Por alguma razão incerta e não sabida, o Natal fica mais sem graça a cada ano que passa. Não muito
tempo atrás, mal chegava novembro e já se viam miríades de luzinhas piscantes
alegrando a cidade. Hoje, noves fora o comércio em geral e os shopping centers em
particular — que têm interesse em ressuscitar o moribundo "Espírito do
Natal" —, a data passaria em brancas nuvens para os cerca de 33% da população mundial que comemoram no dia 25 de dezembro o nascimento daquele que, acreditam eles, morreu na cruz para salvá-los (foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, por via das dúvidas, livrai-nos, meu Deus, de todo o mal).
Na véspera do Natal de 2009, eu publiquei que Papai Noel era representado
originalmente trajando uma roupa de inverno na cor marrom, que o cartunista
alemão Thomas Nast repaginou a
imagem, exibindo o bom velhinho com a indefectível roupa vermelha com
detalhes em branco e cinto preto, e que o novo layout foi popularizado por uma campanha publicitária da Coca-Cola em 1931, já que o vermelho e o preto eram as cores do
rótulo do refrigerante. Mas há controvérsias.
De acordo com alguns historiadores, Papai Noel é uma adaptação de São Nicolau. Na maioria das representações, ele é retratado como um velhote rechonchudo,
com bochechas rosadas e barbas brancas. Mas Nicolau nasceu numa cidade
portuária onde hoje é a Turquia, o que lhe assegura a tez cor de oliva dos mediterrâneos.
Entre 1931 e 1964, Haddon
Sundblom pintou cenas encantadoras da casa de Papai Noel para a Coca-Cola, e Norman
Rockwell o retratou como um idoso bonachão. Antes
disso, Thomas
Nast já havia desenhado o bom velhinho com seu tradicional casaco vermelho,
barba branca, barriga redonda e cachimbo.
O mais provável é que Nicolau vestisse uma simples túnica e um manto, assim como outros ministros
cristãos de sua era. Até porque casacos de pele não eram necessários na costa mediterrânea. Ademais, é improvável que ele trajasse roupas bordadas de vermelho ou
verde e usasse mitra, estola, luvas e anéis. Primeiro porque o cristianismo era uma religião
minoritária, perseguida e proibida durante cerca de dois terços da vida de Nicolau. Segundo porque ele era pobre e, portanto, não tinha
recursos para luxar — e ainda que os tivesse ele não sairia pela rua todo paramentado, pois a pobreza campeava solta e os assaltantes estavam sempre à espreita.
Tampouco se destacou Nicolau pela disposição e alegria com que foi posteriormente retratado.
No que foi sem dúvida o incidente mais importante de sua vida, registrado pela primeira vez
em meados do século VI, o santo interrompeu uma execução e
confrontou o juiz que
havia dado a sentença até que ele admitisse ter aceitado suborno.
Um artigo da revista National
Geographic, que segue a transformação de Nicolau de santo a Papai
Noel, cita um conto segundo o qual o
bispo teria entregado secretamente três sacos de ouro para o pai de três moças
pobres oferecer como dote, salvando-as de uma vida de
prostituição.
Ao descrever a metamorfose festiva de bispo, o site do
History Channel menciona que o conto
dos três dotes é "uma das mais
conhecidas histórias de São Nicolau", e que, a despeito de essa lenda promover
o santo a entregador de presentes, outra história mais sombria reza que em
meados do século X, na Baixa Saxônia, o bom velhinho teria trazido de volta à vida três
crianças que um criminoso esquartejara e colocara em barris de madeira, para com elas fazer compota. Artistas itinerantes encenaram esse drama em
cidades e vilarejos de toda a Europa, e assim o santo se tornou padroeiro e
protetor das crianças.
Oportuno salientar que no final do século XIX os líderes
cristãos dos Estados Unidos (em sua grande maioria protestantes) proibiram as
celebrações natalinas por considerá-las pagãs. Mas as pessoas queriam comemorar,
sobretudo os trabalhadores braçais, que ficavam ociosos durante o inverno. Assim, muitos deles se embriagavam e iam para as ruas farrear e saquear. E foi assim, de acordo com o historiador canadense Gerry Bowler, que a classe alta nova-iorquina criou a Sociedade
São Nicolau de Nova York, que basicamente reescreveu a história do Natal.
A festa de São
Nicolau era celebrada em 6 de dezembro (data da morte do religioso). No início de século XIX, no entanto, a Reforma Protestante acabou com os santos cristãos e o Natal também foi
deixado de lado em grande parte da Europa. Na Holanda, porém, uma figura
tradicional continuou viva: o Sinterklaas,
que usava uma mitra (chapéu alto e pontudo) de cor vermelha, tinha uma longa
barba branca e era baseado em São
Nicolau. Foi ele que inspirou os nova-iorquinos a tirar os bêbados da rua e
presentear as crianças.
Mais adiante, o escritor Washington Irving escreveu uma série de contos em que São Nicolau voava pelas casas fumando cachimbo e deixando presentes para as crianças bem-comportadas. Anos depois, um
poema anônimo (The Children’s Friend) discorria sobre um personagem chamado Santeclaus, onde um velho gorducho dirigia um trenó puxado
por renas e deixava presentes nas meias das crianças. Por fim, um estudioso
episcopal chamado Clement Clarke Moore
escreveu um poema conhecido como The
Night Before Christmas, no qual São
Nicolau entrava pelas chaminés. A história foi
rapidamente difundida pelos Estados Unidos e, segundo Bowler, no início do século XIX São Nicolau foi padronizado como Santa Claus, o nosso Papai Noel.
Seja qual for a versão verdadeira, faço votos de que o bom velhinho se lembre de nós em mais este Natal
"morno", contaminado pelo caos com e pela desgraceira com que vimos sendo bombardeados diuturnamente
pelo noticiário, e coloque sob a árvore o nosso presentinho. Aliás, cumpre mencionar que os tradicionais "pinheirinhos de Natal" são na verdade tuias — coníferas pertencentes à família Cupressaceae, que têm formato, cor e cheiro característicos dos dias 24 e 25 de dezembro.
Havendo interesse e sobrando tempo, assista a este vídeo. E não deixe de assistir também ao clipe abaixo. Duvido que você não dê umas boas gargalhadas. Aliás, rir é o melhor remédio.