Todos têm o direito a suas opiniões. É certo que
algumas não valem sequer o trabalho de lhes dar o devido
destino — que é a lata do lixo —, e que o fato de você, eu ou quem quer que
seja termos nossos pontos de vista não nos dá o direito de impô-los a
terceiros.
“
Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”. A dar por verdade o que informa o livro
They Never Said It: A Book of Fake Quotes, Misquotes, and Misleading Attributions,
Voltaire jamais proferiu essa célebre frase; ela teria sido criado pela escritora inglesa
Evelyn Beatrice Hall e expressa na biografia
The Friends of Voltaire, de 1906, para resumir o que o filósofo francês pensava sobre o
direito de livre expressão. Eu também penso assim, mas deixo claro que defenderei o seu direito de falar o que entender
até a
sua morte, não a minha.
Na última quarta-feira, diante do que acontecia na
Venezuela, próceres petistas do quilate
da deputada
Gleisi Hoffmann,
presidente nacional do partido, do senador
Humberto
Costa, do deputado
Paulo Pimenta
e da secretária de Relações Internacionais
Mônica
Valente assinaram uma
nota oficial afirmando que não há ditadura naquele país; o que há por lá é uma "
tentativa de golpe levada a cabo pela
oposição da direita golpista e antichavista".
Observação:
Como se os blindados que
atropelaram manifestantes nas ruas de Caracas fossem fruto da imaginação
coletiva ou de um efeito especial produzido nos estúdios de Hollywood. Para essas sumidades, o fato de Maduro ter
sido reeleito em 2018 numa votação contestada e tisnada pelas fraudes, o
pleito ter sido antecipado e os principais opositores do regime, despachados
para a prisão é uma questão de somenos.
Na abalizada opinião dos devotos da seita comandada pelo presidiário mais
famoso do Brasil, os golpistas tentam há anos derrubar o governo
democraticamente eleito do
Partido
Socialista Unido da Venezuela, mas fracassam por causa do apoio que
Maduro e seu governo têm junto às pessoas, após anos de políticas voltadas ao
bem-estar da população e contrárias à exploração imperialista e das elites
locais. Essa mesma caterva — ou parte dela — repudiou a decisão do
STF que reduziu a pena imposta a
Lula pelo
TRF-4 (de 12 anos e 1 mês para 8 anos, 10 meses 20 dias) e a cifra
de 31 milhões de reais a ser paga por ele, entre multa e reparação de danos, para menos
de um décimo do valor. Na visão dos esquerdopatas, a justiça só seria feita se o molusco abjeto fosse inocentado e libertado. Em nota, o comitê
Lula
Livre, montado para organizar a grita em favor do presidiário mais caro da história deste país, afirmou que “a única
deliberação cabível era a anulação do julgamento que condenou injustamente o
ex-presidente da República”, e que “de maneira combinada, fazendo vistas grossas aos fatos e às
provas”, os desembargadores da
5ª Turma decidiram se manter no terreno da perseguição
política”. Durma-se com um barulho desses!
Segundo a revista eletrônica Crusoé, se Lula conseguir a progressão do regime, ele e os seguidores da sua seita
diabólica vão sustentar a tese de que isso se deveu à pressão popular, e que ele teria ido para a cadeia por lutar pelos menos
favorecidos — e não porque, em três etapas diferentes, oito magistrados
acolheram a acusação de que a empreiteira OAS
reformou um apartamento de três pavimentos para o ex-presidente como compensação
por vantagens que obteve em negócios com o estado. O slogan “Lula livre” ganharia novos sentidos com
a mudança, por deixar a estrela petista um pouco mais perto da porta de saída
da cadeia e da volta à arena política, ainda que a sentença só permita que o salafrário volte a disputar eleições em 2035, quando, se ainda andar pelo mundo dos vivos, terá 89 anos. Aliás, na entrevista que concedeu à Mônica Bergamo, da Folha, e a Florestan Fernandes Júnior, do El País, sua insolência declarou que já viveu 73, anos que poderia ter morrido no lugar do neto Artur, de 7 anos. Pois é, nisso concordamos; foi pena que... enfim.
