Eu havia pautado para hoje o primeiro capítulo de uma sequência
sobre o todo poderoso ministro supremo Gilmar
Mendes, que anda “desgostoso” (entre aspas para indicar a ironia associada
ao termo neste contexto) com auditores da equipe especial de fraudes da Receita Federal. Todavia, considerando
que a audiência despenca aos finais de semana, que o imbróglio Bebianno ainda não foi totalmente
digerido — embora o Planalto tente dar o caso por encerrado — e que a coluna de
Roberto Pompeu de Toledo em Veja desta
semana está imperdível, resolvi alterar a pauta (note que o fato de eu dizer
que a coluna está imperdível não significa necessariamente que concordo com
tudo que o colunista diz). Sem mais delongas, vamos ao que interessa:
Falta presidente à
Presidência Bolsonaro. Falta
presidente para pôr ordem no governo, na bancada do Congresso, na família. E
falta presidente para dar vida à figura do presidente. Deixar-se fotografar
como um molambo, com camisa do Palmeiras sob o paletó e chinelos deixando
aparecer os dedos dos pés, em cerimônia no Alvorada, é o de menos. Pior é a
sôfrega implicância com que, nos áudios divulgados por VEJA, fustiga o então ministro Gustavo Bebianno. Nas gravações,
extraídas de conversas pelo WhatsApp,
o ministro é a voz serena e racional; o presidente, a da provocação ressentida.
O vídeo em que Bolsonaro anunciou a demissão de Bebianno começava assim: “Comunico que,
desde a semana passada, diferentes pontos de vista sobre questões relevantes
trouxeram a necessidade de uma reavaliação. Avalio que pode ter havido
incompreensões e questões mal-entendidas de parte a parte, não sendo adequado
prejulgamentos de qualquer natureza”. De que se falava? Parecia que se tinha
entrado no cinema com o filme começado. Seguia-se um parágrafo de elogios à
atuação de Bebianno e só no fim, em
poucas palavras, quase escondida, a comunicação da demissão.
No episódio Bebianno o governo exibiu suas
fragilidades por dentro e por fora. No vídeo, o amontoado de considerações sem
sujeito nem tema definidos (“necessidade de uma reavaliação”, “questões
mal-entendidas”, “julgamentos de qualquer natureza”) encobre um silêncio
ensurdecedor. Por que mesmo o ministro foi defenestrado? O estopim da crise
teria sido o caso das candidaturas-fantasma no partido do governo, um episódio
em que cabe uma barretada de admiração aos obstinados corruptos brasileiros,
pelo senso de oportunidade; como a lei exige dos partidos um mínimo de 30% de
mulheres em suas listas de candidatos a deputado, eles preenchem a cota apenas
para amealhar boladas do fundo eleitoral e desviá-las para seus próprios fins.
Bebianno, como presidente
nacional do PSL, teria culpa pelas
falcatruas na agremiação. Mas, se é assim, por que não demitir também o
ministro do Turismo, o mineiro Marcelo
Álvaro Antônio, cujas digitais aparecem muito mais nitidamente em iguais
procedimentos no seu estado? Foi a pergunta que a repórter Delis Ortiz fez ao porta-voz do governo, Otávio Rêgo Barros. Sua resposta: “O nosso presidente, ele demandou
o tempo necessário para a consecução de sua decisão em função de vários atores,
várias ações. Natural que, pensando em nosso país, isso se faça de modo mais
consensual e mais maturado possível”. Dessa vez nem era chegar atrasado ao
cinema. Era topar com outro filme. Comprou-se ingresso para Cidadão Kane e apareceu na tela De Pernas pro Ar 2!
“O senhor está bem
envenenado”, diz Bebianno a Bolsonaro, a certa altura das
gravações. Em entrevista à rádio Jovem
Pan, o ex-ministro daria o nome do envenenador: “O senhor Carlos Bolsonaro fez macumba
psicológica na cabeça do pai”. Carlos
é o Zero Dois do presidente. A questão é de “foro íntimo”, acabou soltando o
porta-voz da Presidência, em desesperada tentativa de escapar de mais
inquirições sobre a saída do ministro. O foro íntimo é um lugar que abriga
questões cabeludas. No caso, pode incluir o episódio em que o pai emancipou o
filho Carlos, aos 17 anos, para que pudesse concorrer à Câmara dos Vereadores
do Rio e derrotar a mãe. (Esta, apesar de divorciada, insistia em apresentar-se
como representante do ex-marido.) Ou o episódio em que o filho, no desfile da
posse, se aboletou atrás do pai no Rolls-Royce para, armado, reforçar a equipe
de segurança.
Aos cinquenta dias do
governo, evidencia-se que os bolsobrothers
são um caso sério, o mais sério para o bom andamento da administração. Carlos, segundo contou Bebianno na Jovem Pan, chorou em seu ombro — dele, o ministro agora
vilipendiado — quando o pai sofreu o atentado em Juiz de Fora. Seis meses
depois, o Zero Dois posta no Twitter: “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebianno que ontem teria falado três vezes com Jair Bolsonaro”, disparando o tirambaço que jogou Bebianno para
fora da nau governamental. De fornecedor do ombro que substituiu o do pai na
hora incerta, teria o ex-ministro virado o intruso que atrapalhava o acesso ao
muito mais valioso ombro do pai? Eis-nos bem-arranjados, às vésperas da reforma
da Previdência. Antes de pôr ordem na administração e na bancada, a família Bolsonaro precisaria pôr ordem em si
mesma. Seria o caso de uma boa psicanálise. O diabo é que eles devem considerar
a psicanálise um braço do marxismo cultural.
