Certa vez, perguntaram a Albert Einstein se ele andava com um bloquinho e uma caneta para
anotar suas ideias. Einstein estranhou a pergunta.
– Na verdade, só tive uma ideia na vida — respondeu.
Uma única boa ideia ao longo de uma existência, afinal, é
uma enorme conquista. Já tive milhares de ideias. Nenhuma foi boa. Pior, minha
inveja de quem é cheio delas e tem a autoconfiança necessária para levá-las a
cabo se expressa na forma de críticas e previsões absolutamente equivocadas. Quando
conheci o Instagram, fui taxativo:
– Besteira. Vão fotografar o quê? O prato do almoço? Ora,
por favor, que bobagem.
Deu no que deu.
A primeira vez que ouvi o rumor que Trump seria candidato ao mais alto cargo dos Estados Unidos, dei
uma boa gargalhada. Que o sujeito era arrogante e egocêntrico já sabíamos, mas
imaginar que teria apoio para se eleger, que conseguiria seduzir os eleitores,
que driblaria o labirinto das convenções, aí já era demais.
– Besteira. Não ganha nem com reza brava. — profetizei.
Deu no que deu.
Veio o presidente Messias.
Assisti ao anúncio de sua candidatura com descrença pueril.
– Besteira. Era só o que faltava esse sujeito achar que pode
ser presidente.
Deu no que deu.
A verdade é que o mundo tem provado que não entendo
patavinas de nada. De aplicativo a presidente, os projetos e as intenções que
me soam mais absurdos têm se provado consistentemente aceitáveis, factíveis e
realizáveis.
Agora me aparecem com a teoria da terra plana. Quando
assisti pela primeira vez a um maluco no YouTube explicando que o planeta não é
esférico, reagi como sempre:
– Besteira.
Mas o tempo vai passando e mais gente vai aderindo. Uns
deputados do Mato Grosso chegaram a homenagear um “cientista” brasileiro que
alegou ter comprovado a teoria.
Acreditar na terra plana não é o mesmo que apostar numa
ideia qualquer, dessas que surgem por aí. É desacreditar da física e da
gravidade. É negar técnicas de navegação que diariamente levam milhares de
aeronaves de um ponto ao outro do planeta. É não aceitar o funcionamento básico
dos GPS, das ondas eletromagnéticas e do celular. Por isso, assisti a um
documentário do Discovery Channel dedicado a comprovar que a terra é redonda. A
que ponto chegamos.
Os ignorantes não sabem que não sabem de nada, por isso se
cobrem de toda a razão. E como são maioria, quando assumem o poder impõem sua
negação do conhecimento como verdade absoluta.
Essa ignorância hegemônica se
espalha. Líderes se elegem apoiados pelas mais primitivas crenças e,
em nome da democracia, dão voz e poder ao mais vil obscurantismo. Com isso,
conchavos e decisões são apoiados não mais em má-fé, mas em burrice.
A terra plana de Brasília expõe uma lamentável salada de
técnicos competentes e ignorantes funcionais. Como um vírus adaptável, vamos
nos acostumando com decisões primárias evidentemente equivocadas. São escolhas
que misturam religião com política, conservadorismo arraigado e argumentos
fracos impostos por grupos poderosos. Por isso, é emblemática a triste decisão
do ministro da Justiça ao voltar atrás em sua indicação de Ilona Szabó de Carvalho para uma vaga na suplência do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
A ignorância, com poder, forma e deforma nosso futuro. Ignorantes no poder impõem a negação do conhecimento como
verdade absoluta. Na terra plana de Brasília, política e religião se misturam,
enquanto nos acostumamos com decisões primárias equivocadas.
E aí, dá no que deu.
Texto de Mentor Neto.