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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A CORRUPÇÃO INSTITUCIONALIZADA E A APROVAÇÃO DE AUGUSTO ARAS




ATUALIZAÇÃO: Não tive como acompanhar integralmente o lamentável espetáculo circense protagonizado pelo pleno do STF na tarde de ontem, mas vi o suficiente para me dar conta de que não perdi grande coisa. No final, o supremo conciliador adiou a sessão, dada a importância do voto de todos os ministros (não sei se anjinho barroco primo de Collor não participou da função ou teve de sair mais cedo, como, aliás, já fez em outros julgamentos importantes).

Dos trechos reprisados pelos telejornais, ficou claro que o alinhamento entre os ministros Fachin, Fux Barroso não bastou para neutralizar a ação perversa do trio calafrio, ora reforçado por Cármen Lucia e Alexandre de Moraes (o ex-advogado do PCC que até lustrou a calva para proferir um voto ainda mais brilhante). E um aparte da única membra egressa da magistratura me levou a lucubrar se não teria sido inspirado nessa senhora o dito popular segundo o qual "em barriga de criança e cabeça de juiz não se pode confiar".

Observação: Saliento que não se trata de enxovalhar magistrados que julgam em desacordo com minhas convicções e enaltecer quem decide a favor, mas sim de repudiar enfaticamente o nítido propósito da banda podre de libertar Lula, o sórdido, e voltar o tempo até a era pré-lava-jato, quando poderosos roubavam livre, impune e descaradamente.

Nos jornais da noite, analistas, juristas e palpiteiros de plantão emitiram pareceres tão contraditórios que eu achei prudente esperar a poeira baixar para avaliar as dimensões do estrago e especular o que nos reserva a sessão da próxima quarta-feira. Não obstante, pareceu-me claro que a banda garantista dos togados supremos (ou banda podre, se preferirem) continua pavimentando a estrada dos tijolos vermelhos. Também ficou claro que os magníficos do Circo Marambaia preferem usurpar as funções dos congressistas e legislar, em vez de, como lhes caberia fazer, simplesmente interpretar a Constituição.

Dias atrás, sonhei que fortes lufadas de vento sopraram as chamas das queimadas na Amazônia legal até o DF, carbonizando o Congresso, a Praça dos Três Poderes, o STF, o Palácio do Planalto e adjacências — e numa quarta-feira, ainda por cima, quando o circo supremo está armado e os parlamentares se dignam de aparecer na Câmara e no Senado. Quando acordei, achei que fosse um pesadelo. Agora, porém, acho que foi mais um sonho que não se realizou. Enfim, bola pra frente.   

Num país que arrecada anualmente quase 3 trilhões em impostos, faltar dinheiro até para o giz das escolas públicas e a gaze das unidades do SUS seria um mistério digno das histórias de Sherlock Holmes, não o fato de ser público e notório que a rapinagem do Erário, institucionalizada para perpetuar o lulopetralhismo no poder, seja de causar inveja aos 40 ladrões da história de Ali Babá.

Mas a roubalheira nem sempre é sub-reptícia: deputados federais e senadores trabalham 3 dias por semana e ganham mais de R$ 100 mil por mês (somando os gordos salários às malandragens disfarçadas de “auxílios” ou “verbas adicionais”). Enquanto isso, na outra ponta da corda, boa parte da população que ainda tem emprego e recebe salário mínimo (R$ 998) não conseguiria juntar R$ 100 mil numa única vida, mesmo que trabalhasse 7 dias por semana em dois empregos.

Graças ao ritmo indolente dos parlamentares e às picuinhas de certo senador amapaense que acontece de ser o presidente do Senado, a reforma da Previdência vai consumir um ano legislativo inteiro até ser aprovada, de onde se conclui que a semana de três dias, no Congresso, não é uma questão trabalhista, mas um caso de polícia — e como tal deve ser tratado.

Dito isso, voltemos o foco para a aprovação de Augusto Aras, começando por dizer que o resultado da sabatina foi surpreendente, na medida em que apenas 10 dos 78 senadores que se dignaram de votar não sucumbiram ao canto da sereia, ou melhor, do bagre ensaboado travestido de procurador, que, segundo o próprio, agirá com total independência (e poderia fazê-lo se quisesse, pois tem emprego garantido pelos próximos dois anos). Porém, colocando a coisa em perspectiva, nota-se que a maioria dos senadores que o aprovou Aras fê-lo para destilar potes de fel contra o Ministério Público, a Lava-Jato, o Judiciário em geral e o STF em especial.

Não se conhece o teor das conversas reservadas que o então candidato a PGR manteve com 74 senadores durante o périplo de beija-mão, nem tampouco o que ele prometeu a Bolsonaro nos vários encontros que tiveram a portas fechadas, antes de depois da indicação. Mas ficou claro, durante a sabatina, que Aras parecia pisar em ovos, tamanho o cuidado de dizer exatamente o que suas excelências queriam ouvir. Suas ponderações, contra ou a favor fosse do que fosse, sempre continham um "mas", um "porém", um "entretanto" ou outra conjunção adversativa, depois da qual vinha inevitavelmente o contraponto. Segundo Josias de Souza, o sabatinado foi tão escorregadio que deu a impressão de ser a favor de tudo ou absolutamente contra qualquer outra coisa, desde que o Senado avalizasse sua indicação.

JFK dizia que a fórmula do fracasso é tentar agradar a todos ao mesmo tempo. Mas o presidente americano não conhecia nosso novo procurador-geral — que José Nêumanne alcunhou de "ensaboador-geral", num trocadilho inspirado no ex-procurador Geraldo Brindeiro, que ganhou o apelido nada enaltecedor de "engavetador-geral" (cuja obviedade dispensa explicações).

Aras compareceu à CCJ do Senado imbuído da certeza de que jogava um jogo jogado e, para não estragar o placar, adotou um timbre ensaiado. Observou-se durante a sabatina uma cena inusitada: Renan Calheiros fez rasgados elogios à indicação feita por Jair Bolsonaro. Como também é público e notório, o abigeatário senador alagoano é freguês de caderneta da Lava-Jato e convive no Senado com Flávio Bolsonaro, investigado pelo MP/RJ por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro, e interessa a ambos aplicar um sedativo no aparato investigatório do Estado.

Resta torcer para que Aras perceba que, uma vez aprovado, não deve satisfações a ninguém, exceto à Constituição e à sociedade brasileira. Isso, porém, só sua atuação à frente da PGR poderá responder.