens em que ele se exibia ao lado de militares fardados e de outro líder oposicionista, Leopoldo López, que estava em prisão domiciliar, sob forte vigilância, desde 2014, mas a repressão que veio na sequência, com a imagem chocante de um blindado atropelando manifestantes, levou o governo brasileiro a moderar seu entusiasmo.

Segundo Josias de Souza, a impressão que vigora no momento é a de que a crise mudou de patamar, pois um pedaço da estrutura militar migrou para o lado de Guaidó. Entretanto, o Planalto concluiu que a migração pode ter relevo apenas quantitativo. Em termos qualitativos, a cúpula militar se mantém leal a Maduro. Foi essa a principal avaliação feita durante reunião de emergência convocada por Jair Bolsonaro, na manhã de ontem, para analisar o recrudescimento da crise venezuelana.

O PT sustenta em nota oficial que não há ditadura na Venezuela — os blindados que atropelaram manifestantes nas ruas de Caracas decerto são fruto de um complô de cenas irreais com as lentes das câmeras. Aos esquerdopatas fanáticos, pouco importa que Maduro tenha sido reeleito em 2018 numa votação contestada e tisnada pelas fraudes, que o pleito foi antecipado e os principais opositores do regime, acomodados na cadeia. Para eles, o que houve foi uma "tentativa de golpe levada a cabo pela oposição da direita golpista e antichavista." A cúpula militar que segura Maduro no poder para salvar seus privilégios talvez seja fruto de alucinação coletiva.

Na avaliação imprestável dos seguidores da seita do inferno e postulantes do Lula-Livre, os golpistas "tentam há anos derrubar o governo democraticamente eleito do Partido Socialista Unido da Venezuela", mas fracassam por causa do "apoio que o partido e seu governo têm junto às pessoas, após anos de políticas voltadas ao bem-estar da população e contrárias à exploração imperialista e das elites locais." A miséria, a hiperinflação, os milhões de venezuelanos fugindo do país… Tudo isso é efeito especial produzido pelo império nos estúdios de Hollywood. 

A certa altura, a nota faz uma concessão à realidade, admitindo a existência de "problemas" na Venezuela. O texto não especifica as encrencas, mas apresenta a solução: basta "levantar o embargo econômico internacional de que o país e, principalmente, sua população, são vítimas." Para que a coisa funcione, o PT ensina que "é importante que as forças democráticas busquem o caminho do diálogo e levem em consideração a vontade expressa no voto popular." Diante dessa conjuntura, o PT precisa definir o que entende por "vontade popular". Refere-se aos anseios das urnas fraudadas ou ao desejo das ruas sublevadas e das legiões que fogem do inferno e buscam refúgio em países vizinhos?

Sem rumo, com seu principal líder na cadeia e com um inimigo no Planalto, o PT enfiou-se em algo muito parecido com um buraco. A legenda podia celebrar o fato de que, pelo menos, ainda não havia terra em cima. Mas a nota sobre a Venezuela revela a existência de um plano secreto do petismo: a organização do próprio funeral. Assinam a nota do PT quatro coveiros: a presidente Gleisi Hoffmann; os líderes Humberto Costa (Senado) e Paulo Pimenta (Câmara) e a secretária de Relações Internacionais Mônica Valente.

Para o deputado federal Rubens Bueno, membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e que é contra uma intervenção militar no país vizinho, o Brasil e a grande maioria das democracias do mundo vêm defendendo a saída de Maduro do poder. De acordo com o parlamentar, "Maduro insiste em manter sua ditadura, fraudou todas as últimas eleições, mergulhou o país na mais grave crise econômica de sua história e agora quer jogar o país em uma guerra civil. Nós reconhecemos a legitimidade de Guaidó para promover a retomada da democracia na Venezuela e repudiamos a postura de Maduro de atacar seu próprio povo. O que acontece hoje naquele país é uma revolta contra um governo déspota. Sempre defendemos uma saída negociada para a crise, com a convocação de novas eleições. Pelo que estamos assistindo, a população cansou de esperar. É lamentável que Maduro continue resistindo e levando o país a um caos generalizado". Há como discordar?

