domingo, 24 de novembro de 2019

PERGUNTAS QUE NÃO QUEREM CALAR



Em seu comentário no Jornal da Gazeta da última sexta-feira, o impagável José Nêumanne salientou que o atual presidente do STF — guindado a ministro em 2009 por indicação do maior câncer que se instalou no Palácio do Planalto desde a redemocratização deste arremedo de república de bananas — não teve QI suficiente para ser aprovado em 2 concursos para juiz de primeira instância em São Paulo, mas é extremamente hábil no uso de truques sujos para prolongar as benesses de sua monocracia de malandro. 

Para Nêumanne, o Maquiavel de Marília  não proferiu aquele voto abaixo da crítica por burrice, mas por esperteza. O que ele quis foi imitar o saudoso Chacrinha — conforme, aliás, eu havia mencionado numa postagem anterior —, que dizia não ter vindo para explicar, mas para confundir. Tudo isso faz parte de um plano, traçado desde julho, para conseguir vantagens com suas decisões monocráticas e adiar o máximo possível a votação em plenário para continuar gozando as benesses que vem usufruindo e continuará a fazê-lo com elas. Dando tempo e jeito, assista ao vídeo abaixo:


Merval Pereira, por sua vez, ponderou que a estupefação causada pelo voto cuja leitura Toffoli levou mais de quatro horas para concluir, na abertura do julgamento sobre o compartilhamento de dados entre os órgãos de persecução penal e os de investigação, foi provocada pela tentativa de voltar atrás sem deixar clara a mudança. De tão obscuro, voto teve de ser explicado mais tarde por uma nota oficial.

Pesquisas como a do economista Felipe de Mendonça Lopes, da FGV, mostram que, com o televisionamento ao vivo dos julgamentos, os votos ficaram maiores em média 26 páginas, o que aumenta o tempo de leitura em cerca de 50 minutos. O ministro Luis Roberto Barroso definiu bem o momento: “Seria preciso chamar um professor de javanês”, referindo-se ao livro “O Homem que Sabia Javanês”, de Lima Barreto, sobre um vigarista que, sem saber nada do idioma, se apresentou como professor  de javanês a um barão que colocara um anúncio em busca de alguém que lhe ensinasse a língua. A utilização de métodos econométricos dá a certeza de que a mudança de composição do plenário do Supremo não tem nada a ver com o aumento do tamanho dos votos, mas sim a transmissão ao vivo. Já houve quem propusesse o seu fim, mas parece uma decisão impossível de ser revista, devido à cobrança sempre maior da transparência das decisões, o que não necessariamente significa clareza.

Quanto à obscuridade da linguagem, Merval disse ter se lembrado de um ciclo de palestras que coordenou na ABL sobre a influência do barroco em nossa cultura. Um dos aspectos abordados pelo ex-ministro e presidente do Supremo, Nelson Jobim foi justamente o juridiquês, esse idioma parecido com o português, mas salteado com termos em latim, que nos acostumamos a ouvir durante a transmissão dos julgamentos pela televisão. Jobim criticou as transmissões, avaliando que, com elas, os votos ficaram mais longos. Mas ressaltou a vantagem da transparência do processo decisório do Supremo, não obstante o Brasil continue sendo o único país do mundo que transmite os julgamentos do STF ao vivo, em tempo real. De acordo com o jurista, o uso radical da linguagem mais culta e o excesso de erudição têm o objetivo de “transmitir potência no discurso”, e o formalismo da linguagem jurídica já virou piada, mas “ainda assim, insistimos em usar o juridiquês no Brasil”, pois “a ornamentação linguística” sinalizaria um jurista mais preparado. E definiu assim o falar empolado: “Comunicação sem clareza é uma forma eficaz de esconder ignorância no assunto sobre o qual se fala”. E, com efeito, falar difícil é fácil; o difícil é falar fácil.

A pergunta que não quer calar é: Por que não escolher os ministros supremos da mesma foram como se faz no STJ, a partir de uma lista tríplice criada pela plenário da Corte e submetida ao Presidente da República, que indica o seu preferido, que então é sabatinado na Comissão de Cidadania, Constituição e Justiça do Senado e, se aprovado, avalizado pelo plenário da Casa? Ou, melhor ainda, mediante um concurso para o qual poderiam se inscrever ministros do STJ e desembargadores dos Tribunais Regionais, por exemplo? Isso evitaria, ou pelo menos minimizaria, as indicações eminentemente políticas. Vale lembrar que Lula e Dilma concederam a toga suprema a nada menos que oito apaniguados, dos quais sete continuam ativos e operantes (a exceção fica por conta do falecido Teori Zavascki, que foi indicado pela anta vermelha para preencher a vaga aberta com a aposentadoria compulsória do ministro Cezar Peluso).

Outra pergunta que não quer calar: Por que Davi Alcolumbre, atual presidente do Senado e do Congresso Nacional, vem engavetando sistematicamente todos os pedidos de abertura de processos de impeachment contra ministros supremos (lista orgulhosamente encabeçada por Gilmar Mendes e Dias Toffoli)? Será que não há entre os 81 senadores 48 parlamentares dispostos a pressionar essa versão revista e atualizada de Renan Calheiros, só que com algumas arroubas a mais?  

E mais uma: Até quando nos submeteremos a preceitos constitucionais estabelecidos por uma assembleia constituinte, durante a "ressaca" dos 21 anos de ditadura militar, que resultaram numa Carta Magna onde a palavra “Direito” é mencionada 76 vezes, enquanto "Dever" surge em quatro oportunidades e "Produtividade” e “Eficiência” em duas e uma, respectivamente. Aliás, o que se poderia esperar de um país com 76 direitos, 4 deveres, 2 produtividades e 1 eficiência, senão uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos divorciadas do mundo real e não raro escritas para fomentar o crime e favorecer os criminosos?

Eduardo Bolsonaro foi crucificado por dizer que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo (a questão é que, no contexto em que ele disse o que disse, só os muito hipócritas teriam classificariam a frase como provocação). Mais recentemente, votou a ser malhado por declarar, em entrevista à jornalista Leda Nagle, que  "[...] se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta, e essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália, mas alguma resposta vai ter que ser dada". Pode-se não concordar com o "radicalismo" do filho do presidente, mas não dá para negar que o que Lula vem fazendo desde que foi solto, graças à vergonhosa jabuticaba suprema que revogou a possibilidade da prisão após a condenação em segunda instância merece, sim, uma resposta à altura. A questão é que a família real-presidencial tem seus esqueletos no armário, tanto é que o próprio Jair Bolsonaro se fechou em copas depois que Dias Toffoli e Gilmar Mendes blindaram seu primogênito das investigações no caso Fabrício Queiroz, que fede feito gangrena e cujo fedor começou a se espalhar antes mesmo das eleições passadas.

Haveria muito mais a dizer, mas hoje é domingo, e domingo pede cachimbo. Portanto, o resto fica para amanhã.