O petralha disse que dorme todas as noites com a consciência tranquila, reafirmou sua inocência e criticou seus julgadores, em especial o procurador federal Deltan Dallagnol e o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro. "Sei muito bem qual lugar que a história me reserva. E sei também quem estará na lixeira". Em outro trecho da entrevista, declarou que pode ficar preso cem anos (pelo visto, dentre outros desvarios o cara se acha eterno), mas "não trocará sua dignidade pela liberdade". Isso nos leva a perguntar de que dignidade estamos falando, ou por outra, que direito tem de falar em dignidade alguém que durante a
ditadura militar (aquela que agora sabemos jamais ter existido) não hesitou em dedurar companheiros em benefício próprio,
que como sindicalista conclamava o fim das greves após se reunir a portas
fechadas com os empresários, que como presidente deste arremedo de república se serviu do cargo para se locupletar, enganando, ludibriando e mentindo a mais
não poder, que institucionalizou a cleptocracia e comandou o maior esquema de
corrupção da história do Brasil, Dignidade, cara-pálida? Convenhamos que temos um Judiciário medíocre — aliás, onde já se viu presidiário dar entrevista? —, mas ainda não a ponto de considerar dignidade como crime passível de reclusão.
Ao comentar
a entrevista de Lula aos
jornais Folha de S. Paulo e El País, o jornalista,
William Waack disse que, mesmo depois de um ano preso e de ter tido amplo acesso à Justiça, o
ex-presidente continua repetindo o batido ramerrão de que é vítima de um complô das
elites. “É a história de sempre, de ser alvo de algum sujeito oculto que o
impede de, no final, cumprir sua missão quase messiânica de redentor do povo
brasileiro”, afirmou.
Waack também disse que, se ainda existir uma capacidade de oposição do
PT, ela está no Legislativo e não nas
ruas, onde o poder de mobilização do partido foi visivelmente reduzido. “A
figura de
Lula tem uma dimensão
trágica, ele foi eleito numa onda de popularidade que coincidiu com
um período na economia mundial de enorme prosperidade, o que provavelmente não
se repetirá nos próximos 40 anos, mas o que o lulopetismo conseguiu foi
entregar um país imerso na sua pior crise econômica e moral”.
Observação: No dia seguinte à redução da pena de Lula no STJ, o juiz federal Luiz
Antônio Bonat, atual responsável pelos casos da Lava-Jato em Curitiba, deu prazo de oito dias para que defesa e
acusação apresentem suas alegações finais nos recursos contra a condenação em
primeira instância de Lula no
processo do sítio em Atibaia, no qual o petralha foi condenado pela juíza
substituta Gabriela Hardt a 12 anos
e 11 meses de prisão. Com uma nova condenação em segunda instância, o réu não
poderia sequer pleitear a progressão para o regime semiaberto. A fábula da
pressão popular que fez o sistema lhe dar um pouco mais de liberdade cairia por terra, e o movimento “Lula livre” deixaria de ser um brado de que ele estaria se
preparando para voltar à arena política, para continuar a ser o slogan repetido
pela vigília montada nos arredores da Superintendência da PF em Curitiba. E, se entoado em debates políticos onde não
houvesse apenas militantes do PT,
sempre haverá o risco de alguém repetir o que disse o senador Cid Gomes no segundo turno da campanha do ano passado, quando foi vaiado ao pedir
mais reflexão aos petistas: “Lula está preso, babaca”.
Quando questionado sobre a corrupção petista, o
ex-presidente presidiário respondeu: “Ela (a
corrupção) pode ter havido”. Isso significa que, para ele, a condenação de
alguns dos principais dirigentes petistas (inclusive do próprio Lula), de vários tesoureiros do partido
e de diversos políticos que de uma forma ou de outra estavam ligados a governos
petistas não é suficiente para caracterizar a corrupção petista. É difícil
imaginar o que mais seria necessário para que o líder máximo do PT finalmente admitisse os crimes
cometidos por ele e seus correligionários — primeiro passo para provar sua regeneração.
Mas Lula ainda acha que é preciso
uma “prova” e que ele seja julgado “em função das provas”. É como se os oito
juízes que já o julgaram e o condenaram por unanimidade até agora, em três
instâncias judiciais, fossem todos despreparados ou, pior, mancomunados para
prejudicá-lo e, por extensão, aos pobres do País. Para Lula, aliás, a “farsa” de seu processo foi “montada no Departamento
de Justiça dos Estados Unidos”. Com o passar do tempo, a narrativa lulopetista
para as agruras do demiurgo de Garanhuns vai adquirindo contornos de fábula —
ainda mais quando diz que “combater
a corrupção é uma marca do PT”.
Lula tampouco
aceita fazer qualquer reflexão sobre seus erros e os do PT, que custaram o
isolamento do partido mesmo entre as esquerdas. Ao contrário: o único “erro
grave” que admite ter cometido foi o de não ter feito “a regulamentação dos
meios de comunicação” quando esteve no governo. Em português simples, se a
imprensa tivesse sido “regulada” —
um eufemismo nada sutil para censura e pressão —, o parteiro do Brasil Maravilha e sua gangue não
estariam sofrendo todos esses dissabores. Para Lula, é preciso “fazer uma autocrítica geral neste país”, em razão
“do que aconteceu em 2018 na eleição” —
ou seja, quem precisa refletir sobre seus erros é o eleitor brasileiro, e não o PT. “O que não pode é este país estar governado por
esse bando de maluco”,
disse aquele que legou ao Brasil um desastre chamado Dilma Rousseff, responsável por dois anos de recessão e pelo
colapso das contas públicas, e o mesmo que entregou o patrimônio nacional a
quadrilhas de corruptos e a empresários desonestos.