O líder da oposição e autoproclamado presidente interino da Venezuela fez um novo apelo para que as pessoas saiam às ruas para protestar neste feriado mundial de 1 de maio. Segundo Guaidó, hoje é a “fase definitiva da Operação Liberdade”. Vamos continuar acompanhado e torcendo para que Maduro, o tiranete de merda, seja devidamente despachado para o quinto dos infernos. E Lula lá.

terça-feira, 30 de abril de 2019

O BRASIL NÃO É PARA PRINCIPIANTES



A frase que intitula esta postagem é atribuída ao saudoso maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim — brasileiro até no nome —, mas eu vou mais além: governar este país é para poucos, e governá-lo bem, então, para muito poucos. Se Bolsonaro se enquadra nesta seleta confraria, bem, prefiro deixar o leitor tirar suas próprias conclusões. Vamos aos fatos.

Dentre outras coisa, o 38.º presidente do Brasil já nos deu a saber que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, embora tenha passado menos anos no Exército do que na política, para a qual entrou como vereador e se elegeu deputado federal sete vezes consecutivas. Ao longo de quase 30 anos de vida parlamentar, ele apresentou 172 projetos, relatou 73 e aprovou apenas dois, mas isso não vem ao caso. Na eleição de 2014, ao ver a calamidade em forma de gente derrotar o tucano corrupto, Bolsonaro resolveu disputar a Presidência — antes disso ele havia colocado seu nome à disposição do PP para concorrer com “a cara da direita”, mas foi ignorado pela própria legenda, que apoiou a campanha de Dilma. Durante a convenção partidária, lançou seu ultimato: “Ou o PP sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, o PP afundou de vez; graças a sua pregação antipetista, o hoje presidente se reelegeu como deputado mais votado do Rio de Janeiro, saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014.

No final de 2014, o hoje presidente rodou o país em carreatas, estampou camisetas e adesivos, posou para “selfies” com eleitores e ganhou um público jovem e ligado nas redes sociais — os “bolsomínions”, que são uma espécie de militantes petistas com o sinal político trocado. E o resto é história recente: com a população dividida em petistas-lulistas e antipetistas-antilulistas, o candidato de extrema direita obteve 55% dos votos válidos, derrotando a marionete de Lula por uma vantagem de quase 11 milhões de votos — que não vieram somente de bolsomínions, simpatizantes e admiradores, mas também de eleitores que não queriam (e continuam não querendo) ver o Brasil governado por um fantoche controlado remotamente por um presidiário. E isso com uma campanha espartana (que não usou o dinheiro do fundo partidário), feita por uma coligação raquítica e que dispunha de míseros 8 segundos de exposição diária no horário político obrigatório.

De estatista, o deputado-capitão passou a defensor da liberdade de mercado, selou pareceria com o economista liberal Paulo Guedes (seu Posto Ipiranga). Para compor a chapa como vice, convidou o senador Magno Malta, que errou feio ao declinar, pois não conseguiu se reeleger — mesmo com a maior verba partidária da sigla em seu estado, Malta obteve menos da metade dos 1.500 mil votos que esperava. A lista seguiu pelo general Augusto Heleno (que aceitou, mas não obteve sinal verde do PRP), pela advogada Janaína Paschoal (que recusou e acabou se elegendo a deputada estadual mais votada de São Paulo), pelo príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança (que foi desconvidado quando se divulgou que teria sido filmado agredindo um morador de rua), chegando afinal ao general da reserva Hamilton Mourão — aquele que defendeu numa loja maçônica em Brasília, em 2017, a intervenção militar no caso de o Judiciário não conseguir expurgar os corruptos da política nacional (voltaremos ao general mais adiante).

