quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O BRASIL E A INDEFECTÍVEL TURMA DO QUANTO PIOR, MELHOR



O Brasil da primeira classe, escreveu J.R Guzzo em sua coluna desta semana na revista Veja, continua brincando de democracia americana todas as vezes que o seu submundo jurídico se agita — aquela usina processadora de lixo onde são fabricadas, embaladas e distribuídas as leis neste país. Você sabe do que se trata. É a combinação mortal de Câmara dos Deputados com Senado Federal, mais o STF as outras “cortes superiores” e as 500 diferentes modalidades de Ministério Público que se encontra a cada esquina — tantas que nem os próprios procuradores saberiam dizer quais são. Há ainda os 18.000 juízes. Há a OAB. Há os advogados de porta de condomínio de luxo. Há a elite civilizada, liberal e movida a direitos, que defende qualquer aberração carimbada como "letra da lei" — e se a letra da lei nega a aplicação da justiça mais elementar, dane-se a justiça mais elementar. Há os “garantistas”. Há de tudo, até quem acha uma conquista da humanidade soltar milhares de criminosos durante o período das festas, mesmo que tenham matado pai e mãe a pauladas. É um milagre, pensando bem, que o Brasil ainda exista. Deve ser a simpatia, o poder do algo mais e da alegria.

O novo presidente Jair Bolsonaro já está despachando desde 1 de janeiro no Palácio do Planalto, aclamado por mais de 100 mil pessoas na festa de posse, seus ministros começam a tomar providências práticas e nenhum dos cataclismos que deveriam destruir o Brasil com a sua vitória, segundo nos garantem há meses, aconteceu até agora. Mas a porção mais destrutiva da sociedade brasileira, essa que sobrevive traficando com leis e construindo um novo estado de direito a cada quinze dias, não dá nenhum sinal de que tenha percebido alguma mudança no Brasil — não admite que a população quer um novo país, pois é óbvio que se encheu definitivamente do velho. O resumo da ópera, segundo os espíritos de primeiro mundo que querem pensar por você, é o seguinte: esse governo que está aí não vale. Em consequência, tudo o que fizer estará errado e será provavelmente ilegal. A ordem é: já que o “outro lado” teve mais votos, então que se impeça o governo de governar, através da produção contínua de baderna legal. É essa a “resistência” de que se ouve falar. O avião já fechou as portas e decolou; é um mau negócio, para todos, ficar torcendo para o piloto se dar mal. Mas eis aí: o que interessa para os “resistentes” é fazer o avião cair com todo mundo dentro. Depois se vê. Pelo menos, dizem eles, salvamos a democracia no Brasil.

A produção de desordem jurídica se faz por muitos lados, é claro — já há gente de terno e gravata falando em impeachment de Bolsonaro, por exemplo, ou indagando se não foi sua família que matou a vereadora Marielle. Mas o foco principal da torcida organizada está no STF, onde a sabotagem contra a ordem legal continua sob o disfarce de ação civilizatória em favor dos direitos universais do homem — quer dizer, em favor de soltar Lula da cadeia. “O STF é hoje o mais nefasto fator de instabilidade legal no Brasil”, disse recentemente o jurista Modesto Carvalhosa. Alguém sabe de outro? Na última brincadeira feita ali para virar a mesa, o ministro Marco Aurélio, por conta própria, mandou que Lula fosse solto. Pura palhaçada. Dali a pouco o atual presidente, Antonio Dias Toffoli, anulou a ordem e virou o “Anjo Bom da Direita” — ou, talvez, um personagem daqueles programas de auditório tipo “Rainha Por Um Dia”. Está cheio de gente assim, por lá. O ministro Luiz Fux, há pouco, mandou prender o terrorista e quádruplo homicida italiano Cesare Battisti — isso depois de ficar garantido que o sujeito tinha fugido, sob a benção de um habeas corpus dado em 2017 pelo mesmíssimo Fux. Há aquele Fachin, que um dia manda o Brasil obedecer “a ONU” e permitir a candidatura de Lula, no outro segura na cadeia a ladroada da Lava-Jato.

A próxima exibição de circo que mostrará como “estão funcionando” as nossas “instituições” está prevista para abril — quando se fará a centésima tentativa de tirar Lula da cadeia, agora com o julgamento final pelo STF da questão da condenação em segunda instância. O cidadão deve ser preso depois de condenado em duas instâncias, como ocorreu com Lula, ou só pode ir para a cadeia se for condenado três vezes seguidas, como querem os campeões do “direito de defesa”? Apareceu um problema, aí: para soltar Lula descobriu-se que será preciso soltar dezenas de milhares de assassinos, estupradores e até feminicidas, imaginem só, hoje trancados nas penitenciárias. Como é que faz? É a entrada no mundo da insânia. Talvez seja melhor parar logo com isso.

Em tempo: 

O senador Lasier Martins, autor de um projeto que modifica o regimento interno da Casa para a escolha da mesa diretora, impetrou um mandado de segurança pedindo o fim do sigilo do voto. O ministro supremo Marco Aurélio acolheu o pedido, mas o MDB e o Solidariedade recorreram. Se Dias Toffoli não decidir a questão nesta semana, Luiz Fux — que assumirá o plantão do STF a partir da próxima segunda-feira — terá de descascar o abacaxi ou encaminhá-lo ao plenário. O problema é que os 11 supremos só voltarão a se reunir depois da eleição no Senado, que está marcada para 1º de fevereiro. O voto aberto reduz significativamente as chances de Renan Calheiros, que tenta disfarçar os próprios interesses como uma questão nobre de defesa da independência entre os Poderes.

O cangaceira das Alagoas afirma que a interferência do Supremo é uma “desmoralização para o Legislativo”, e recorre às carcomidas práticas políticas para se perpetuar no poder. Se sua estratégia não funcionar e a votação fora aberta, ele deve desistir da disputa, embolando ainda mais um jogo com pelo menos nove candidatos. Nesse entretempo, a tropa de choque de Bolsonaro tenta aglutinar forças em torno da candidatura de Major Olímpio, do PSL, e argumenta que a transparência no voto dos senadores é “coerente com os anseios da sociedade”. Aliás, são muitos os anseios da sociedade, e Bolsonaro se tornou depositário de boa parte deles.