No dia 27 do mês passado, o GG que não é o Gabriel
Gonçalves (*), em resposta ao
colunista do Globo e comentarista da
Jovem Pan Carlos Andreazza, anunciou via Twitter
e no programa Pânico que a revista Veja passaria a fazer parte do grupo de
veículos de comunicação que vêm divulgando (de maneira sensacionalista) o
material que (o site panfletário) The
Intercept Brasil obteve (de cibercriminosos) a pretexto de travar uma (pseudo) cruzada
moralizadora contra o ex-juiz Sérgio
Moro e a Lava-Jato.
(*) Em atenção
aos mais novos, trata-se de uma remissão ao comercial da loja de presentes GG — Gabriel Gonçalves, no qual o locutor,
em off, apregoava as ofertas da semana e perguntava: “É na Gabriel Gonçalves não é?”,
e então aparecia a faccia do Arthur Miranda e ouvia-se o bordão: “Evidentemente!”
“Interessante.
As capas deles são às vezes bonitas”, escreveu o jornalista
estadunidense especializado em destruir reputações e que
se orgulha de ser marido de um deputado brasileiro (David Miranda, do PSOL, que diz “amar mais do que tudo”), referindo-se à capa com a
estátua do ministro da Justiça “DESMORONANDO”.
Na edição que chegou às bancas na última sexta-feira, Veja — que sempre foi implacável com os
crimes cometidos por Lula e pelo PT, como comprovam dúzias de matérias
de capa publicadas ao longo das últimas décadas, sem mencionar a famosa entrevista
com Pedro Collor, em 1992, que foi decisiva para o
impeachment do ex-caçador de
marajás de araque —, parece ter
mesmo virado a casaca com uma desfaçatez digna de certo togado supremo.
Observação: Gilmar
Mendes, que foi um dos grandes defensores da prisão em
segunda instância em 2016, parece ter incorporado o caboclo laxante,
pois, a pretexto de travar uma cruzada contra as prisões preventivas alongadas
e outras arbitrariedades cometidas pela Lava-Jato,
vem concedendo habeas corpus por atacado. Segundo Luís Roberto Barroso, que há muito não se bica com Gilmar,
o motivo é outro. Nas palavras do ministro, “há no supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto sem
qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos (...) quando a
Justiça desvia dos amigos do poder, ela legitima o discurso de que as punições
são uma perseguição”.
O alvo da edição da última sexta-feira foi o desembargador João Pedro Gebran Neto, do TRF-4.
A reportagem, assinada por GG, é tão
grotesca que nem mereceu uma chamada na capa. Verdevaldo não está fazendo jornalismo, e sabe disso. De bobo, ele não
tem nada; mas está cheio de bobos caindo na sua conversa fiada. Ele está apenas
se servindo do produto de um furto — material de autenticidade duvidosa,
sujeito a manipulações e não devidamente escrutinado, como foi reconhecido por
um dos seus funcionários — para tentar tirar da cadeia o chefe de uma
organização criminosa e abrir caminho para a anulação de todas as condenações
obtidas pela maior operação contra a corrupção da história brasileira.
O vazamento das mensagens atribuídas aos procuradores da Lava-Jato — entre si e com o então juiz Sérgio Moro — não revelou até agora
nenhuma ato que distorcesse a investigação, que forjasse provas inexistentes,
que indicasse conluio contra qualquer investigado, muito menos o ex-presidente Lula, que é o principal foco as invasão
de celulares. Segundo Merval Pereira,
tudo se limita ao terreno pantanoso da hermenêutica, ou seja, da interpretação da leis. E com efeito: enquanto o Intercept carrega nas tintas
da alegada ilegalidade nas conversas, inúmeros juristas e advogados afirmam o
contrário.
O busílis da questão remente ao nosso processo penal, no qual o juiz que controla a investigação do Ministério Público e da polícia é o mesmo julga a ação. E dá-se o mesmo no STF, onde desaguam os processos envolvendo réus que têm direito a foro privilegiado. Basta relembrar o julgamento do mensalão do PT, onde o ministro hoje aposentado Joaquim Barbosa atuou como relator do processo que mais adiante julgaria juntamente com seus pares. No caso das forças-tarefa, a situação é ainda mais limítrofe, pois o juiz controla as investigações — embora não participe diretamente delas —, autorizando ou negando pedidos de quebra de sigilo, interceptações telefônicas e mandados de busca e apreensão, colhendo depoimentos e determinando prisões provisórias.
Para dar agilidade ao combate
contra os crimes financeiros, a Vara especial de Curitiba foi criada em 2003,
por recomendação do CNJ, e a Força-Tarefa da Lava-Jato, em 2014, por decisão da PGR. Quem a coordenou foi o procurador Deltan Dallagnol, que já trabalhara com o então juiz Moro anos antes, no caso Banestado, e passou a integrar a Lava-Jato por ocasião da
primeira denúncia contra o doleiro Alberto
Youssef.
Dallagnol e Moro se conhecem há quase 20 anos. Como nenhuma ação dos procuradores do MPF
ou da PF pode ser feita sem uma
autorização do juiz, a sinergia entre as diversas corporações que trabalham em
conjunto — Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal etc. — é que dá
sentido às forças-tarefas. As etapas das operações, assim como questões logísticas, exigências legais e formalização de atos tinham de ser autorizadas
por Moro, e por isso juiz e investigadores
tinham inevitavelmente de discutir a melhor hora para realizar esta ou
aquela ação, o embasamento de pedidos dos procuradores e da PF (prisão
preventiva, de quebra de sigilo etc.) e por aí afora.
O entendimento sobre essa sinergia — que agrega eficiência ao combate ao crime — é que está em discussão com a divulgação desses diálogos, que, nunca é demais lembrar, os supostos participantes não reconhecem como autênticos na sua integralidade. O cerne da questão está na maneira como o site Intercept vem divulgando o material que recebeu do hacker (ou dos hackers), pois a falta da integralidade impede a verificação da autenticidade do conteúdo. Demais disso, o site panfletário de GG seleciona a seu talante quais partes divulgar (fora de seu contexto integral) e, principalmente, quais não divulgar. O trabalho de edição é uma função jornalística, mas a recusa de Verdevaldo a dar acesso ao material, mesmo àqueles que participam da divulgação, carece de explicação razoável.
Traçando um paralelo com o Wikileaks, que divulgou documentos oficiais do governo dos Estados Unidos, o material foi distribuído a uma cadeia de jornais e revistas, e cada qual fez sua própria edição a partir de critérios próprios. No caso do Intercept, a última leva, com conversas de procuradores — entre si e com suas mulheres — sobre a formação de uma empresa para gerenciar palestras, se resume à revelação da intimidade das autoridades, sem que nada justifique a divulgação. A empresa não foi aberta e as palestras precisam ser autorizadas pelo CNJ. Pode-se até ver indícios de ganância dos procuradores, mas isso é uma questão moral, e não criminal. Talvez eles não devessem ter proposto a criação de um fundo, que eles geririam, com a indenização bilionária que a Petrobras teve que pagar aos Estados Unidos. Só que isso foi vetado.
Resta
saber como Dallagnol e seus pares se
explicarão a Raquel Dodge, mas isso é outra conversa.