Bolsonaro começou a campanha liderando as pesquisas — atrás somente do ex-presidente presidiário, cuja candidatura nunca passou de uma quimera. Houve um consenso de que o capitão teria atingido o ápice da popularidade e que a tendência natural seria de desidratação, mas o cenário mudou com o atentado em Juiz de Fora, que quase lhe custou a vida. No segundo turno, debilitado por duas cirurgias, permaneceu recluso no condomínio na Barra da Tijuca (onde morava antes de se mudar para Brasília), mas continuou subindo nas pesquisas. Mesmo liberado pelos médicos, preferiu (sabiamente) não participar de debates — algo inédito no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil —, e mesmo entrincheirado em casa, com uma bolsa de colostomia presa ao abdome, defendendo-se e atacando através das redes sociais, alcançou a vitória mais improvável da história da democracia tupiniquim.

Para gáudio dos bolsomínions e apreensão dos que ajudaram a eleger o capitão por absoluta falta de opção, Bolsonaro vestiu a faixa e subiu a rampa do Palácio do Planalto sem tirar os pés do palanque. Seus primeiros 100 dias no cargo foram decepcionantes, sobretudo no que tange à reforma previdenciária (indispensável para o país e para a sustentabilidade do atual governo). Com o PT debilitado pela derrota, o presidente, três de seus filhos e alguns ministros de Estado pinçados lá do fundo baú da incompetência vem tomando para si a função da oposição, transformando o Planalto e se entorno numa usina de crises sem capacidade ociosa. O combustível da autossabotagem do governo é o caldeirão ideológico em que ele está mergulhado, no qual múltiplas correntes de direita se engalfinham por hegemonia e pelo controle da administração federal, ou setores dela. Seu lema: "se está ficando bom para todos, alguém precisa estragar algo".

O “caso Queiroz” é um bom exemplo — que ainda não produziu efeitos ainda mais deletérios porque novos fatos vêm se sobrepondo dia sim, outro também. Outro é a demissão de Gustavo Bebianno — o grande articulador da campanha do capitão — da secretaria-geral da Presidência, cuja permanência no governo se tornou insustentável depois de ter sido chamado publicamente de mentiroso pelo filho zero dois. Outro, ainda, remete ao “laranjal do PSL”, e haveria muitos mais, sem mencionar as estultices de um presidente que parece escolher os momentos mais impróprios para dizer o que não deve (haja vista a estúpida, despropositada e escandalosa queda de braço com o presidente da Câmara, que dificultou ainda mais a tramitação da PEC da Previdência).

Abril se despede e maio começa com um feriado prolongado no Congresso Nacional e um céu carrancudo, toldado pelas nuvens da indefinição. E as ingerências palacianas, como a que suspendeu o reajuste do preço do diesel a pretexto de evitar uma nova greve de caminhoneiros, e, mais recentemente, uma campanha publicitária do Banco do Brasil, não tem ajudado em nada, antes pelo contrário: há quem especule se não estaríamos numa situação melhor se o vice assumisse o comando desta nau de insensatos — o que não seria novidade, haja vista os governos de José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer, mas seria a ironia das ironias, na medida em que muita gente se preocupava com a possibilidade de a vitória do capitão ressuscitar a ditadura militar (aquela que hoje sabemos nunca ter existido no Brasil). Igualmente curioso é o fato de o presidente ter recheado seu ministério de generais, e estes serem os ministros que menos têm dado motivos para preocupação. Coisas do Brasil.

Para muitos analistas, a incompatibilidade entre Bolsonaro e o cargo de presidente, com combinada com a atuação deletéria de sua prole, responde pelo fiasco do governo em seus primeiros 100 dias. Sobre a crise da vez — que envolve o general Mourão e Carlos Bolsonaro (sempre ele, embora não somente ele) —, há que ter em conta que ministros podem ser exonerados, bastando para isso uma simples publicação no diário oficial, mas nem filhos nem vice-presidentes são passíveis de demissão

Talvez por isso o capitão e o general tentam passar a impressão de que vivem um casamento sólido, visitado apenas por desavenças ocasionais e amenas, próprias das uniões estáveis e felizes. “Esse casamento é até 2022, no mínimo”, disse Bolsonaro em café da manhã com a imprensa na quinta-feira 25, no Palácio do Planalto. “Continuamos dormindo na mesma cama. Só tem briga para saber quem vai arrumar a cozinha”, divertiu-se Bolsonaro. “Ou cortar a grama”, emendou Mourão. Por trás das alegres metáforas matrimoniais, porém, a realidade que se esconde nos bastidores mostra que, das crises políticas que o governo enfrentou até aqui, a mais grave é esta, com hostilidades entre o presidente e o vice, ainda que amenizadas em público, se mostram em franca ebulição no âmbito privado.

