Apesar de uma série de “acidentes
de percurso” ter transformado a eleição da Mesa Diretora do Senado numa
palhaçada digna de comédia pastelão, o resultado final, até certo ponto
inesperado, merece comemoração. Com 42 votos dos 81 senadores, Davi Alcolumbre (DEM-AP) — um ilustre
desconhecido parlamentar do baixo-clero — venceu o “gigante” Renan Calheiros — tido e havido como franco-favorito
para comandar o Senado pela quinta vez —, que abandonou o jogo antes do apito
final. No placar, o Cangaceiro das
Alagoas contabilizou 5 votos — dois a mais que o Caçador de Marajás de festim, que terminou como último colocado
(com 2 votos além do próprio).
Alcolumbre
atribuiu sua vitória à renovação política resultante das eleições de outubro,
que, em números percentuais, foi mais expressiva no Senado do que na Câmara Federal: de cada quatro senadores que tentaram a reeleição em 2018,
três não conseguiram. Essa estatística marca a eleição mais surpreendente da
história recente da nossa Câmara Alta; no
total, das 54 vagas em disputa, 46 foram ocupadas por novos nomes, o que
representa uma renovação de mais de 85%.
Voltando à eleição propriamente dita, a sessão foi suspensa por volta
das 10 horas da noite da sexta-feira, depois de um desentendimento
sobre voto aberto ou secreto e a
condução dos trabalhos pelo próprio Alcolumbre
— que era um dos candidatos, mas assumiu a presidência porque, embora suplente,
foi o único dos integrantes da Mesa Diretora da legislatura anterior que se
reelegeu. A essa altura, a questão de ordem sobre o voto aberto já havia sido
aprovada por 50 votos a 2, mas o bando de Lampião, digo, os apoiadores de Renan rodaram a baiana, visto que o
resultado lhes desfavoreceu, digo, já que a votação violava o regimento do
Senado, que prevê voto secreto.
A vitória do voto aberto foi a senha para a senadora Katia Abreu (PDT-GO) questionar a legitimidade de Alcolumbre. Exaltada, a
ex-ministra da Agricultura de Dilma
e companheira de chapa de Ciro Gomes
na disputa presidencial de 2018 pôs-se de pé
ao lado de Alcolumbre e vociferou:
"Ele é candidato! Ele é candidato e não pode presidir essa sessão!".
Ato contínuo, tomou-lhe a pasta das mãos, e quando ele a pediu de volta, retrucou:
"Você acha que é candidato, meu amigo? Você está maluco?”
Depois de muito
bate-boca, Cid Gomes (que se notabilizou por lembrar a militantes da esquerda
que “Lula está preso, babacas”), propôs
a suspensão da sessão, o que foi aprovado por votação simbólica (sem contagem
de votos). Na calada da madrugada de sábado, porém, o MDB (partido de Renan e
ninho de um sem-número de investigados, denunciados e réus na Lava-Jato) e Solidariedade (presidido pelo
sindicalista e igualmente enrolado na Justiça Paulinho da Força) ingressaram com uma ação no STF para anular a votação e restabelecer o voto secreto.
O ministro
Dias Toffoli (a quem coube decidir o
imbróglio, já que esse tipo de ação é de competência do presidente da Corte) acolheu
o pedido e determinou que a decisão
fosse comunicada ao macróbio José
Maranhão, a quem caberia presidir os trabalhos quando a sessão fosse reiniciada (apesar do nome, Maranhão é paraibano, e apesar da idade (85 anos),
reluta em abandonar a vida pública.
Concluída a votação, identificou-se
que a
urna continha 82 votos (um a mais que o
número de senadores). Havia 80 envelopes com uma cédula cada um e duas cédulas
sem envelopes — imagens feitas pela Globo mostraram que esse votos haviam sido
dados a Renan Calheiros. Decidiu-se,
então, anular a votação e dar início a um segundo escrutínio, mas Renan
anunciou que retirava a candidatura,
provocando nova interrupção e outro debate sobre a continuidade ou não daquela
segunda votação. A decisão foi por prosseguir, e assim o Davi amapaense derrotou o Golias
alagoano, símbolo da velha política, dos conchavos espúrios e da corrupção,
encerrando uma hegemonia de 18 anos do MDB no comando no Senado.
De todos os equívocos que produziram a derrota de Renan, o despacho noturno do amigo Dias Toffoli foi o mais surpreendente.
Ao restabelecer o voto secreto, o ministro se tornou uma espécie de 82º senador
e transformou a eleição numa espécie de teatro de marionetes no qual a plateia
deveria fingir que os manipuladores não estavam lá, como se os bonecos fossem seres independentes. Os adeptos do voto aberto desnudaram o truque ao
decidir expor seus votos na marra, constrangendo o
grupo de senadores-bonecos — aqueles que só admitiam votar em Renan, um aliado radioativo, no
escurinho do escrutínio secreto.
O feitiço de Toffoli apequenou Renan, que, ao se dar conta do próprio encolhimento, resolveu bater em
retirada, mas não sem antes destilar seu veneno: "Eles
querem ganhar de todo jeito, com voto da minoria. Onde é que nós estamos?
Para
demostrar que esse processo não é democrático, eu queria dizer que o Davi não é
o Davi. O Davi é o Golias. Ele é o novo presidente do Senado e eu retiro a
minha candidatura, porque eu não vou me submeter a isso." Nos
próximos meses, uma das boas diversões da política será assistir às piruetas
que o cangaceiro fará para se vingar do governo e, ao mesmo tempo, negociar com a
gestão de Jair Bolsonaro a liberação
de verbas federais para o governo de Renan
Filho em Alagoas.
A eleição de Davi
Alcolumbre foi vista como a primeira vitória política do governo Bolsonaro. A preocupação agora é saber qual será o alcance da reação e a capacidade
de articulação do grupo de oposição, liderado por Renan, ao governo. Nas palavras de um aliado do candidato derrotado,
“Onyx
Lorenzoni despertou a ira do grupo ao deixar sua digital na disputa pela
Presidência do Senado”.
Os governistas vão monitorar com lupa se haverá
sequelas desta operação bem-sucedida de Lorenzoni para as
matérias e votações de interesse do Planalto. Segundo alguns analistas, ele precisa desobstruir a interlocução política com Rodrigo Maia na Câmara, por onde começa a discussão da reforma da
previdência. Na última sexta-feira, logo após ser reeleito, Maia disse que Onyx não deve ter atuado na eleição, ou o resultado
teria sido diferente. Mas há quem diga que, mesmo sendo colega de partido de Maia, Onyx trabalhou contra ele no início da campanha para a
eleição para presidência da Câmara.
Após a vitória, Davi
Alcolumbre fez um discurso de conciliação — inclusive com um aceno aos
adversário derrotados: "Não haverá nesta Casa senadores do alto ou
do baixo clero. Todos serão tratados com a mais absoluta deferência e zelo. No
Senado que construiremos juntos, os anseios da rua terão o protagonismo outrora
deixado às elites partidárias".
Contrariando recomendações médicas, Jair Bolsonaro acompanhou pela TV tanto a eleição no Senado
quanto o jogo entre Palmeiras e
Corinthians. Seu time perdeu, mas seu candidato venceu. Menos mal.