quarta-feira, 26 de junho de 2019

OS HCS DE LULA - DE DAMASCO A CURITIBA



Antes do texto de Dionísio da Silva, Diretor do Instituto da Palavra e Professor Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá, vale ressalvar que:

1) Devido a uma viagem oficial aos EUA, Sérgio Moro não irá à Câmara nesta semana, onde seria submetido à segunda sessão da Santa Inquisição a primeira foi na semana passada, na CCJ do Senado. O ministério da Justiça e Segurança Pública já informou que o compromisso será reagendado, mas a ala esquerdopata do parlamento já se articula para encaminhar uma convocação compulsória nesse caso, o não comparecimento do ministro pode configurar crime de responsabilidade.

2) Quando tudo indicava que um habeas corpus do presidiário de Curitiba não seria julgado na sessão de ontem da 2ª Turma do STF, que foi a última deste semestre, não um, mas dois pedidos de liberdade foram levados em mesa. O primeiro questionava a decisão monocrática do ministro Felix Fisher, do STJ — que no ano passado negou monocraticamente um pedido de absolvição do petralha — e foi negado por 4 votos a 1, vencido o ministro Ricardo Lewandowski, cuja farda de militante petista a suprema toga jamais cobriu totalmente.

Observação: Vale lembrar que a 5ª Turma do STJ julgou o recurso e reconheceu por unanimidade a culpabilidade de Lula, embora tenha reduzido a pena de 12 anos e 1 mês de prisão, imposta pelo TRF-4, para 8 anos e 10 meses, dando margem a uma nova celeuma, desta feita envolvendo a progressão para o regime de prisão domiciliar — por lei, a idade avançada e o cumprimento de 1/3 da pena permitiria que o molusco indigesto passasse para o regime semiaberto, onde os presos saem para trabalhar e dormem na cadeia, mas há décadas que o demiurgo de Garanhuns não sabe o que é um chão de fábrica.

O segundo pedido de liberdade, embasado na suposta parcialidade do então juiz federal Sérgio Moro, começou a ser julgado no final do ano passado, mas foi suspenso por um pedido de vista de Gilmar Mendes (pedido de VISTA, e não de VISTAS, como insistem em dizer nos telejornais) quando Edson Fachin e Cármen Lúcia já se haviam posicionado contrariamente à tese da defesa. O semideus togado devolveu os autos recentemente — por uma estranha coincidência, logo depois que o site esquerdista The Intercept Brasil começou a vazar supostas conversas entre Moro, Dallagnol e outros procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, em torno do que a mídia e parte do Congresso ergueu um circo de três picadeiros —, mas isso é outra história.

Considerando o adiantado da hora e que só o voto de Mendes tinha mais de 40 páginas, o ministro concordou alegremente com os argumentos do advogado Cristiano Zanin, para quem Lula deveria ser solto e aguardar em liberdade o julgamento do mérito do recurso (de minha parte, sou mais a abalizada opinião do General Augusto Heleno, para quem ex-presidente corrupto envergonha seu país e só deve sair da prisão em um saco preto, e com destino à chácara do vigário). Mas o pedido de liminar foi negado por 3 votos a 2, vencidos, adivinhem só, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

O Judiciário entre em recesso já no final desta semana e retorna somente em agosto. No ano passado, durante as férias de Julho, tivemos o Domingo Negro — que na verdade começou na noite de sexta-feira, quando os deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira ingressaram com um pedido habeas corpus no TRF-4, visando à soltura de Lula, 28 minutos após o início do plantão do desembargador “cumpanhêro” Rogério Favreto no tribunal. Em dezembro, ao final do almoço de encerramento do ano Judiciário, o ministro Marco Aurélio, irresignado com o adiamento do julgamento das furibundas ADC 43, do PEN, ADC 44, da OAB, e ADC 54, do PCdoB, concedeu uma estapafúrdia liminar que só não resultou na libertação de Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada pelo presidente da Corte. 

Enfim, o jeito é ficar de olho, pois o preço da liberdade é a eterna vigilância.

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A letra mata, mas o espírito vivifica”, disse São Paulo em sofisticada interpretação jurídica e religiosa, depois de cair do cavalo e mudar radicalmente de ideia e de vida por não ter resposta à pergunta: “por que me persegues?”.

Tornado subitamente cego diante da figura que lhe apareceu no caminho de Tarso, na Turquia, para Damasco, na Síria, aonde ia perseguir membros ali estabelecidos de uma seita que já prejudicava muito a aliança entre Roma e Jerusalém, tinha dois bons motivos para combater os cristãos. Ele, como seus pais, era judeu e seguia a lei de Moisés, mas era também cidadão romano. Contam as narrativas cristãs que Saulo, seu nome hebraico, ficou completamente cego por causa do clarão no meio do qual estava a figura que lhe apareceu quando foi derrubado pela montaria. Como de hábito, viajava escoltado por soldados romanos e já integrara o grupo que apedrejara Estêvão, o primeiro daqueles que seriam chamados cristãos, a ser morto por causa da nova fé.

