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sábado, 31 de agosto de 2019

AMIGOS, AMIGOS, REELEIÇÃO À PARTE



Países não têm amigos, têm interesses. Mutatis mutandis, o mesmo vale para Bolsonaro — menos em relação a filhos, parentes e afins, naturalmente —, como se pode inferir da troca de farpas entre o capitão e seu ministro da Justiça, que, juntamente com o Posto Ipiranga que comanda a pasta da Economia, representa o alicerce do atual governo.

Quer outro exemplo? Então vamos lá. Durante a campanha, Bolsonaro e João Doria pareciam cantar no mesmo coral. Passados 11 meses das eleições, a impressão que se tem é de que ambos estão em plena disputa presidencial.

Pelo Facebook, o presidente acusou o governador de São Paulo de “mamar nas tetas” dos governos petistas ao comprar um jatinho financiado a juros subsidiados pelo BNDES. Dória, que já havia criticado o Bolsonaro dias atrás, por conta de suas posições em relação às queimadas na floresta Amazônica, deu o troco no mesmo dia: “Quero Lula e Dilma distantes, se possível do Brasil, até. Que fiquem onde estão, Lula na prisão e Dilma no ostracismo.”

Alexandre Frota, que recentemente trocou o PSL pelo PSDB, tomou as dores do padrinho: “É mais honesto e coerente empresários buscarem financiamento no BNDES do que [Bolsonaro] buscar dinheiro no Queiroz Investimento”, disse, referindo-se a Fabrício Queiroz, ex-assessor de zero um e amigo do presidente desde os tempos de antanho. O deputado também acusou o presidente de brigar sozinho, “como já brigou com o Rodrigo Maia, com o Davi Alcolumbre e comigo”. “Se tem alguém que está errado é quem trabalha para mudar a direção da Polícia Federal e da Receita Federal, quem mudou o Coaf, para segurar as investigações sobre o Flávio Bolsonaro.” E cá entre nós, não dá para discordar, talkey?

Nas últimas semanas, muito se falou que Bolsonaro estaria fritando seu ministro da Justiça — houve até quem atribuísse a essa fritura a fumaça que escureceu os céus de Sampa na segunda-feira 19. Para os palpiteiros de plantão, o presidente quer a demissão de Moro, mas este não quer sair. Ainda.

Observação: O problema tem a ver com a popularidade do ex-juiz da Lava-Jato; político nenhum que se preze deixa brotar no terreno do vizinho uma arvorezinha com potencial de fazer sombra no seu próprio quintal.

Doria acompanha atento o desenrolar dos acontecimentos. Segundo aliados, a vice-presidência numa chapa encabeçada pelo governador em 2022 pode ser a isca para fisgar Moro à sua equipe, quebrar um alicerce do bolsonarismo e formar o que os mais empolgados chamam de "dupla matadora". Ainda não houve convite formal ao ministro, mas diversos recados vêm sendo dados por interlocutores comuns dos dois. Na última terça-feira, ao ser questionado se gostaria de Moro em sua equipe, o governador respondeu com outra pergunta: "Quem não gostaria?". E completou: "Foi um grande juiz, é um grande ministro. Não há convite, há admiração".

Os ânimos entre o presidente e o ministro serenaram, mas o armistício pode ter data de validade. Moro manteve Maurício Valeixo como diretor-geral da PF; Bolsonaro defenestrou Ricardo Saadi da superintendência do órgão no Rio — onde zero um está em apuros —, e vem articulando a nomeação de um delegado, digamos, mais maleável. Se sua vontade prevalecer — e ele já deixou claro que está aí para interferir, ou seria um presidente-banana —, Valeixo não terá como continuar comandando a PF.

Sabe Deus até quando Sérgio Moro fabricará saídas honrosas em meio a essa torrente de desonras. Se Bolsonaro sancionar sem vetos a lei de abuso de autoridade, ignorando as recomendações do ministro, este terá de avaliar com quantos batráquios se faz a indigestão de um "patrimônio nacional", como o chefe se referiu a ele na última quinta-feira.