sábado, 5 de agosto de 2017

DEU NO QUE DEU; AGORA, BOLA PRA FRENTE E SEJA O QUE DEUS QUISER

Até meados de julho, a impressão que se tinha era de que a Câmara dos Deputados autorizaria o prosseguimento do inquérito contra Michel Miguel Elias Temer Luria. Mas o cenário mudou depois que o presidente, com a expertise inata dos libaneses, forrou “o balcom do lojinha” com R$ 2 bilhões e comprou tanto o parecer favorável ao sepultamento da denúncia na CCJ quanto o apoio de uma penca de parlamentares que atuam no Congresso como marafonas na zona do baixo meretrício (com o devido respeito às meretrizes “de verdade”). Assim, na noite da última quarta-feira, por 263 votos a 227, nossos conspícuos deputados decidiram deixar o dito pelo não dito e autorizaram o atual inquilino do Palácio do Planalto a permanecer lá até a próxima denúncia ― e Janot prometeu apresentar mais duas antes de deixar o comando da PGR, em meados de setembro.

Temer comemorou a vitória com um sorrisinho idiota no rosto. Eram necessários 172 votos para varrer a denúncia para debaixo do tapete, e ele obteve um excedente de 91, enquanto oposição ficou distante 79 votos dos 342 que teriam de conseguir para autorizar o STF a investigar sua insolência. A conclusão que se tira disso é a seguinte: O PT e seus congêneres não tiveram força para derrubar “o melhor presidente que eles próprios fizeram eleger”, nem tampouco lograram êxito em robustecer suas fileiras com parlamentares que até estavam propensos a votar contra o governo, mas não o fizeram para evitar o constrangimento de ter sua imagem associada à patuleia radical, comandada por imprestáveis que pugnam pela volta de Lula ― um hexa-réu já sentenciado a 9 anos e 6 meses de prisão que afronta a sociedade de bem posando de candidato, talvez por achar que escapar da cadeia conte como projeto eleitoral.

Ainda que Rodrigo Maia tenha limitado a 5 segundos o tempo que cada deputado teria para declarar seu voto, quase todos se derramaram em justificativas estapafúrdias, como ocorreu na votação do impeachment de Dilma, quando alguns votaram “pela Pátria”, “por Deus”, “pela Democracia”, “pelos respectivos Estados de origem”, “por seus queridos eleitores”, “pela família”, “pela sogra”, “pelo papagaio”, e assim por diante. Desta feita, os deputados de esquerda juntaram a seu besteirol o indefectível “Fora Temer!” e relembraram a deposição daquela que, em sua visão míope, foi uma “presidanta honesta, competenta, e blá, blá, blá”. Outros afirmaram votar contra Temer por serem contra as “reformas” ― o que é um disparate, considerando que o que estava em discussão era autorizar ou não a investigação do presidente, pelo Supremo, por crime de corrupção passiva.

Também não faltaram desinformados que justificaram seus votos dizendo que “as provas eram insuficientes para condenar o presidente”, ainda que não lhes competia entrar nesse mérito ― o que lhes cabia, isso sim, era autorizar ou não o prosseguimento da investigação e deixar os ministros da nossa mais alta Corte decidirem se Temer é ou não culpado dos crimes que lhe foram atribuídos pela PGR. Houve até alguns abilolados que garantiram ter lido integralmente o libelo acusatório e a defesa, e por isso votavam assim ou assado, embora bastasse ouvi-los tartamudear seus discursos apedeutas para constatar seu grau de instrução jamais lhes permitiria tal proeza ― o que não chega a surpreender, considerando que o Brasil foi presidido durante oito 8 anos por um semianalfabeto confesso, e como a “qualidade” dos “representantes do povo” reflete o nível intelectual do eleitorado, a coisa não poderia mesmo ser diferente.

