segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O BRASIL ENTRE A CRUZ E A CALDEIRINHA



Nicolás Maduro rompeu relações diplomáticas com Bogotá no último sábado, depois de soldados venezuelanos dispararem balas de borracha e atirarem bombas de gás contra manifestantes que, na fronteira, exerciam pressão para garantir a entrada da ajuda humanitária que se deslocou em caminhões da Colômbia. Juan Guaidó, que dezenas de países reconhecem como o presidente interino da Venezuela, busca contribuições da Colômbia, do Brasil e também de Curaçao para enfrentar a profunda crise econômica e a escassez sofrida pela nação petroleira. Maduro está cavando a própria sepultura. E não vai "vai cair de maduro", se me permitem o trocadilho, mas de podre. Enfim, sigamos em frente.

Nos filmes das décadas de 50 e 60, jornaleiros (geralmente meninos) postavam-se nas esquinas e, ao gritos de “Extra!”, “Extra!”, apregoavam edições extraordinárias com manchetes bombásticas. Também era comum vermos o editor do jornal — quase sempre careca e com um charuto meio mastigado no canto da boca — mandado "parar as rotativas" diante de um furo de reportagem. O que isso tem a ver com a postagem de hoje? Nada. Mas essas imagens me cruzaram à mente quando li uma manchete “quase epifânica” publicada pelo Estadão: EX-ASSESSOR DE FLÁVIO DAVA PARTE DO SALÁRIO PARA QUEIROZ!!! (para ler a matéria, clique aqui )

Quer dizer, então, que havia mesmo pedágio no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj? Nossa! Só faltou dizer isso é um fato inédito — como sabemos, a despeito de ser ilegal e imoral, o pedágio é uma prática quase tão velha quanto a própria política. Aliás, política e lisura, se não são conceitos mutuamente excludentes, são tão imiscíveis quanto óleo e água. Mas no país do futuro que nunca chega a corrupção se institucionalizou a tal ponto que, como diria minha avó, “contando, ninguém acredita”. Basta uma rápida pesquisa no Google para ver quantos deputados e senadores que estão no Congresso deveriam estar atrás das grades (e só não estão devido ao empenho de alguns de nossos ministros supremos em preservar o instituto da impunidade).

O descrédito em relação à política e aos políticos não vem de hoje e tampouco é exclusividade tupiniquim. Mas, aqui, sempre que surge uma luz no fim do túnel, ou é miragem, ou é o farol da locomotiva. Em maio de 2016, achamos que o afastamento da anta sacripanta poria um ponto final nos 13 anos, 4 meses e 12 dias de corrupção lulopetista. Mas alegria de pobre dura pouco: o ministério de notáveis prometido pelo vice promovido a titular não tardou a se revelar uma notável agremiação de corruptos. O hoje ex-senador Romero Jucá — que, a exemplo de Renan Calheiros e outros mais, encarna tudo o que não presta na “velha política” — durou uma semana e meia no comando da pasta do Planejamento. Na sequência, caíram Fabiano Silveira (que durou 18 dias no Ministério da Transparência) e Henrique Eduardo Alves (35 dias na pasta do Turismo).

Outros ministros foram caindo feito moscas, a razão de um por mês, em média, até que o vampiro do Jaburu, pego no contrapé pela gravação de sua conversa nada republicana com o açougueiro que ficou bilionário durante as gestões de Lula e Dilma, mandou às favas os escrúpulos, despiu a fantasia de virtuoso e torrou seu considerável capital político na compra do apoio das marafonas do parlamento para sepultar as denúncias apresentadas contra si pelo então procurador-geral Rodrigo Janot. Isso depois de ter afirmado enfaticamente que, litteris: 

A investigação pedida pelo Supremo Tribunal Federal será território onde surgirão todas as explicações, e no Supremo demonstrarei não ter nenhum envolvimento com estes fatos. (...) Não renunciarei. Repito. Não renunciarei”.

Como não poderia deixar de ser, Temer se tornou refém da Câmara dos Corruptos e, vergado sob o peso de uma impopularidade sem precedentes, terminou seu mandato-tampão como um “lame duck” (ou pato manco, que é como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio).

Em 2018, durante o primeiro turno da eleição presidencial mais conturbada da história desta Banânia, nosso “esclarecidíssimo eleitorado” (entre aspas e com todas as ironias de estilo) descartou os insossos candidatos “de centro”, ignorou (felizmente) aberrações como o Cabo Daciolo, Guilherme Boulos, Vera Lucia e afins e convocou os dois “extremados” para disputar o segundo turno. Diante da perspectiva nada alvissareira de o Brasil voltar a ser governado pelo PT e seus satélites — desta feita a partir de uma cela de prisão, no melhor estilho comandante-em-chefe do PCC —, milhões de não-eleitores de Bolsonaro ficaram sem alternativa que não se aliarem aos bolsomínions.

