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domingo, 24 de fevereiro de 2019

FORO ÍNTIMO — AINDA SOBRE O REBOSTEIO BEBIANNO/BOLSONARO



Eu havia pautado para hoje o primeiro capítulo de uma sequência sobre o todo poderoso ministro supremo Gilmar Mendes, que anda “desgostoso” (entre aspas para indicar a ironia associada ao termo neste contexto) com auditores da equipe especial de fraudes da Receita Federal. Todavia, considerando que a audiência despenca aos finais de semana, que o imbróglio Bebianno ainda não foi totalmente digerido — embora o Planalto tente dar o caso por encerrado — e que a coluna de Roberto Pompeu de Toledo em Veja desta semana está imperdível, resolvi alterar a pauta (note que o fato de eu dizer que a coluna está imperdível não significa necessariamente que concordo com tudo que o colunista diz). Sem mais delongas, vamos ao que interessa:

Falta presidente à Presidência Bolsonaro. Falta presidente para pôr ordem no governo, na bancada do Congresso, na família. E falta presidente para dar vida à figura do presidente. Deixar-se fotografar como um molambo, com camisa do Palmeiras sob o paletó e chinelos deixando aparecer os dedos dos pés, em cerimônia no Alvorada, é o de menos. Pior é a sôfrega implicância com que, nos áudios divulgados por VEJA, fustiga o então ministro Gustavo Bebianno. Nas gravações, extraídas de conversas pelo WhatsApp, o ministro é a voz serena e racional; o presidente, a da provocação ressentida.

O vídeo em que Bolsonaro anunciou a demissão de Bebianno começava assim: “Comunico que, desde a semana passada, diferentes pontos de vista sobre questões relevantes trouxeram a necessidade de uma reavaliação. Avalio que pode ter havido incompreensões e questões mal-entendidas de parte a parte, não sendo adequado prejulgamentos de qualquer natureza”. De que se falava? Parecia que se tinha entrado no cinema com o filme começado. Seguia-se um parágrafo de elogios à atuação de Bebianno e só no fim, em poucas palavras, quase escondida, a comunicação da demissão.

No episódio Bebianno o governo exibiu suas fragilidades por dentro e por fora. No vídeo, o amontoado de considerações sem sujeito nem tema definidos (“necessidade de uma reavaliação”, “questões mal-entendidas”, “julgamentos de qualquer natureza”) encobre um silêncio ensurdecedor. Por que mesmo o ministro foi defenestrado? O estopim da crise teria sido o caso das candidaturas-fantasma no partido do governo, um episódio em que cabe uma barretada de admiração aos obstinados corruptos brasileiros, pelo senso de oportunidade; como a lei exige dos partidos um mínimo de 30% de mulheres em suas listas de candidatos a deputado, eles preenchem a cota apenas para amealhar boladas do fundo eleitoral e desviá-las para seus próprios fins.

Bebianno, como presidente nacional do PSL, teria culpa pelas falcatruas na agremiação. Mas, se é assim, por que não demitir também o ministro do Turismo, o mineiro Marcelo Álvaro Antônio, cujas digitais aparecem muito mais nitidamente em iguais procedimentos no seu estado? Foi a pergunta que a repórter Delis Ortiz fez ao porta-voz do governo, Otávio Rêgo Barros. Sua resposta: “O nosso presidente, ele demandou o tempo necessário para a consecução de sua decisão em função de vários atores, várias ações. Natural que, pensando em nosso país, isso se faça de modo mais consensual e mais maturado possível”. Dessa vez nem era chegar atrasado ao cinema. Era topar com outro filme. Comprou-se ingresso para Cidadão Kane e apareceu na tela De Pernas pro Ar 2!

“O senhor está bem envenenado”, diz Bebianno a Bolsonaro, a certa altura das gravações. Em entrevista à rádio Jovem Pan, o ex-ministro daria o nome do envenenador: “O senhor Carlos Bolsonaro fez macumba psicológica na cabeça do pai”. Carlos é o Zero Dois do presidente. A questão é de “foro íntimo”, acabou soltando o porta-voz da Presidência, em desesperada tentativa de escapar de mais inquirições sobre a saída do ministro. O foro íntimo é um lugar que abriga questões cabeludas. No caso, pode incluir o episódio em que o pai emancipou o filho Carlos, aos 17 anos, para que pudesse concorrer à Câmara dos Vereadores do Rio e derrotar a mãe. (Esta, apesar de divorciada, insistia em apresentar-se como representante do ex-marido.) Ou o episódio em que o filho, no desfile da posse, se aboletou atrás do pai no Rolls-Royce para, armado, reforçar a equipe de segurança.