Alguns deputados justificaram seu apoio ao governo afirmando que a troca de mandatário resultaria em mais instabilidade política ― o que faz sentido ―, e que a investigação no Supremo acontecerá mais adiante, depois que o presidente deixar o cargo ― o que também faz sentido. O que não faz sentido é deixar o lobo tomando do rebanho enquanto o cão pastor não chega. São inegáveis os indícios de que existe, sim, algo de muito podre na conversa entre Temer e Joesley, e que fede ainda mais diante do flagrante de Rocha Loures arrastando pela rua uma mala com R$ 500 mil. “Ah, mas não ficou provado que o dinheiro era para o presidente”, disse o causídico contratado para defender sua insolência. Mas não é justamente para apurar os fatos e identificar a prática de atos ilícitos que os inquéritos são instaurados? Vá fazer pouco caso da inteligência alheia na PQP, doutor Mariz.

Barrada a primeira denúncia e até que a próxima seja apresentada, espera-se que Michel Temer dispa a fantasia de mascate do planalto e volte ao trabalho que é pago para fazer. Afinal, desde o momento em que sua conversa clandestina com Joesley Batista e o vídeo do homem da mala ― pessoa da mais estrita confiança do presidente, segundo o próprio presidente ― vieram a público, Temer deixou de governar e passou a cuidar de sua defesa em tempo integral.

Se a maneira como a coisa terminou foi a melhor possível, isso eu não sei dizer. Para alguns analistas, a derrota do governo agravaria ainda mais a crise, pois obstaria a aprovação das reformas em andamento, com destaque para a da Previdência, sem a qual logo faltarão recursos para pagar aposentados e pensionistas do INSS. Todavia, o número de votos para aprovar PECs como essa é de 308 ― bem além, portanto, dos 263 votos que livraram o rabo de Michel Temer na última quarta-feira. 

Enfim, com o arquivamento da denúncia, a ordem no Planalto é sacudir a poeira, seguir com a agenda e torcer para que a nação esqueça o episódio da mala milionária recebida pelo cupincha Rodrigo Loures. Mas Janot fez seu estoque de bambu e deve disparar novas flechas contra o Planalto, e o placar conquistado na Câmara, na última quarta-feira, pode não se repetir nas próximas vezes, a depender de inúmeras imponderáveis, como o conteúdo de possíveis acordos de colaboração, como os que estão sendo negociados por Eduardo Cunha e Lúcio Funaro.

Em seu discurso de comemoração, Temer tornou a dizer que “é preciso colocar o país nos trilhos do crescimento, da modernização e da Justiça”. Mas o que não disse é que a Justiça que a sociedade deseja não é exatamente a mesma Justiça que interessa a ele e a seus aliados. E que, se for preciso mandar a conta para o contribuinte, que assim seja ― haja vista o aumento imoral nos preços da gasolina, do diesel e do álcool, que ainda pode ser revertido pelo STF (a ministra Rosa Weber concedeu prazo de 5 dias para o presidente se manifestar sobre o aumento da alíquota do PIS/COFINS que incide sobre os combustíveis).

Enquanto isso, o PSDB continua em cima do muro, negando, inclusive, o racha no partido ― tucanos são tão indecisos que, se houver mais de um banheiro na casa, eles cagam no corredor. Mas não é de se desprezar o fato de 21 deputados do partido terem votado pelo prosseguimento da denúncia contra Temer. Aliás, alguns tucanos entendem que o partido deve desembarcar do governo, mas continuar apoiando as reformas (enquanto isso, eles comandam 4 ministérios; afinal, ninguém é de ferro). Já Rodrigo Maia ― presidente da Câmara, investigado na Lava-Jato e virtual presidente interino no caso de Temer ser afastado ― disse que a vitória de quarta-feira foi uma boa notícia para o governo, mas que os votos conquistados estão longe de ser suficientes para aprovar a reforma previdenciária (aliás, até um burro do meu tamanho foi capaz de chegar à mesma conclusão, conforme eu escrevi linhas atrás).

Falando rapidamente no Botafogo ― ou Bolinha, como queiram), tirar Temer da presidência para colocar em seu lugar o dito-cujo ou outro “gigante” da política tupiniquim é uma piada. Até porque, como ponderou J.R. Guzzo em sua coluna, “ninguém, em nenhum momento, conseguiu encontrar um único fato, por mais miserável que fosse, capaz de mostrar alguma diferença para melhor entre o cidadão que queriam enfiar no Palácio do Planalto e o cidadão que queriam despejar de lá”. Mas vamos deixar para tratar dessa questão numa próxima oportunidade, pois este texto ficou bem mais longo do que deveria.

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