Para além de zero dois, o pivô de mais essa controvérsia é o autodeclarado “intelectual” Olavo de Carvalho, ex-astrólogo, esotérico e ultraconservador famoso não só pelas teorias delirantes que oferece em um curso virtual de filosofia, mas por ser uma espécie de guru do clã Bolsonaro e de eminência parda neste governo. Dentre outros prodígios, o "professor" foi responsável pela indicação dos ministros Eduardo Araújo, das Relações Exteriores (que “balança mas não cai”) e Ricardo Vélez, da Educação (que felizmente já caiu). É certo que, pela essência da pregação e pelo histrionismo do pregador, o guru de botequim e seus apóstolos (olavetes) mas cedo ou mais tarde voltarão para o ostracismo com certas curiosidades folclóricas de onde vieram. Mas as rusgas entre o presidente e o vice podem ensejar situações delicadas e produzir efeitos nefastos, sobretudo num governo instável, incerto, que claudica com sérias dificuldades.

As divergências entre zero dois e o vice vieram à tona quando Carluxo postou um vídeo na conta do pai no YouTube — pois é, a versão bolsonariana do “menino de ouro” de Lula é fiel depositário das senhas do papai e de outros integrantes do clã —, onde o guru araque desfia críticas impiedosas aos militares, mas que tem como alvo o general Mourão, a quem o proselitista já chamou de “adolescente desqualificado”. Bolsonaro pediu que o vídeo fosse retirado do ar, mas aí o estrago já estava feito: tinha sido aberta a temporada de ataques ao vice-presidente. 

Na saraivada de tuítes que se seguiu ao episódio, Mourão foi acusado de se opor às propostas do presidente, de se aliar a adversários, de se aproximar de empresários importantes, de bajular a mídia, de se apresentar como sensato e transigente — tudo isso, segundo zero dois, planejado para se viabilizar como alternativa de poder. Para piorar, a exemplo do que se deu no episódio Bebianno, o presidente endossa as críticas públicas que o filho tem feito ao general. Ele não concorda com tudo, mas acha que seu rebento está mirando no alvo certo.

Desde a postagem do vídeo, Mourão começou a desconfiar de que os ataques tinham o aval do presidente. Contrariado, disse que, se aquilo continuasse, não descartava a saída extrema de renunciar. No governo, afirmou o general, tudo o que tem feito é tentar ajudar o presidente, e não o contrário. Mas Bolsonaro parece estar convencido do oposto. 

Na terça-feira 23, durante a reunião do Conselho de Governo, alguém elogiou o presidente e declarou que ele vencera sozinho uma eleição difícil, sem a ajuda dos políticos. “Não, teve o Mourão comigo”, ironizou Bolsonaro. Semanas atrás, irritado com algo que não deixou muito claro aos interlocutores, o presidente voltou a censurar o vice: “O negócio é o seguinte: o Mourão é general lá no Exército. Aqui quem manda sou eu. Eu sou o presidente”. E tampouco freou os filhos. Ao contrário, Carluxo, depois do vídeo de Olavo de Carvalho, intensificou os ataques. Eduardo também entrou na roda, declarando que o Mourão enseja a desconfiança de que poderia almejar um cargo mais alto da República. “No começo eu ouvia esse papo e achava besteira. Agora, já não sei mais”, afirmou o pimpolho de número 3.

Em um governo tão sectário na política e na ideologia, o amplo leque de ações do vice-presidente soa como provocação — ou, o que é pior, como conspiração. E os petardos que mantêm o fogo alto costumam ser disparados por assessores que, às vezes mais realistas que o rei, apostam no confronto. Tanto que foi zero dois quem publicou o vídeo na conta do pai, e foi o coronel Itamar, que cuida da rede social do vice, quem curtiu um comentário da jornalista Rachel Sheherazade, do SBT, que enfureceu Carluxo.