Claro que ninguém (ninguém minimamente racional, bem entendido) acreditaria que o deputado-capitão, com quase 30 anos de janela na Câmara Federal, tivesse um passado ilibado como o da Madre Tereza de Calcutá. Mas poucos imaginavam que seu governo viria a ser sistematicamente desestabilizado pelo “fogo amigo” disparado pelos “príncipes herdeiros”, que usam suas contas no Twitter como metralhadoras giratórias sem controle. Ou que o Presidente em pessoa fosse dado a enxergar complôs e deslealdades em cada esquina.

Desde a campanha que Bolsonaro reclama de supostas conspirações orquestradas por inimigos declarados e imaginários. Empossado, passou a desconfiar de traições também de integrantes graduados do governo. Como se não bastasse, mostrou-se inabilidoso em momentos de crise: a demissão de Bebianno, que contou com a participação decisiva de zero dois, só ganhou relevância graças à maneira canhestra com que o Presidente tratou o caso (quando bastaria ter "tirado as crianças da sala e dado ouvidos aos adultos", se é que me faço entender). Nos primeiros dez dias de governo, ele fez três anúncios públicos que logo foram corrigidos por seus auxiliares, e enfileiro declarações desencontradas sobre a mudança da embaixada brasileira em Israel, a instalação de uma base militar americana no Brasil e a extinção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

No episódio gerou a crise “que só não existiu no 'mundo real' do ministro da Justiça e Segurança Pública”, pouco importa se Carluxo fez “macumba psicológica”, se agiu envenenado pelo ciúme, deslumbrado pelo poder ou ressentido por não ter ganhado um cargo no governo. O que preocupa é a inabilidade demonstrada pelo Presidente e pelo alto escalão do governo para lidar com a situação, e, por que não dizer, o arrepiante déjà-vu proporcionado pela demissão de um ministro depois de míseros 48 dias no cargo, e, pior, de o pivô desse salseiro não ser a oposição, mas um dos “príncipes herdeiros”, que, num passe de mágica, transformou o advogado, articulador da campanha, factótum e amigo do peito do pai em homem-bomba com potencial para jogar um trem de merda no ventilador e apontá-lo para o núcleo do governo.

O Planalto afirma que isso é página virada, que a questão foi superada, e que a Velhinha de Taubaté já psicografou um post dizendo que acredita. Tomara que ela esteja certa. Errar faz parte do aprendizado, mas quem não aprende com os erros que comete está fadado a repeti-los. E insistir no erro esperando que uma hora ele se transforme em acerto é a melhor definição de cretinice que eu conheço.

É por essas e outras que os brasileiros de bem perderam a fé na política e nos políticos. Claro que isso não se aplica aos devotos da seita do inferno, cuja fidelidade canina ao presidiário de Curitiba não lhes permitiria raciocinar nem se tivessem um mísero par de neurônios funcionais. Mutatis mutandis, o mesmo se pode dizer dos defensores atávicos de Bolsonaro, dada a dificuldade que eles têm de perceber que algo cheira mal no reino da Dinamarca, ou melhor, no Palácio do Planalto. Para os demais, fica difícil levar a sério um Congresso que funciona de terça a quinta e só reúne quórum quando a pauta interessa diretamente aos nobres congressistas. Onde deputados — supostamente representantes do povo — se comportam como galos de rinha durante as sessões, formando blocos fisiologistas e clientelistas, sem qualquer viés ideológico, para aprovar ou derrubar projetos em troca de cargos, verbas e emendas parlamentares.

E o que dizer do Judiciário — o derradeiro depositário das nossas esperanças —, se ministros supremos se digladiam diante das câmeras e promovem barracos que constrangeria até as marafonas de um puteiro de quinta classe? Salvo raras e honrosas exceções, suas excelências têm deixado claro que priorizam os próprios interesses e, se calhar, concedem parte de seu precioso tempo, como quem atira migalhas aos pombos, às questões que realmente interessam à nação. Depois, quando são confrontados pelos cidadãos inconformados em ver criminosos condenados deixarem a cadeia pela porta da frente (caso de Jacob Barata, Paulo Maluf, José Dirceu e tantos outros), zombando da lei e escarnecendo da população que roubaram descaradamente por anos a fio, mandam a PF prender os insurrectos — como fez Ricardo Lewandowsky em dezembro do ano passado, ao sentir “ofendido” pelo advogado Cristiano Caiado Acioli (durante um voo de São Paulo para Brasília), embora o “ofensor” tivesse apenas exercido seu direito constitucional de dizer como se sentia em relação ao STF e a vergonha que tinha de ser brasileiro.

Isso nos leva a Gilmar Mendes, o superministro supremo e autodeclarado representante de Deus na Terra, que, se não bastassem os péssimos serviços que preta à nação, vem atirando contra tudo e contra todos depois que a Receita Federal apontou indícios de lavagem de dinheiro nas movimentações financeiras dele e de sua digníssima esposa. 

Para não encompridar ainda mais esta matéria, os detalhes ficam para amanhã (a quem interessar possa, eu já publiquei algumas considerações interessantes sobre os ministros do Supremo — para acessá-las, clique aqui e aqui).