Até meados de julho, a impressão que se tinha era de
que a Câmara dos Deputados autorizaria o prosseguimento do inquérito contra Michel
Miguel Elias Temer Luria. Mas o cenário mudou depois que o presidente, com
a expertise inata dos libaneses, forrou “o
balcom do lojinha” com R$ 2 bilhões e comprou tanto o parecer
favorável ao sepultamento da denúncia na CCJ quanto o apoio de uma penca
de parlamentares que atuam no Congresso como marafonas na zona do baixo
meretrício (com o devido respeito às meretrizes “de verdade”). Assim, na noite
da última quarta-feira, por 263 votos a 227, nossos conspícuos deputados
decidiram deixar o dito pelo não dito e autorizaram o atual inquilino do
Palácio do Planalto a permanecer lá até a próxima denúncia ― e Janot
prometeu apresentar mais duas antes de deixar o comando da PGR, em
meados de setembro.
Temer comemorou a vitória com um sorrisinho idiota no
rosto. Eram necessários 172 votos para varrer a denúncia para debaixo do
tapete, e ele obteve um excedente de 91, enquanto oposição ficou distante 79
votos dos 342 que teriam de conseguir para autorizar o STF a investigar
sua insolência. A conclusão que se tira disso é a seguinte: O PT e seus
congêneres não tiveram força para derrubar “o melhor presidente que eles
próprios fizeram eleger”, nem tampouco lograram êxito em robustecer suas
fileiras com parlamentares que até estavam propensos a votar contra o governo,
mas não o fizeram para evitar o constrangimento de ter sua imagem associada à
patuleia radical, comandada por imprestáveis que pugnam pela volta de Lula
― um hexa-réu já sentenciado a 9 anos e 6 meses de prisão que afronta a
sociedade de bem posando de candidato, talvez por achar que escapar da
cadeia conte como projeto eleitoral.
Ainda que Rodrigo Maia tenha limitado a 5
segundos o tempo que cada deputado teria para declarar seu voto, quase todos se
derramaram em justificativas estapafúrdias, como ocorreu na votação do
impeachment de Dilma, quando alguns votaram “pela Pátria”, “por Deus”, “pela
Democracia”, “pelos respectivos Estados de origem”, “por seus queridos
eleitores”, “pela família”, “pela sogra”, “pelo papagaio”, e assim por diante. Desta
feita, os deputados de esquerda juntaram a seu besteirol o indefectível “Fora
Temer!” e relembraram a deposição daquela que, em sua visão míope, foi uma
“presidanta honesta, competenta, e
blá, blá, blá”. Outros afirmaram votar contra Temer por serem contra as
“reformas” ― o que é um disparate, considerando que o que estava em discussão
era autorizar ou não a investigação do presidente, pelo Supremo, por crime
de corrupção passiva.
Também não faltaram desinformados que justificaram
seus votos dizendo que “as provas eram insuficientes para condenar o
presidente”, ainda que não lhes competia entrar nesse mérito ― o que lhes
cabia, isso sim, era autorizar ou não o prosseguimento da investigação e deixar
os ministros da nossa mais alta Corte decidirem se Temer é ou não
culpado dos crimes que lhe foram atribuídos pela PGR. Houve até alguns
abilolados que garantiram ter lido integralmente o libelo acusatório e a
defesa, e por isso votavam assim ou assado, embora bastasse ouvi-los
tartamudear seus discursos apedeutas para constatar seu grau de instrução jamais
lhes permitiria tal proeza ― o que não chega a surpreender, considerando que o
Brasil foi presidido durante oito 8 anos por um semianalfabeto confesso, e como
a “qualidade” dos “representantes do povo” reflete o nível intelectual do
eleitorado, a coisa não poderia mesmo ser diferente.
Alguns deputados justificaram seu apoio ao governo
afirmando que a troca de mandatário resultaria em mais instabilidade
política ― o que faz sentido ―, e que a investigação no Supremo
acontecerá mais adiante, depois que o presidente deixar o cargo ― o que
também faz sentido. O que não faz sentido é deixar o lobo tomando do rebanho
enquanto o cão pastor não chega. São inegáveis os indícios de que existe,
sim, algo de muito podre na conversa entre Temer e Joesley, e que
fede ainda mais diante do flagrante de Rocha Loures arrastando pela rua
uma mala com R$ 500 mil. “Ah, mas não ficou provado que o dinheiro era
para o presidente”, disse o causídico contratado para defender sua insolência.
