Antes de reproduzir um texto lapidar de Merval Pereira, torno a relembrar que o presidente Jair Bolsonaro, como na fábula do Velho, do menino e do burro,
foi, é e será criticado por tudo que disse, diz e venha a
dizer, não importa o que tenha sido, seja ou venha a ser. Se a unha de alguém
encravar, a culpa será dele; se chover e houver inundações, a culpa
também será dele; se faltar água nos reservatórios, idem na mesma data. O pior é que ele próprio faz questão de contribuir para as críticas, mas isso já é
outra conversa.
Quanto a sua alegada vassalagem a Trump, brilhantemente representada na imagem caricata que ilustra
esta postagem, acho que há algum exagero por parte detratores de plantão. Até porque, ao longo dos 13 anos e fumaça do jugo lulopetista, essa caterva se manteve em silêncio reverencial enquanto o Brasil se alinhava a Cuba, à Venezuela e a outros países
governados por tirantes de merda e bancasse suas obras faraônicas com rios de
dinheiro público — cuja cor dificilmente voltaremos a ver. Agora, porém, como é Bolsonaro quem governa esta Banânia, a pancadaria
come solta, a pretexto de o presidente, sob forte inspiração “trumpista”, incorrer
num revanchismo precário ao não se dar conta de que a esquerda foi (supostamente)
defenestrada do poder há mais de dois anos, além de cometer todo tipo de desatino, de postar vídeos escatológicos a defender a troca da embaixada em Israel.
Historicamente, o Brasil avança não pelo governo que tem,
mas apesar dele. Todavia, a despeito
de o país correr o risco de falir se a reforma da Previdência não sair, parlamentares
fisiologistas querem saber primeiro o que vão ganhar se votarem a favor da PEC —
o que é ainda mais grave num momento que requer o apoio de todos, pouco importando
sua posição no espectro político partidário. Como se não bastasse, governadores
dos estados do Nordeste (justamente onde o povo é mais miserável) se alinham contra a proposta da reforma
como forma de se vingar da derrota da desprezível marionete do presidiário de
merda...
E como se esse show de horrores já não bastasse, o STF, diante de dois entendimentos juridicamente defensáveis, escolheu justamente o que favorece os
políticos corruptos (registre-se que 5 dos 11 ministros foram votos
vencidos). Mas não foi só: um desses “colossos togados”, do alto do Olimpo onde
eles se encastelam para jogar migalhas à plebe ignara que paga seus régios
salários, ainda teve o desplante de dizer que “o Judiciário Eleitoral fez um trabalho extraordinário na luta contra os
crimes dos políticos”...
Depois, quando um dos filhos do presidente diz que basta um soldado e um cabo para fechar o
Supremo... Enfim, com a palavra o Merval:
O país vive há anos em
busca do “salvador da pátria”, e só consegue encontrar o “mal menor”, o “erro
novo”. Assim Jair Bolsonaro foi
eleito em 2018, Collor em 1989.
Apenas dois presidentes depois da redemocratização foram eleitos por projetos
políticos: Fernando Henrique em
1994, com o Plano Real, e Lula em
2003, apresentando-se como alternativa ao que chamava de projeto neoliberal.
Os dois foram
reeleitos em 1988 e 2006 esgotando as últimas reservas dos projetos vitoriosos.
A reeleição, cada um a seu tempo, pareceu à maioria o “mal menor”. Fernando Henrique reeleito no primeiro
turno, temendo ser derrotado se disputasse o segundo. Lula ficou deprimido ao não conseguir vencer no primeiro turno,
quando o então governador tucano Geraldo
Alckmin teve uma votação espantosa de 41% dos votos. Depois, graças a erros
banais e à campanha medíocre, teve menos votos que no primeiro turno.
Lula chegou ao poder em
2003 depois de perder quatro eleições, porque se reinventou criando o
personagem Lulinha Paz e Amor. E
lançou a Carta aos Brasileiros. Mas
também porque o segundo governo de Fernando
Henrique, que teve méritos evidentes como a Lei de Responsabilidade Fiscal,
a Rede de Proteção Social, origem do Bolsa-Família, dos genéricos e do combate
à Aids, ficou marcado pela desvalorização do Real logo nos primeiros dias, o
apagão de energia e a economia em situação difícil.
Paradoxalmente, para
acalmar o mercado financeiro, Lula
teve que escrever a Carta aos Brasileiros, onde se comprometia a manter o tripé
da política econômica: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal.
Foi isso que garantiu o bom desempenho econômico no primeiro governo Lula, e o tripé é a base da política
econômica até hoje”
Em 2006, Lula, atingido em cheio pelas denúncias
do mensalão, foi o “mal menor”. Sua reeleição pareceu à maioria a continuidade
de um projeto político, solução menos traumática, apesar de tudo. Os demais
presidentes foram escolhidos para derrotar alguém.
Com um crescimento de
7,5% no ano de 2010, Lula conseguiu
eleger Dilma Rousseff, mas deu
início à crise econômica que resultou na recessão mais grave já havida no país.
A desastrada nova matriz econômica, comandada pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, e a absoluta
incapacidade da presidente fizeram com que seu primeiro mandato terminasse em
crise generalizada, inclusive com as primeiras denúncias de corrupção endêmica
no petrolão, que dominou a campanha de reeleição.
Apesar de Dilma, Lula ainda tinha força suficiente para reelegê-la, mas à custa de
uma campanha milionária financiada pelo dinheiro da corrupção. Dilma derrotou Aécio Neves, o candidato tucano, por uma diferença de 3% dos votos.
Mas, assim como em 1989 — quando Collor
e Lula disputaram o primeiro turno —
não havia escolha boa, também em 2014: soube-se depois que Aécio estava enredado na mesma teia de corrupção que denunciara
durante a campanha.
Em 1989, qualquer
resultado seria desastroso para o país, como foi a vitória de Collor, que acabou impichado. O próprio
Lula, mais adiante, admitiu que sua
vitória seria uma tragédia, pois ele não estava preparado para o cargo.
As crises econômica e
moral levaram a um ambiente de rejeição ao governo Dilma, que acabou impichada, também porque o vice Michel Temer despontou como “o mal
menor”. O governo substituto superou a inflação e deu início ao fim da
recessão, mas também se enredou em denúncias de corrupção que o paralisaram,
impedindo que aprovasse a reforma da Previdência. Foi o governo mais impopular
que o país já teve.
A rejeição à volta do PT acabou levando ao poder Jair Bolsonaro, que pareceu à maioria
dos eleitores o “mal menor”, o “erro novo”. Só uma parcela deles, a mais
barulhenta e atuante, o considera uma alternativa programática.
Com o país dividido, o
centro político sumiu do embate eleitoral. Após quase três meses de mandato,
vivemos um ambiente político radicalizado incentivado pelo próprio presidente
da República, onde crises se sucedem, com fatos novos diários a corroer a
institucionalidade de Bolsonaro a
tal ponto que já se fala abertamente na possibilidade de o vice assumir o
governo caso a reforma da Previdência não seja aprovada e a economia continue
em crise, com o país ladeira abaixo.
Mais uma vez, busca-se
o “mal menor”. Até quando ?