Aos cinquenta dias do governo, evidencia-se que os bolsobrothers são um caso sério, o mais sério para o bom andamento da administração. Carlos, segundo contou Bebianno na Jovem Pan, chorou em seu ombro — dele, o ministro agora vilipendiado — quando o pai sofreu o atentado em Juiz de Fora. Seis meses depois, o Zero Dois posta no Twitter: “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebianno que ontem teria falado três vezes com Jair Bolsonaro”, disparando o tirambaço que jogou Bebianno para fora da nau governamental. De fornecedor do ombro que substituiu o do pai na hora incerta, teria o ex-ministro virado o intruso que atrapalhava o acesso ao muito mais valioso ombro do pai? Eis-nos bem-arranjados, às vésperas da reforma da Previdência. Antes de pôr ordem na administração e na bancada, a família Bolsonaro precisaria pôr ordem em si mesma. Seria o caso de uma boa psicanálise. O diabo é que eles devem considerar a psicanálise um braço do marxismo cultural.

Como hoje é domingo e faltam poucos dias para o Carnaval, um pouco de descontração cai bem. Aliás, o país está numa merda que faz gosto, mas, diferentemente do que se viu nos últimos natais, no Carnaval a coisa muda. Mais do que causar espécie, essa idiossincrasia dos brasileiros reforça a impressão de que vivemos mesmo num país de merda (bom seria se fosse só impressão). Mas o aspecto que eu quero salientar é a pluralidade de acepções da palavra MERDA, que, a meu ver, é uma da mais ricas da língua portuguesa. Duvida? Então confira a seguir algumas de suas muitas aplicações:

1) Como indicação geográfica 1: Onde fica essa MERDA?
2) Como indicação geográfica 2: Vá a MERDA!
3) Como indicação geográfica 3: São 18h00; vou embora desta MERDA.
4) Como substantivo qualificativo: Você é um MERDA!
5) Como auxiliar quantitativo: Trabalho pra caramba e ganho uma MERDA!
6) Como indicador de especialização profissional: Ele só faz MERDA.
7) Como indicativo de MBA: Ele faz muita MERDA.
8) Como sinônimo de covarde: Seu MERDA!
9) Como questionamento dirigido: Fez MERDA, né?
10) Como indicador visual: Não se enxerga MERDA nenhuma!
11) Como elemento de indicação do caminho a ser percorrido: Por que você não vai a MERDA?
12) Como especulação de conhecimento e surpresa: Que MERDA é essa?
13) Como constatação da situação financeira de um indivíduo: Ele está na MERDA...
14) Como indicador de ressentimento natalino: Não ganhei MERDA nenhuma!
15) Como indicador de admiração ou de rejeição: PUTA MERDA!
16) Como indicador de espécie: O que esse MERDA pensa que é?
17) Como indicador de continuidade: Tô na mesma MERDA de sempre.
18) Como indicador de desordem: Tá tudo uma MERDA!
19) Como constatação científica dos resultados da alquimia: Tudo que ele toca vira MERDA!
20) Como resultado aplicativo: Deu MERDA.
21) Como indicador de performance esportiva: O Palmeiras não está jogando MERDA nenhuma!
22) Como constatação negativa: Que MERDA!
23) Como classificação literária: Eita texto de MERDA!
24) Como situação de “soberba/jactância”: Ela se acha e não tem MERDA NENHUMA!
25) Como indicativo de ocupação: O fato de você ter lido até aqui mostra que não está fazendo MERDA nenhuma.

Bom domingo a todos.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

SOBRE O GOVERNO, ÁTILA E O ALZHEIMER DA MÍDIA



Antes da matéria do dia, uma notícia que eu reputo importante: Segundo a Folha publicou em seu site no início da tarde de ontem, o ex-atleta Fabio Guerra confirmou que deu cerca de R$ 100 mil em dinheiro a Flávio Bolsonaro, como parte do pagamento pela compra de um apartamento. Essa informação corrobora o que o senador eleito disse nas entrevistas que deu à Record e à Rede TV na noite do último domingo, mas, na noite de ontem, o Jornal Nacional noticiou que as datas não batem. Um detalhe interessante: segundo o blog PODER 247, tocado pelo "cumpanhêro" Leonardo Atuch ─ que se declara "independente", mas, como a maioria dos blogs financiados pelo PT e seus satélites, vive em um mundo fantasioso onde o presidente do Brasil, que foi eleito legitimamente pelas vias democráticas, é o líder de um “regime”, enquanto o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela, é o chefe de um “governo─, a Globo está cada vez mais distante do “governo de extrema-direita”, enquanto a Record e o SBT tornaram-se as “emissoras extraoficiais do novo regime”.  Volto oportunamente com mais detalhes.

Sob o título “NEM ÁTILA”, o jornalista J.R. Guzzo publicou mais uma pérola em sua coluna em Veja, que ultimamente vem atacando o governo Bolsonaro da primeira à última página. O texto de Guzzo quebrou essa hegemonia, interrompendo o tiroteio na penúltima página (a coluna do jornalista é publicada na última, que ele ocupa semana sim, semana não, alternando com Roberto Pompeu de Toledo). Na edição da semana passada, porém, os ataques começaram logo na capa, que exibiu uma montagem feita a partir da foto clássica de Jânio Quadros com os pés trocados (vide a ilustração desta postagem), que valeu a Erno Schneider o Prêmio Esso de Jornalismo em 1962. Mas passemos sem mais delongas ao que interessa, pois o tempo ruge e a Sapucaí é grande.