Observação: Na postagem do último dia 22, eu comentei que o vice-líder do governo na Câmara, por influência do guru de meia pataca, apresentou um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, alegando “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e “conspiração para conseguir o cargo de Bolsonaro”. Um dos argumentos sustentados pelo congressista patarateiro é um like de Mourão na publicação em que a jornalista Rachel Sheherazade dirigiu elogios ao vice-presidente e críticas ao titular. O general classificou como “bobagem” o pedido de impeachment e afirmou que "se prosperar, ele volta para a praia". Quanto ao dublê de pensador e astrólogo, talvez fosse melhor ele voltar a fazer mapa astral, chupar seu cachimbo lá em Richmond, na Virgínia, e palpitar menos no governo tupiniquim. Todo mundo sairia ganhando.

Se Carlos Bolsonaro fosse mulher, teríamos um caso clássico de Complexo de Édipo. No afã de proteger o papai, o filhote-pitbull extrapola, exorbita e ultrapassa todos os limites, começando pelo do bom senso. Sua cisma com Mourão começou no ano passado, depois do atentado contra Bolsonaro, quando insinuou que a morte do pai interessaria ao general. De lá para cá, vire e mexe ele volta à carga.

No domingo de Páscoa, zero dois postou um vídeo em que o guru do clã ataca os militares; no dia seguinte, Mourão ironizou as críticas e disse que Olavo deveria focar o que entende — astrologia. Na sequência, o pimpolho mostrou que o general curtiu um post da jornalista que classificou o presidente de “vinagre” e o vice de “vinho”. Depois postou o convite de uma palestra nos Estados Unidos para a qual o Mourão foi convidado e insinuou que o general foi chamado com a missão de falar mal do governo; em outro post, escarneceu de uma fala de Mourão sobre a crise na Venezuela (o general disse que a população do país tinha de estar desarmada para evitar uma guerra civil — “uma pérola!”, ironizou zero dois). Na sequência, compartilhou um vídeo que fala de uma suposta articulação política do PRTB, partido de Mourão, para ter independência do governo, e, poucas horas depois, uma entrevista em que Mourão diz que não iria comentar a decisão da Justiça de reduzir a pena de Lula, e um comentário do vice criticando o processo de “despetização” promovido no governo pelo ministro Onyx Lorenzoni. No mesmo dia, criticado pela ofensiva, zero dois escreveu candidamente que não se trata de atacar o general, mas apenas de estabelecer os fatos. E por aí segue a procissão.

No café da manhã da última quinta-feira, presidente e vice sentaram-se lado a lado, em cena de harmonia. Fizeram questão de dizer que Carlos tem o direito de expressar sua opinião. Mourão chegou a comentar que o fato de Carlos ser filho do presidente não o obriga a ficar “de bico calado”. Mas é uma ingenuidade achar que a crítica de zero dois seja comparável à de qualquer político, ainda mais quando o dito-cujo teve papel fundamental na campanha e exerce influência indiscutível sobre o papai presidente.

Conflitos entre titular e vice permeiam a história desta república desde as mais priscas eras. O primeiro presidente do Brasil, marechal Deodoro da Fonseca, desconfiava de Floriano Peixoto, que assumiria seu lugar nove meses depois da posse. Café Filho conspirava contra Getúlio Vargas. João Goulart não dava trégua a Jânio Quadros. Na redemocratização, Itamar Franco voltou-se contra Collor e Dilma, vejam só, acreditava que Michel Temer era o vice mais discreto e servil com que um presidente poderia contar — e deu no que deu. 