Saulo ou Paulo vivia em Tarso, local, aliás, onde Cleópatra e Marco Antônio se encontraram pela primeira vez e se apaixonaram para viver um grande amor, que entretanto terminaria no suicídio de ambos. A cidade tinha este nome porque seus habitantes estendiam as mercadorias — queijos, frutas e outros alimentos — sobre cipós trançados, para perderem a umidade. Havia ali muitos tecelões e Saulo/Paulo era um deles. “Tarsós, em grego, designa também a planta do pé, mas por comparação mútua a superfícies planas e com aparência de elementos entrelaçados. Além do mais, a raiz remota da palavra tarso é o indo-europeu “ters”, secar. Não é improvável que o Inglês “tear”, lágrima, tenha o mesmo remoto étimo, por comparação do rosto com aquilo que seca ao verter líquidos.

Quando adolescente, Saulo/Paulo tinha sido enviado a Jerusalém para estudar, mas voltara para Tarso, de onde depois de convertido partiria para suas famosas viagens, não mais para combater aqueles que perseguira, mas para ajudá-los a espalhar a boa nova, o Evangelho, por cidades que acabariam celebrizadas nas catorze epístolas escritas aos habitantes por ele convertidos nesses lugares. Foi em Antioquia, uma destas localidades, que os seguidores da nova seita foram designados cristãos pela primeira vez. Paulo de Tarso perseguia uma seita insurgente no contexto, constituída de seguidores de um contemporâneo seu, mas nascido em Belém da Judeia e criado em Nazaré, condenado pelo sinédrio judaico e crucificado pelos invasores romanos por volta do ano 30 de nossa era.

De perseguidor da seita fundada por Jesus Nazareno Rei dos Judeus (como resumido no INRI dos crucifixos atuais), tal como explicado em hebraico, em grego e em latim numa tabuleta afixada na cruz em que foi executado, para todos entenderem (a região usava estas três línguas), Paulo tornou-se um de seus principais defensores, ao elaborar a teoria que ainda no século I propôs a reorganização dos valores essenciais da existência na civilização ocidental.

Saulo ou Paulo foi preso duas vezes. Como era cidadão romano, não podia ser julgado e muito menos crucificado em Jerusalém, e foi enviado a Roma. Na primeira condenação, no ano 58, o navio que o levava à capital do império naufragou e ele obteve prisão domiciliar. Mas na segunda e última, no ano 64, ele foi levado a Roma e ali foi julgado e condenado à morte. Naquele ano, Roma tinha sido incendiada e o imperador Nero atribuíra a culpa aos cristãos, dos quais Paulo e Pedro já eram os principais líderes. Ambos morreram no mesmo ano de 67. Pedro, sendo judeu, foi crucificado. Paulo, sendo cidadão romano, foi decapitado.

O que nos dizem esta história e esta pequena reflexão? Que uma nova interpretação da lei, não apenas a lei, pode mudar tudo, ainda que proceda de uma das mais remotas províncias. Na defesa do ex-presidente Lula, um de seus advogados, criticando a interpretação da lei dada pelo juiz Sérgio Moro, referiu-se a Curitiba como “essa região agrícola do Brasil”, manifestando seu duplo desconhecimento, em Direito e em Brasil.

Curitiba não é a Damasco de nossos dias, mas ali surgiu, não uma pessoa, mas um grupo de pessoas, que passou a interpretar e vivificar a lei de outro ponto de vista. Como disse o linguista Ferdinand de Saussure, “o ponto de vista cria o objeto”. Em Curitiba temos uma nova seita de convertidos. Acusados ou condenados tornaram-se delatores de seus companheiros de lavagem de dinheiro e de desvio de verbas para corrupção e estão ajudando os homens da lei, ao menos daqueles que interpretam a lei de outro modo, bem diferente do tradicional, que inocentava os acusados por recursos diversos, sendo um dos mais eficientes o decurso de prazo, a prescrição. Esses novos intérpretes da lei têm pressa de julgar: para absolver (raramente) ou para condenar (mais frequentemente), mas em todo caso sempre rapidamente.

No antigo e tradicional modo de julgar, era essencial que ministros de altos tribunais pedissem vistas dos processos e sobre eles se sentassem pelo tempo necessário a jamais privar os acusados da liberdade. Certas seitas costumam triunfar e no momento a de Curitiba está sob ataques de todos os lados, lícitos e ilícitos, depois de muitos triunfos notáveis. Prenderam poderosos empresários, ministros e até um ex-presidente da República. Do resultado desta luta depende o futuro do Brasil.