Mas não é justamente para apurar os fatos e identificar a prática de atos
ilícitos que os inquéritos são instaurados? Vá fazer pouco caso da inteligência
alheia na PQP, doutor Mariz.
Barrada a primeira denúncia e até que a próxima seja
apresentada, espera-se que Michel Temer dispa a fantasia de mascate
do planalto e volte ao trabalho que é pago para fazer. Afinal, desde o
momento em que sua conversa clandestina com Joesley Batista e o vídeo do
homem da mala ― pessoa da mais estrita confiança do presidente, segundo
o próprio presidente ― vieram a público, Temer deixou de governar e
passou a cuidar de sua defesa em tempo integral.
Se a maneira como a coisa terminou foi a melhor
possível, isso eu não sei dizer. Para alguns analistas, a derrota do governo
agravaria ainda mais a crise, pois obstaria a aprovação das reformas em
andamento, com destaque para a da Previdência, sem a qual logo faltarão
recursos para pagar aposentados e pensionistas do INSS. Todavia, o
número de votos para aprovar PECs como essa é de 308 ― bem além, portanto,
dos 263 votos que livraram o rabo de Michel Temer na última
quarta-feira.
Enfim, com o arquivamento da denúncia, a ordem no
Planalto é sacudir a poeira, seguir com a agenda e torcer para que a nação
esqueça o episódio da mala milionária recebida pelo cupincha Rodrigo Loures.
Mas Janot fez seu estoque de bambu e deve disparar novas flechas contra
o Planalto, e o placar conquistado na Câmara, na última quarta-feira, pode não se
repetir nas próximas vezes, a depender de inúmeras imponderáveis, como o
conteúdo de possíveis acordos de colaboração, como os que estão sendo
negociados por Eduardo Cunha e Lúcio Funaro.
Em seu discurso de comemoração, Temer tornou a dizer que “é preciso
colocar o país nos trilhos do crescimento, da modernização e da Justiça”.
Mas o que não disse é que a Justiça que a sociedade deseja não é exatamente
a mesma Justiça que interessa a ele e a seus aliados. E que, se for preciso
mandar a conta para o contribuinte, que assim seja ― haja vista o aumento
imoral nos preços da gasolina, do diesel e do álcool, que ainda pode ser
revertido pelo STF (a ministra Rosa Weber concedeu prazo de 5 dias para o presidente se manifestar sobre o aumento da
alíquota do PIS/COFINS que incide sobre os combustíveis).
Enquanto isso, o PSDB continua em cima do
muro, negando, inclusive, o racha no partido ― tucanos são tão indecisos
que, se houver mais de um banheiro na casa, eles cagam no corredor. Mas não
é de se desprezar o fato de 21 deputados do partido terem votado pelo prosseguimento da denúncia contra
Temer. Aliás, alguns tucanos entendem que o partido deve desembarcar
do governo, mas continuar apoiando as reformas (enquanto isso, eles
comandam 4 ministérios; afinal, ninguém é de ferro). Já Rodrigo Maia ―
presidente da Câmara, investigado na Lava-Jato e virtual presidente interino no
caso de Temer ser afastado ― disse que a vitória de quarta-feira foi uma
boa notícia para o governo, mas que os votos conquistados estão longe de ser
suficientes para aprovar a reforma previdenciária (aliás, até um burro do meu
tamanho foi capaz de chegar à mesma conclusão, conforme eu escrevi linhas
atrás).
Falando rapidamente no Botafogo ― ou Bolinha,
como queiram), tirar Temer da presidência para colocar em seu lugar o
dito-cujo ou outro “gigante” da política tupiniquim é uma piada. Até porque,
como ponderou J.R. Guzzo em sua coluna, “ninguém, em nenhum momento,
conseguiu encontrar um único fato, por mais miserável que fosse, capaz de
mostrar alguma diferença para melhor entre o cidadão que queriam enfiar no
Palácio do Planalto e o cidadão que queriam despejar de lá”. Mas vamos
deixar para tratar dessa questão numa próxima oportunidade, pois este texto
ficou bem mais longo do que deveria.
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