Para evitar novas crises, há que lavar a roupa suja em casa. A nação agradece.

segunda-feira, 4 de março de 2019

SOBRE BOLSONARO PAI E A VOLTA DE BOLSONARO FILHO (ZERO DOIS)



Jair Bolsonaro foi eleito porque, no primeiro turno, nosso esclarecidíssimo eleitorado descartou 11 candidatos (que não valiam dois tostões de mel coado, verdade seja dita) e levou ao segundo turno os dois extremos (extremistas? extremados?) do espectro político-partidário. Como a perspectiva de um poste-fantoche controlado remotamente desde Curitiba se aboletar no Palácio do Planalto era muita desgraça para um só país, o jeito foi apoiar o deputado-capitão, que venceu por uma vantagem de quase 11 milhões de votos.

Eleger Bolsonaro foi só o primeiro passo. É preciso apoiá-lo e ao seu governo. Mas isso não significa aplaudi-lo de pé quando ele se deixa fotografar trajando uma camiseta pirata do Palmeiras e chinelos de dedo, ou quando dá respostas estapafúrdias a perguntas que sequer foram feitas — exemplo: na semana passada, “do nada”, ele disse poderia “suavizar” a reforma da Previdência, e causou uma queda de quase 2 pontos no Ibovespa.

Todos conhecemos as limitações do presidente. Todos sabemos que, durante os últimos 30 anos (ou quase isso), ele foi um obscuro deputado do baixo-clero, que economia não é o seu forte, que seus discursos não arrebatam e que algumas de suas ideias... não fascinam, para dizer o mínimo. Mas não é preciso ser um chef de cuisine para dizer se a sopa ficou salgada ou se o filé passou do ponto. 

O Brasil não é para principiantes, mas se a Dilma conseguiu ficar 5 anos 4 meses e 12 dias no Palácio do Planalto, Bolsonaro pode dar certo se aprender a ouvir e cercar de assessores qualificados. 

Infelizmente, tirando Paulo GuedesSérgio Moro e, com muito boa vontade, Onyx Lorenzoni e um ou outro ministro da “ala militar”, pouca coisa se aproveita. Isso sem mencionar o ministro da Educação, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (para que raios precisamos de uma pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos?), o ministro das Relações Exteriores e o do Turismo, que inexplicavelmente continua ministro, despeito de ser “chegado numa laranjada”. Dizem me Brasília que pau que bate em Chico bate em Francisco, mas sabe-se lá se as razões de foro íntimo que pavimentaram a exoneração de Bebianno se aplicam a Antônio.

Por outro lado, os que não gostam de Bolsonaro e torcem para que ele não complete os quatro anos de mandato previstos na lei estão inconsoláveis com a curta duração que os seus problemas têm tido até agora, com as crises que estão terminando rápido demais. Um dos melhores momentos nessa sucessão de problemas que queimam a largada teve como herói o filho do meio do presidente, que também atende por zero dois, Carluxo e pitbull do “paipai”

Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe: depois do bafafá que levou à exoneração de Gustavo Bebianno — com direito a mentiras, desmentidos, bate-bocas, versões sobrepondo-se a fatos e conversas pelo WhatsApp que não foram propriamente conversas, mas simples trocas de arquivos de áudio —, o “garoto” se escafedeu de mala e cuia, supostamente para reassumir as funções de edil na Cidade Maravilhosa, e levou a tiracolo o primo que, dizem as más-línguas, ele havia encarregado de ficar de olho no paipai

Mas, de novo, não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe: também segundo as más-línguas, no último dia 25 Carlos Bolsonaro teve pelo menos um compromisso com autoridades do governo na capital, além de falar com o próprio pai sobre a possibilidade de renunciar ao mandato de vereador no Rio e ficar definitivamente em Brasília... Céus e terras, tremei|!

Perguntado por Veja até quando a prole presidencial continuará se imiscuindo em assuntos do governo, o vice-presidente respondeu que a família do presidente é muito unida por tudo que enfrentou (referindo-se ao atentado contra a vida do então candidato, durante um ato de campanha em Juiz de Fora, em setembro do ano passado) e que a grande preocupação é “o governo se perder num emaranhado de questões menores”. “Agora que o pai está bem”, disse o general Mourão, “cada um dos filhos cuidará de suas atividades; se a partir de agora ocorresse algo distinto, aí seria o caso de eu conversar com ele”.

A hora é agora, general. Segue o baile.