sábado, 19 de janeiro de 2019

MÃOS LIMPAS E MÃOS SUJAS



A “Operação Lava-Toga” vem aí, diz a revista digital Crusoé. Acordos de colaboração estão sendo fechados, e outros servirão de base para abertura de novos inquéritos — envolvendo, inclusive, membros das mais altas instâncias do Judiciário tupiniquim. Segundo a Lauro Jardim, as prioridades número um, dois e três da Lava-Jato no Rio, neste ano que se inicia, serão o Judiciário, o Judiciário e o Judiciário. Apurações precisam ser feitas e os culpados, punidos. Mas é lamentável que o Judiciário — derradeiro depositário da confiança dos brasileiros de bem — venha sendo tragado pelo mar de podridão revelado pala Lava-Jato e congêneres, que já engoliu o Legislativo e o Executivo.

O Congresso Nacional é um covil. Nada menos que 38 dos 81 senadores e 160 dos 513 deputados são réus, denunciados ou investigados. No Planalto, dos cinco presidentes da República eleitos pelo voto direto desde a redemocratização — Collor, FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro —, dois foram impichados e um está cumprindo pena. Michel Temer não faz parte da lista porque ascendeu ao cargo com o afastamento da titular, mas conseguiu entrar para a história como o primeiro mandatário denunciado 3 vezes, no exercício do cargo, por crimes comuns.

Jair Bolsonaro, atual fiador das esperanças dos brasileiros, foi empossado sob suspeitas de “pedágio” no gabinete do filho número 1. As denúncias não o envolvem diretamente, mas isso não muda o fato de que Fabrício Queiroz, em cuja conta bancária o COAF identificou “movimentações atípicas”, ser amigo da família há décadas e ter feito depósitos para a hoje primeira-dama. 

O imbróglio poderia ser facilmente explicado pelo próprio ex-assessor — supondo que haja realmente uma explicação plausível —, mas ele desapareceu e depois alegou que problemas de saúde o impediram de prestar esclarecimentos ao MP. Dias atrás, o ministro Luiz Fux, decidindo sobre um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, determinou a suspensão da investigação até que o Supremo volte do recesso. Vale frisar que os “fatos suspeitos” que deram início a todo esse salseiro ocorreram quando o filho do Presidente era deputado federal, não estando cobertos, portanto, pela prerrogativa de foro a que ele tem direito como senador eleito (volto a esse assunto mais adiante).

Compra de sentenças e concessão de promoções em troca de decisões judiciais são práticas tão antigas quanto a própria corrupção. A história recente está recheada exemplos, como relembra magistralmente José Nêumanne no artigo No Supremo pela porta dos fundos, que discorre sobre a estapafúrdia liminar concedida pelo ministro supremo Marco Aurélio Mello no apagar das luzes do ano judiciário de 2018, com o nítido propósito de soltar Lula. Assinale-se que o magistrado foi indicado para o STF pelo ex-presidente Collor, de quem é primo, mas sua filha foi nomeada desembargadora pela ex-presidanta Dilma, e por indicação do ex-governador Sérgio Cabral, hoje condenado a mais de 100 anos de prisão.

Escritórios ligados a pelo menos dois ministros do STJ receberam mais de R$ 13 milhões da Fecomércio no período em que ela protagonizou uma guerra de liminares no tribunal. A banca que defende Lula, comandada pelos bambambãs Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, amealhou R$ 38 milhões para um contrato destinado a obter uma “solução política” nos tribunais — e incluiu até a intermediação de um doleiro. O desembargador Francisco Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do STJ, teria recebido (segundo a mais recente delação de Antonio Palocci) R$ 5 milhões da Construtora Camargo Corrêa para barrar a operação Castelo de Areia, e o acerto teria sido arranjado por Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça de Lula entre 2003 e 2007.

Durante o julgamento da ação penal 470, conhecida como processo do mensalão, o então ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, aliviou a barra do chefe da quadrilha (que anos antes o indicara para o STF), embora tenha contribuído para a condenação de petistas de alto coturno, como Dirceu, Genoíno, Vaccari, e Delúbio

Em 2016, Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo, mancomunou-se com o PT e com senador Renan Calheiros, então presidente do Congresso, para fatiar a votação do impeachment de Dilma e preservar seus direitos políticos (detalhes na minha postagem de 31/08/2016). 

A pretexto de uma fantasiosa “plausibilidade” de revisão da condenação de José Dirceu nas instâncias superiores, a segunda turma do STF decidiu que o o ex-guerrilheiro-mensaleiro-petroleiro permanecesse em liberdade até o julgamento de seus recursos. Dias Toffoli, então membro da segunda turma e hoje presidente da Corte, mandou para casa o ex-deputado ladrão Paulo Maluf, condenado a 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão por desvio e ocultação de dinheiro num processo que se arrastou por décadas. Nesse caso específico, o habeas corpus foi concedido de ofício, por razões humanitárias, embora a sentença condenatória já tivesse transitado em julgado. Segundo a defesa, Maluf estaria à beira do desencarne, mas agora passa muito bem, obrigado, em sua luxuosa mansão nos Jardins (bairro nobre da capital paulista). Se o pulha está mesmo morrendo, deve ser de rir dos trouxas que acreditaram na Justiça (aliás, vocês têm ideia de quanto roubaram José Dirceu e Paulo Maluf?).

Em entrevista concedida à Folha no ano passado, o ministro supremo Luís Roberto Barroso afirmou com todas as letras que “há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”. Se a cartilha de Sérgio Moro for seguida por procuradores e magistrados, muito desse esquema de corrupção ainda virá à tona.

Winston Churchill, num discurso feito em 1942 sobre enfrentar situações que não podem gerar nem desânimo e nem tranquilidade excessiva, cunhou a seguinte pérola: “isto não é o fim, nem mesmo o começo do fim, mas talvez seja o fim do começo”. A conferir.

Para não encompridar ainda mais esta postagem, deixo para falar amanhã sobre os mais recentes desdobramentos do caso Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro.