Durante os dois curtos períodos que Michel Temer passou atrás das grades, os brasileiros puderam se orgulhar de ter 2 ex-presidentes presos: Lula — que é réu em uma dezena de ações penais, já foi julgado e condenado em duas e goza da hospitalidade da Superintendência da PF em Curitiba desde abril do ano passado — e o Vampiro do Jaburu — que é alvo de cinco investigações por corrupção, organização criminosa, obstrução de justiça e lavagem de dinheiro (que baixaram do STF para a primeira instância depois que o trevoso perdeu a prerrogativa de foro especial).
Somente FHC, Itamar (morto em 2011) e Sarney não foram envolvidos em processos de impeachment nem presos após deixarem o cargo. Fernando Collor de Mello — que renunciou em 1992 para não ser cassado e hoje é senador pelo estado das Alagoas — é réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e comando de organização criminosa também no âmbito das investigações da Lava-Jato (ainda não foi preso), e Dilma — que foi penabundada em 2016 —, ré por participação em organização criminosa (aliás, basta ser do PT para participar de organização criminosa, mas isso é outra conversa).
Sarney foi investigado por interferir nas investigações da Lava-Jato e chegou a ser denunciado em 2017. Devido à idade avançada do eterno donatário da capitania do Maranhão, que completará 90 anos se viver até abril do ano que vem, o então relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki, não só negou um pedido domiciliar conta ele como determinou o arquivamento da denúncia — não custa lembrar que, como nossa legislação incentiva o crime e dificulta sua punição, o prazo prescricional cai pela metade quando os gatunos (*) completam 70 anos de idade.
(*) Gatuno (do castelhano gatuno, "relacionado com gato"): aquele que furta e se apodera do que não lhe pertence; ladrão; [p. ext.] pessoa que ganha dinheiro de maneira ilegal, geralmente causando prejuízos a alguém; trambiqueiro, vigarista.
Felinos são independentes, voluntariosos, não vêm quando os chamamos e não fazem o que queremos — a não ser que os motivemos, mas o que os motiva não é exatamente fazer-nos felizes. Da mesma forma que se frustra o incauto que adota um bichano achando que ele se comportará como um cão, dá com os burros n'água o eleitor que vota num candidato a vereador ou deputado (tanto estadual quanto federal) achando que está escolhendo seu representante.
O presidente da República, os governadores dos Estados e os prefeitos dos cerca de 5.600 municípios tupiniquins são eleitos pelo voto majoritário (ganha aquele que obtiver mais votos), mas nas eleições proporcionais a votação de cada candidato é influenciada pela soma dos votos dos candidatos do partido/coligação e pelos os votos de legenda — em outras palavras, o eleitor dá ao Rei Herodes o acesso ao berçário, pois vota no gato de sua preferência e os sufrágios que “sobram” dos mais votados elegem outros gatunos do mesmo partido ou coligação.
Não surpreende, portanto, que depois depois do ímpeto reformista que colocou em pé a reforma da Previdência a ala bandalha do Congresso volte a elaborar projetos e emendas como quem joga bosta na parede. Se colar, colou. Para os adeptos dessa tática não existe noção de certo ou errado. Há coisas que são absorvidas e outras que pegam mal. Quando pega muito mal, como no caso do projeto que aplicou a lógica do "liberou geral" nas regras eleitorais e partidárias, promove-se um recuo tático. Os senadores deram meia-volta, mas os deputados voltaram ao esterqueiro que é seu habitat natural para selecionar os pedaços de desfaçatez que achavam possível colar novamente na parede.
Atualização: A reação que a primeira versão do projeto provocou na opinião pública deveria ter mostrado aos deputados, como mostrou aos senadores, que jogadas em benefício próprio não são mais aceitas. Muita coisa foi removida da versão original, mas restaram brechas preocupantes, que certamente serão contestadas no STF. Todavia, sendo os togados quem são e considerando a "independência" dos Poderes, dificilmente o tribunal mudará alguma coisa. Resta ver se Bolsonaro vai ter peito de vetar a mixórdia — façam suas apostas — e, caso negativo, rezar para que o TSE atue com firmeza nesta área.
Como bem analisou Josias
de Souza em sua participação no Jornal
da Gazeta da última quarta-feira, essa movimentação é a prova provada de
que a história que começou a ser escrita no em junho de 2013 virou um pesadelo
do qual o Brasil não consegue acordar. Há seis anos, as ruas roncaram para
reivindicar menos roubalheira, mais prosperidade e serviços públicos decentes.
O sistema político ofereceu na época uma espécie de Bolsa Teatro. Entrou em cartaz um espetáculo de cinismo. Vieram a
Lava-Jato, o impeachment de Dilma, o
entreato apodrecido de Temer e a
eleição de Bolsonaro, um personagem
antissistema cuja Presidência se ajusta gradativamente ao seu passado
sistêmico.
O esforço para a restauração da imoralidade não se limita ao
Legislativo. Há adeptos da volta ao
passado no Executivo e também no Judiciário. Se essa movimentação revela
alguma coisa, é que 2013 tornou-se o ano mais longo da história do Brasil. E
ainda vai longe. A diferença em relação ao passado é que o cinismo agora
encontra resistência. Afinal, o brasileiro continua de saco cheio de sua própria realidade.
A ala bandalha do Congresso não perde a oportunidade de
perder oportunidades. Ao ressuscitar parte
das regras que o Senado havia sepultado na véspera — entre as quais
excrescências como uma brecha para o caixa dois e uma fenda para candidaturas
de políticos com ficha suja — os deputados abriram uma janela de oportunidade
que Jair Bolsonaro pode, se quiser,
aproveitar. O capitão terá 15 dias para decidir se sanciona ou veta (total ou parcialmente)
as novas velhas regras eleitorais e partidárias. Resta saber de que lado sua
excelência se sentirá mais confortável. Se vetar as espertezas da Câmara, será
ovacionado nas redes sociais, seu habitat natural. Sancionando as indecências,
fará média com o centrão.
Como se um já não bastasse, há dois Bolsonaros na praça, e o que se elegeu como presidenciável antissistema vetaria essa vergonha. Mas o que exerce a Presidência aproximando-se do seu próprio passado sistêmico talvez prefira não enfiar o dedo em favo de mel para não ter que fugir das abelhas do centrão. A conferir.
Como se um já não bastasse, há dois Bolsonaros na praça, e o que se elegeu como presidenciável antissistema vetaria essa vergonha. Mas o que exerce a Presidência aproximando-se do seu próprio passado sistêmico talvez prefira não enfiar o dedo em favo de mel para não ter que fugir das abelhas do centrão. A conferir.