É realmente uma canseira, mas não tem outro jeito. A cada vez que você vai escrever ou falar alguma coisa sobre a imprensa no Brasil, é preciso explicar direitinho, se possível com desenho e quadro-negro, que o autor não é repetindo: não é, de jeito nenhum, nem pensem numa coisa dessas contra a liberdade de imprensa. Não está pedindo a volta da censura, mesmo porque seria legalmente impossível. Não quer a formação de uma polícia para fazer o “controle social dos meios de comunicação”. Não está “a favor dos militares e contra os jornalistas”. Não acha, pelo amor de Deus, que é preciso fechar nenhum jornal, revista, rádio, televisão, folheto de grêmio estudantil ou seja o que for. Não lhe passa pela cabeça sugerir aos donos de veículos e aos jornalistas que publiquem isso ou deixem de publicar aquilo; escrevam em grego, se quiserem, e tenham toda a sorte do mundo para encontrar quem leia. Com tudo isso bem esclarecido, então, quem sabe se possa dizer que talvez haja um ou outro probleminha com a imprensa brasileira de hoje. Um deles é que a mídia está começando a revelar sintomas de Alzheimer ou de alguma outra forma de demência ainda mal diagnosticada pela psiquiatria.

É chato lembrar esse tipo de coisa, mas também não adianta fazer de conta que está tudo bem quando dizem para você dia e noite, 100 mil vezes em seguida, que o novo governo brasileiro provou ser o pior que a humanidade já teve desde Átila, o Huno. Não faz nexo. Até Átila precisaria de mais de duas semanas de governo para mostrar toda a sua ruindade e olhem que ele foi acusado de comer carne humana e andava cercado de lobos, em vez de cachorros, sendo que nenhum dos seus lobos era bobo o suficiente para chegar perto do dono quando sentiam que o homem não estava de muito bom humor naquele dia. Além disso, errar em tudo é tão difícil quanto acertar em tudo. Talvez fosse mais racional, então, recuar para uma antiga regra da lógica: as ações devem ser julgadas pelos resultados concretos que obtêm, e não por aquilo que você acha delas. Um governo só pode ser avaliado depois de se constatar se as coisas melhoraram ou pioraram em consequência das decisões que colocou em prática. O número de homicídios, por exemplo aumentou ou diminuiu depois de doze meses? A inflação está em 2% ou em 20%? O desemprego caiu ou subiu? E por aí vamos.

Mas essa lógica não existe no Brasil de hoje. Está tudo errado, 100% errado, porque é assim que decretam os estados de alma dos proprietários dos veículos e dos jornalistas que empregam e não porque mediram algum resultado concreto. Ou seja: ainda não aconteceu, mas o governo já errou. A condenação começou no dia da posse de Bolsonaro e dali até hoje não parou mais. Os jornalistas, denunciou-se já nos primeiros minutos, não receberam instalações à altura da sua importância para a sociedade. Donald Trump não veio. O discurso de estreia foi ruim embora não tivessem publicado uma sílaba de algum discurso presidencial anterior, para que se pudesse fazer uma comparação. Há generais em excesso no governo e qual seria o número ideal de generais no governo? As médias das administrações de Sarney para cá? A média mundial? O que é pior: o general A, B ou C ou os ministros Geddel, Palocci ou Erenice? Há poucos nordestinos. O ministro do Ambiente acha que esgotos, por exemplo, ou coleta de lixo, são problemas ambientais sérios. Conclusão: ele vai abandonar a Amazônia para os destruidores de florestas.

Como o doente que repete sem parar a mesma coisa, não consegue descrever o que vê pela janela, e esquece tudo o que lhe foi demonstrado 1 minuto atrás, a imprensa travou. A prisão do terrorista Cesare Battisti foi uma “derrota” para Bolsonaro; imaginava-se que teria sido uma derrota para Battisti, mas a mídia quer que você ache o contrário. O acesso à armas de fogo para que um cidadão (só aquele que queira), tenha a chance de exercer o direito de legítima defesa antes de ser assassinado, vai desencadear uma onda de homicídios jamais vista na história. Como as armas de fogo são caras, denuncia–se que a medida é “pró-elites”. E se vierem a baixar de preço? Passarão a ser melhores?

Quando alguém começa a escrever coisas assim, e faz isso o tempo todo, é porque parou de pensar; o cérebro não está mais ligando lé com cré. É um problema. Os leitores, cada vez mais, estão percebendo que a imprensa é inútil. Não só eles. No dia em que o governo descobrir que não precisa mais prestar atenção à mídia, vai ver que está perdendo uma montanha de tempo à toa.

Dá para discordar?