ATUALIZAÇÃO: Não tive como acompanhar integralmente o lamentável espetáculo circense protagonizado pelo pleno do STF na tarde de ontem, mas vi o suficiente para me dar conta de que não perdi grande coisa. No final, o supremo conciliador adiou a sessão, dada a importância do voto de todos os ministros (não sei se anjinho barroco primo de Collor não participou da função ou teve de sair mais cedo, como, aliás, já fez em outros julgamentos importantes).
Dos trechos reprisados pelos telejornais, ficou claro que o
alinhamento entre os ministros Fachin,
Fux e Barroso não
bastou para neutralizar a ação perversa do trio calafrio, ora reforçado por Cármen Lucia e Alexandre de Moraes (o ex-advogado
do PCC que até lustrou a calva para
proferir um voto ainda mais brilhante). E um aparte da única membra egressa da
magistratura me levou a lucubrar se não teria sido inspirado nessa senhora o dito
popular segundo o qual "em barriga de criança e cabeça de juiz não se pode
confiar".
Observação: Saliento que não se trata de enxovalhar magistrados que julgam em desacordo com minhas convicções e enaltecer quem decide a favor, mas sim de repudiar enfaticamente o nítido propósito da banda
podre de libertar Lula, o sórdido, e
voltar o tempo até a era pré-lava-jato, quando poderosos roubavam livre, impune
e descaradamente.
Nos jornais da noite, analistas, juristas e palpiteiros de
plantão emitiram pareceres tão contraditórios que eu achei prudente esperar a
poeira baixar para avaliar as dimensões do estrago e especular o que nos
reserva a sessão da próxima quarta-feira. Não obstante, pareceu-me claro que a
banda garantista dos togados supremos (ou banda podre, se preferirem) continua
pavimentando a estrada dos tijolos vermelhos. Também ficou claro que os
magníficos do Circo Marambaia preferem usurpar as funções dos congressistas e
legislar, em vez de, como lhes caberia fazer, simplesmente interpretar a Constituição.
Dias atrás, sonhei que fortes lufadas de vento sopraram as
chamas das queimadas na Amazônia legal até o DF, carbonizando o Congresso,
a Praça dos Três Poderes, o STF, o Palácio do Planalto e adjacências — e numa quarta-feira, ainda por
cima, quando o circo supremo está armado e os parlamentares se dignam de
aparecer na Câmara e no Senado. Quando acordei, achei que fosse um pesadelo.
Agora, porém, acho que foi mais um sonho que não se realizou. Enfim, bola pra
frente.
Num país que arrecada anualmente quase 3 trilhões em impostos, faltar dinheiro até para o giz das escolas públicas e a gaze das unidades do SUS seria um mistério digno das histórias de Sherlock Holmes, não o fato de ser público e notório que a rapinagem do Erário, institucionalizada para perpetuar o lulopetralhismo no poder, seja de causar inveja aos 40 ladrões da história de Ali Babá.
Mas a roubalheira nem sempre é sub-reptícia: deputados federais e senadores trabalham
3 dias por semana e ganham mais de R$
100 mil por mês (somando os gordos salários às malandragens disfarçadas de
“auxílios” ou “verbas adicionais”). Enquanto isso, na outra ponta da corda, boa
parte da população que ainda tem emprego e recebe salário mínimo (R$ 998) não conseguiria juntar R$ 100
mil numa única vida, mesmo que trabalhasse 7 dias por semana em dois empregos.
Graças ao ritmo indolente dos parlamentares e às picuinhas de
certo senador amapaense que acontece de ser o presidente do Senado, a reforma
da Previdência vai consumir um ano legislativo inteiro até ser aprovada, de
onde se conclui que a semana de três dias, no Congresso, não é uma questão
trabalhista, mas um caso de polícia — e como tal deve ser tratado.
Dito isso, voltemos o foco para a aprovação de Augusto Aras, começando por dizer que o
resultado da sabatina foi surpreendente, na medida em que apenas 10 dos 78
senadores que se dignaram de votar não sucumbiram ao canto da sereia, ou
melhor, do bagre ensaboado travestido de procurador, que, segundo o próprio,
agirá com total independência (e poderia fazê-lo se quisesse, pois tem emprego
garantido pelos próximos dois anos). Porém, colocando a coisa em perspectiva,
nota-se que a maioria dos senadores que o aprovou Aras fê-lo para destilar potes de fel contra o Ministério Público,
a Lava-Jato, o Judiciário em geral e
o STF em especial.
Não se conhece o teor das conversas reservadas que o então
candidato a PGR manteve com 74
senadores durante o périplo de beija-mão, nem tampouco o que ele prometeu a Bolsonaro nos vários encontros que tiveram
a portas fechadas, antes de depois da indicação. Mas ficou claro, durante a
sabatina, que Aras parecia pisar em
ovos, tamanho o cuidado de dizer exatamente o que suas excelências queriam
ouvir. Suas ponderações, contra ou a favor fosse do que fosse, sempre continham
um "mas", um "porém", um "entretanto" ou outra
conjunção adversativa, depois da qual vinha inevitavelmente o contraponto.
Segundo Josias de Souza, o
sabatinado foi tão escorregadio que deu a impressão de ser a favor de tudo ou
absolutamente contra qualquer outra coisa, desde que o Senado avalizasse sua
indicação.
JFK dizia que a
fórmula do fracasso é tentar agradar a todos ao mesmo tempo. Mas o presidente
americano não conhecia nosso novo procurador-geral — que José Nêumanne alcunhou de "ensaboador-geral", num
trocadilho inspirado no ex-procurador Geraldo
Brindeiro, que ganhou o apelido nada enaltecedor de "engavetador-geral"
(cuja obviedade dispensa explicações).
Aras compareceu à
CCJ do Senado imbuído da certeza de
que jogava um jogo jogado e, para não estragar o placar, adotou um timbre
ensaiado. Observou-se durante a sabatina uma cena inusitada: Renan Calheiros fez rasgados elogios à
indicação feita por Jair Bolsonaro.
Como também é público e notório, o abigeatário senador alagoano é freguês de
caderneta da Lava-Jato e convive no
Senado com Flávio Bolsonaro,
investigado pelo MP/RJ por suspeita
de peculato e lavagem de dinheiro, e interessa a ambos aplicar um sedativo no
aparato investigatório do Estado.
Resta torcer para que Aras
perceba que, uma vez aprovado, não deve satisfações a ninguém, exceto à Constituição
e à sociedade brasileira. Isso, porém, só sua atuação à frente da PGR poderá responder.