Lula e o PT ainda
são forças políticas consideráveis e poderiam ser importantes para a construção
de uma oposição forte e atuante — o que é essencial ao bom funcionamento da
democracia. Mas a irresponsabilidade e o espírito autoritário do lulopetismo
impedem que o ex-presidente e seus devotos aceitem a democracia quando esta não
lhes favorece, seja
na forma do voto na urna, seja na forma de uma condenação judicial, mesmo que, em ambos os casos, tenham
sido respeitados todos os trâmites
estabelecidos na lei. Ao mesmo tempo que diz respeitar “o voto do povo” e que
“o povo não é bom só quando vota em mim”, Lula
colocou a eleição em dúvida ao dizer que foi “atípica”, pela “quantidade de
mentiras” disseminadas pelos adversários —
como se os petistas não
usassem essas mesmas armas, desde sempre. Para Lula, que fez sua carreira dividindo o País entre “nós” e “eles”,
nunca se viu “o povo com tanto ódio nas ruas”. Assim, Lula
continua a apostar na polarização —
a mesma estratégia
da militância que
sustenta o presidente Bolsonaro. Ou
seja, os dois extremos ganham, enquanto o País perde.
Augusto Nunes pondera que, com o passar do tempo, a narrativa lulopetista para as agruras do demiurgo de Garanhuns vai adquirindo contornos de fábula. A entrevista do chefão petista — limitada pelo ministro Ricardo Lewandowski a dois veículos de comunicação — põe em dúvida a capacidade do sistema prisional de ressocializar os detentos. Mesmo depois de um ano na cadeia, o pseudo pai dos pobres deu todos os sinais de que continua o mesmo: além de não reconhecer os crimes que cometeu, julgando-se um preso político, não foi capaz de admitir sequer a participação da fina flor do lulopetismo nos maiores escândalos de corrupção da história brasileira, assim como não admitiu o envolvimento ativo do PT na ruína econômica, política e moral do País. Ou seja, é o Lula de sempre. Mas basta de falar nessa gentalha.
Voltando ao impasse na Venezuela,
comungo da opinião de Merval Pereira,
para quem o que está em jogo, agora, é a disputa entre Estados Unidos e Rússia.
A Rússia vai tentar manter Maduro no
poder porque não quer deixar um governo simpático aos Estados Unidos ser eleito;
os americanos vão continuar pressionando, usando todos os meios para depor o
tirante de merda do cargo. A disputa não está mais na mão de Maduro, nem de Guaidó. Mesmo que Maduro
vença este primeiro movimento para derrubá-lo e mantenha o poder dos militares,
como e com que dinheiro ele irá reerguer o país?
Encerro com uma publicação de Carlos Brickmann em sua coluna, sob o título “Quem ganha, quem perde”:
Guaidó,
apoiado por Brasil, Estados Unidos e todos os países próximos, ou Maduro, apoiado por Cuba, Rússia e
Bolívia? Para os venezuelanos, neste momento, tanto faz: se Maduro continua, mantém sua política
maluca, que conseguiu a façanha de transformar um dos maiores produtores
mundiais de petróleo num país onde falta tudo; se Guaidó o derruba, mesmo que melhore dramaticamente o desempenho do
Governo, levará bom tempo para reerguer a economia, e nesse tempo terá de
enfrentar a desconfiança da população, na qual despertou esperanças que em
curto prazo não serão satisfeitas. E o confronto, quem ganha?
Este colunista
não se atreve a fazer qualquer previsão: se Maduro se manteve até agora no poder, apesar da calamitosa
administração, é porque tem apoiadores fiéis; se Guaidó está solto, embora se tenha proclamado presidente da
República, é porque tem apoio suficiente para que Maduro não consiga prendê-lo. A qualquer momento pode ocorrer um
desfecho (ou não); não adiantaria sequer consultar uma lista de chefes
militares, porque, conforme evolui a situação, muda a posição de cada chefe. Em
1964, o presidente João Goulart
tinha a lealdade pétrea do general Amaury
Kruel, seu amigo de longa data; e foi Kruel,
em decisão de última hora, quem derrubou seu Governo (a notícia era tão
improvável que os jornais a confirmaram várias vezes antes de publicá-la). Quem
se diz aliado nem sempre o é. Na Venezuela, é melhor esperar mais para errar
menos.