Como hoje é domingo e faltam poucos dias para o Carnaval, um pouco de descontração cai bem. Aliás, o país está numa merda que faz gosto, mas, diferentemente do que se viu nos últimos natais, no Carnaval a coisa muda. Mais do que causar espécie, essa idiossincrasia dos brasileiros reforça a impressão de que vivemos mesmo num país de merda (bom seria se fosse só impressão). Mas o aspecto que eu quero salientar é a pluralidade de acepções da palavra MERDA, que, a meu ver, é uma da mais ricas da língua portuguesa. Duvida? Então confira a seguir algumas de suas muitas aplicações:
1) Como indicação geográfica 1: Onde fica essa MERDA?
2) Como indicação geográfica 2: Vá a MERDA!
3) Como indicação geográfica 3: São 18h00; vou embora desta MERDA.
4) Como substantivo qualificativo: Você é um MERDA!
5) Como auxiliar quantitativo: Trabalho pra caramba e ganho uma MERDA!
6) Como indicador de especialização profissional: Ele só faz MERDA.
Como hoje é domingo e faltam poucos dias para o Carnaval, um pouco de descontração cai bem. Aliás, o país está numa merda que faz gosto, mas, diferentemente do que se viu nos últimos natais, no Carnaval a coisa muda. Mais do que causar espécie, essa idiossincrasia dos brasileiros reforça a impressão de que vivemos mesmo num país de merda (bom seria se fosse só impressão). Mas o aspecto que eu quero salientar é a pluralidade de acepções da palavra MERDA, que, a meu ver, é uma da mais ricas da língua portuguesa. Duvida? Então confira a seguir algumas de suas muitas aplicações:
2) Como indicação geográfica 2: Vá a MERDA!
3) Como indicação geográfica 3: São 18h00; vou embora desta MERDA.
4) Como substantivo qualificativo: Você é um MERDA!
5) Como auxiliar quantitativo: Trabalho pra caramba e ganho uma MERDA!
6) Como indicador de especialização profissional: Ele só faz MERDA.
7) Como indicativo de MBA: Ele faz muita MERDA.
8) Como sinônimo de covarde: Seu MERDA!
9) Como questionamento dirigido: Fez MERDA, né?
10) Como indicador visual: Não se enxerga MERDA nenhuma!
11) Como elemento de indicação do caminho a ser percorrido: Por que você não vai a MERDA?
12) Como especulação de conhecimento e surpresa: Que MERDA é essa?
13) Como constatação da situação financeira de um indivíduo: Ele está na MERDA...
14) Como indicador de ressentimento natalino: Não ganhei MERDA nenhuma!
15) Como indicador de admiração ou de rejeição: PUTA MERDA!
16) Como indicador de espécie: O que esse MERDA pensa que é?
17) Como indicador de continuidade: Tô na mesma MERDA de sempre.
18) Como indicador de desordem: Tá tudo uma MERDA!
19) Como constatação científica dos resultados da alquimia: Tudo que ele toca vira MERDA!
20) Como resultado aplicativo: Deu MERDA.
21) Como indicador de performance esportiva: O Palmeiras não está jogando MERDA nenhuma!
22) Como constatação negativa: Que MERDA!
23) Como classificação literária: Eita texto de MERDA!
24) Como situação de “soberba/jactância”: Ela se acha e não tem MERDA NENHUMA!
25) Como indicativo de ocupação: O fato de você ter lido até aqui mostra que não está fazendo MERDA nenhuma.
8) Como sinônimo de covarde: Seu MERDA!
9) Como questionamento dirigido: Fez MERDA, né?
10) Como indicador visual: Não se enxerga MERDA nenhuma!
11) Como elemento de indicação do caminho a ser percorrido: Por que você não vai a MERDA?
12) Como especulação de conhecimento e surpresa: Que MERDA é essa?
13) Como constatação da situação financeira de um indivíduo: Ele está na MERDA...
14) Como indicador de ressentimento natalino: Não ganhei MERDA nenhuma!
15) Como indicador de admiração ou de rejeição: PUTA MERDA!
16) Como indicador de espécie: O que esse MERDA pensa que é?
17) Como indicador de continuidade: Tô na mesma MERDA de sempre.
18) Como indicador de desordem: Tá tudo uma MERDA!
19) Como constatação científica dos resultados da alquimia: Tudo que ele toca vira MERDA!
20) Como resultado aplicativo: Deu MERDA.
21) Como indicador de performance esportiva: O Palmeiras não está jogando MERDA nenhuma!
22) Como constatação negativa: Que MERDA!
23) Como classificação literária: Eita texto de MERDA!
24) Como situação de “soberba/jactância”: Ela se acha e não tem MERDA NENHUMA!
25) Como indicativo de ocupação: O fato de você ter lido até aqui mostra que não está fazendo MERDA nenhuma.
Bom domingo a todos.