Não bastasse a novela Queiroz/Flávio
Bolsonaro, que ainda promete novos e emocionantes capítulos, uma nova crise
se instalou no governo depois que Carlos
Bolsonaro, o zero dois, causou constrangimentos tanto inoportunos quanto desnecessários ao desmentir, pelo Twitter, o Secretário-Geral da
Presidência, Gustavo Bebianno, que afirmou ter se encontrado com Jair Bolsonaro.
O que poderia ser creditado ao destempero e inabilidade
política do pitbull palaciano adquiriu maior dimensão porque, ao que tudo indica, ele tinha o aval do pai, que quer se livrar do
ministro, mas prefere não exonerá-lo para não desagradar parte da bancada federal do PSL e alguns líderes de siglas aliadas,
que têm em Bebianno um interlocutor.
O general Mourão classificou o caso
como futriquinha, mas reprovou a
postura de zero dois: “Diz a velha prática que roupa suja a gente
lava no tanque da casa e não da casa dos outros. Esta crise está ligada às
denúncias em relação aos gastos de campanha do PSL e a um certo protagonismo do
filho do presidente que, no afã de defender o pai, interferiu levando as
discussões e debates em rede social que acabam sendo de domínio público, o que
não é bom”. Não há como não lhe dar razão.
Através de sua conta no Twitter,
FHC também se manifestou: “Início
de governo é desordenado. O atual está abusando. Não dá para familiares porem
lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O Presidente, a família, os
amigos e aliados que os atenuem sem soprar nas brasas. O fogo depois atinge a
todos, afeta o país. É tudo a evitar”. Também não há como não lhe dar razão.
Para Rodrigo Maia, o Presidente está usando o filho para se livrar de Bebianno. “Ele é presidente da República,
não é? Não é mais um deputado, ele não é presidente da associação dos militares.
Então, se está com algum problema, tem que comandar a solução, e não
pode, do meu ponto de vista, misturar família com isso, porque acaba gerando
insegurança, uma sinalização política de insegurança para todos". Maia alertou também que o risco é grande para um governo
que vai ter desafios importantes, como a reforma da Previdência.
Não é segredo que o clã
Bolsonaro aprecia um enfrentamento. Já na transição do governo houve um arranca-rabo
entre zero dois e Bebianno. O pitbull se considera o
responsável pela comunicação do pai nas mídias sociais — tem até mesmo as senhas dele, o que é gravíssimo, pois o
Estado não pode ficar em mãos indiretas, não importa se do filho do Presidente,
da mulher, ou do cachorro — e não admite concorrência. Antes da posse, zero dois postou no Twitter que a morte de Bolsonaro interessava “também aos que estão muito perto”
(...) “Principalmente após sua posse”. Na cerimônia, dizendo ter acordado com
um mau pressentimento, armou-se de uma Glock e pediu para ser o guarda-costas do pai. Detalhe: Para quem afirma que
sua prioridade é proteger o pai, o filho deveria ser mais cauteloso.
Observação: “Governar” pelo Twitter é uma prática que Bolsonaro
copiou de Donald Trump. Vale lembrar
que o uso de meios particulares para atividades oficiais deu muita dor de
cabeça a Hillary Clinton, que,
quando Secretária de Estado no governo Obama,
dispensou sua conta de email oficial para usar a privada, mesmo para assuntos
de Estado (e talvez por isso, ainda que não só por isso, foi derrotada pelo megalômano da peruca laranja).
Pelo andar da carruagem, a saída de Bebianno do ministério não é uma questão de se, mas de como e
quando. E deixará mágoas difíceis de
superar. O apoio que ele recebeu de políticos e militares surpreendeu o
Presidente, que, aliás, terá dificuldade para substituí-lo por outro
articulador de igual quilate, sobretudo no momento em que o governo precisa
aprovar a reforma da Previdência e não tem uma base aliada organizada
e coordenada por políticos experientes. Bebianno
seria o interlocutor do governo com Rodrigo
Maia, que não por acaso deu a declaração que eu reproduzi linhas atrás,
afirmando, dentre outras coisas, que Bolsonaro
não é presidente da associação dos militares. A relação de Maia com Onyx Lorenzoni nunca foi boa, embora ambos sejam do mesmo partido,
e a conexão entre Maia e Bebianno, assim como com Paulo Guedes, é que facilitaria a
tramitação das reformas.
Atualização: A exoneração de Gustavo Bebianno deverá ser
publicada amanhã no Diário Oficial da
União. Bolsonaro havia resolvido manter o ministro no cargo, mudou de
ideia depois de saber do vazamento de áudios com diálogos mantidos entre os
dois. No Planalto, o receio é de que, uma vez penabundado, o desafeto crie problemas para o governo, já que é o que se chama no jargão político de “homem bomba”.
A relação de Bolsonaro
com os filhos vem provocando intrigas intra murus, especialmente entre os militares, e desestabilizando um governo que mal começou (e, por que não dizer, que começou mal). Sem cargos no governo, mas agindo como membros da família
real numa monarquia, a prole presidencial se dedica a fabricar crises. Flávio, o zero um, tenta se desvencilhar do caso Queiroz; Eduardo, o zero três — que foi filmado em uma
palestra dizendo que para fechar o STF
bastaria “um soldado e um cabo” e se considera-se um assessor presidencial
especialíssimo — já admitiu concorrer à sucessão do pai, caso ele cumpra a
promessa de acabar com a reeleição.
Detalhe: Zero um nunca recebeu apoio de zero
dois, e zero três evita falar
sobre a crise em que o irmão do meio está metido.