sábado, 10 de agosto de 2019

BOLSONARO E MORO EM CLIMA DE FIM DE CASO?



Sabemos por que e graças a quem certo deputado de língua viperina, dono de uma extensa lista de declarações polêmicas e frequentemente criticado por exaltar a ditadura, foi eleito presidente desta Banânia com 55% dos votos válidos — espantosamente obtidos com uma campanha espartana, feita por uma coligação raquítica e que dispunha de míseros 8 segundos de exposição diária no horário político obrigatório. O que não sabíamos — eu, pelo menos, não sabia — é que, a exemplo do arquirrival petralha, o capitão cultiva o péssimo hábito de abandonar aliados feridos no campo de batalha. Ou será que não foi isso que ele fez com seu amigo de fé, articulador de campanha e secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que acabou sendo dilacerado pelas presas afiadas do pitbull presidencial, e mais recentemente com Alexandre Frota, ex-ator pornô que virou deputado pelo PSL e acabou apeado do cargo de vice-líder do partido na Câmara e alvo de dois pedidos de expulsão por criticar o presidente e sua prole?

Observação: Em entrevista à revista Veja, Frota disse que "o Jair fala demais", que quando "ele arrancou um dente e ficou três dias sem dizer nada, a gente ficou três dias sem problema", e relembra que, quando o capitão "ainda era o candidato-comédia", era ele, Frota, quem o carregava para todo lugar em São Paulo". E mais: Quando ele [Bolsonaro] ia dar palestra e tinha medo de que a CUT ou o MTST atrapalhassem, quem chamava dez, quinze amigos da academia para fazer a segurança, buscar no aeroporto, levar para almoçar era eu [Frota]. Parece que ele se esqueceu de tudo isso no dia em que chegou ao Planalto".

O governo de Jair Bolsonaro se equilibra sobre duas frágeis pernas-de-pau: no campo moral, escora-se no prestígio do ministro da Justiça; na seara econômica, sustenta-se no destemor liberal do ministro da Economia. Se um dos dois abandonar o barco — e ambos já ameaçaram fazê-lo, ainda que em oportunidades diversas e por diferentes razões —, a vaca perneta saltita em direção ao brejo.

O motivo que poderia levar à saída de Paulo Guedes seria o Congresso mutilar a PEC Previdenciária a ponto de transformá-la uma "reforminha". Isso não aconteceu na Câmara e certamente não acontecerá no Senado, o que afasta, momentaneamente, o perigo de o superministro pedir o boné. Sérgio Moro, por seu turno, vem sendo alvejado de todos os lados, inclusive por parlamentares alinhados com o Executivo — o que não chega a espantar, considerando que cerca de metade do Congresso é composta de parlamentares que são, foram ou ainda serão investigados, denunciados e réus na Justiça criminal. A questão é: até quando ele vai resistir?

Bolsonaro parece não ter não ter notado, mas seu comportamento não coaduna com seu discurso. Se não tomar cuidado, o presidente acabará jogando fora o bebê com a água do banho (*). Nas Forças Armadas, oficiais da ativa e da reserva não têm opinião unânime sobre sua insistente defesa do regime militar. Mesmo entre aqueles que apoiam os movimentos — como o almoço oferecido na última quinta-feira à viúva do coronel Ustra, único brasileiro reconhecido como torturador pela Justiça —, a postura do presidente divide opiniões.

Em sua live semanal pelo Facebook, com Moro a tiracolo (por falar nisso, que fim levou Hélio Negão?), horas após ter dito a repórteres que era preciso "dar uma segurada" no pacote anticrimes e anticorrupção, que não é mais prioritário, Bolsonaro defendeu que o legislativo "se debruce" sobre a proposta, que ora chamou de "teu projeto", ora de "projeto do Moro". A alturas tantas, o ministro fez um aparte: "Não é um projeto do Moro, é um projeto do governo Jair Bolsonaro que interessa à sociedade em geral". E encerrou sua participação pedindo para trocar de lugar com  Ricardo Salles — o presidente não perdeu a piada: "Vai fazer um troca-troca com o Salles aí? "Troca só a cadeira". Uma cena no mínimo constrangedora, que deixou quem assistiu sem olhos de fanatismo com a impressão de que há três tipos de pessoas no governo: gente que faz, gente que manda fazer e gente como Sérgio Moro, que apenas pergunta o que foi que aconteceu.

Bolsonaro, que no início do governo editou medida provisória entregando a Moro o comando do Coaf, agora chama de "perseguição política" a investigação em que o MPRJ maneja dados do Coaf para apurar o zero um fez no verão passado. Quando aceitou comandar o ministério da Justiça e Segurança Pública, o então juiz federal anunciou que se empenharia no combate à lavagem de dinheiro, de modo a asfixiar as organizações criminosas. Já ministro, montou uma equipe que tem como base policiais especializados nesse tipo de ação, e fez questão de levar para sua área o Coaf, que é fundamental para detectar dinheiro ilegal, proporcionando a investigação dos órgãos de controle, como a Receita Federal.

A perda do Coaf foi uma derrota política que o Congresso resolveu infligir a Moro em defesa própria, já que, sob o guarda-chuva do ministério da Economia, o órgão não teria o mesmo empenho em investigar políticos. Paulo Guedes prometeu manter intacta a equipe de Moro, mas Bolsonaropediu a cabeça de Roberto Leonel, o auditor fiscal que comanda o Coaf, por ousar criticar Dias Toffoli pela decisão de suspender todas as investigações fornidas com dados daquele órgão. Investigar políticos no Brasil esbarra na família Bolsonaro, mas o capitão não pode dar a impressão de que está abandonando seu apoio à Lava-Jato para defender o filho. