Segue versão condensada de mais um texto brilhante de J.R. Guzzo. O original foi publicado na
coluna do jornalista, na última página de Veja
desta semana.
Nunca aconteceu em
nenhuma democracia do mundo, em nenhuma época, um caso de político que tenha
sido preso por fazer política. Ou seja, nenhum político precisa de “foro
privilegiado” ou “imunidade parlamentar” para se proteger de qualquer tipo de
perseguição quando está no exercício legítimo dos seus direitos e funções ―
venha a perseguição do Executivo, do Judiciário ou de onde vier. Ao mesmo
tempo, segundo a lógica mais simples, vai ser processado como todos os demais
cidadão se roubar o cofre do governo ou der um tiro na cabeça do vizinho.
Não existe “crime político”
em nenhum regime democrático deste planeta. Se for acusado de um ato criminoso,
que arrume um advogado e vá se defender, seja ele deputado, governador ou
astronauta. Se não fez nada proibido nas leis penais, não precisa de imunidade
nenhuma.
Qualquer zé-mané
entende isso em dez minutos. Só não entendem os políticos, magistrados e
intelectuais que raciocinam em bloco e aparecem na mídia ensinando como funciona
o mundo. Na verdade, eles não querem entender. O que querem, isso sim, é
impedir que homens públicos corram o risco de ir para a cadeia ― e não apenas
por corrupção, como é normal esperar de um indivíduo que entra na vida política
brasileira, mas por qualquer crime já praticado por qualquer ser humano desde
que Caim matou Abel.
Se você está achando
que há alguma coisa errada com essa comédia degenerada, espere pelo segundo ato.
O “foro privilegiado” não se limita aos políticos: neste preciso momento, protege
55 mil sujeitos que têm uma licença virtual de cometer crimes, pois torna
praticamente impunes os criminosos que contam com esse privilégio, como diz o
próprio nome da tramoia. É por isso, exatamente, que o Brasil não tem a menor
chance de ser confundido com um país sério.
Entram nesse cardume
prodigioso, além do presidente da República e do vice, todos os ministros de Estado,
os comandantes das três armas e os governadores, deputados federais, senadores,
prefeitos, e mais a ministrada dos “tribunais superiores” (até o do “trabalho”).
Também estão a salvo os conselheiros dos tribunais de contas, os procuradores
federais e estaduais, os desembargadores e juízes estaduais ― enfim, é um
milagre que não tenham enfiado aí os juízes de futebol e os bandeirinhas.
A última tentativa de
acabar com essa aberração, ao que parece, partiu do STF, mas não foi. No mundo das coisas práticas, mais uma vez, houve
muita falação, muita “data venia” e muita cara séria fazendo discurso sobre o “Estado
de direito” ―, mas ação mesmo, que é bom, nada. Como sempre, ficaram ciscando
durante horas a fio numa língua que poderia ser o servo-croata (pior, se fosse
em servo-croata, um cidadão da Sérvia ou da Croácia, pelo menos, entenderia
alguma coisa), e no fim acabaram não indo para diante, nem para trás, nem para
os lados.
Qual é o problema com
essa gente? Existem no mundo coisas permitidas e coisas proibidas. As coisas
proibidas não podem ser feitas ― nenhum cidadão pode cometer estupro, dirigir
embriagado ou assaltar um banco. Não há exceções. E lugar algum está escrito
que há dois tipos de estupro, por exemplo ― o cometido por um indivíduo comum e
o cometido por um dos 55 mil portadores de “foro privilegiado”. Mas aqui as
coisas são feitas para a conversa não acabar nunca.
Os leigos podem não
entender isso ― mas é preciso preservar os “agentes do Estado” de “acusações
injustas”. Se não for assim, o Brasil vai acabar virando uma baderna.
Visite minhas comunidades na Rede
.Link: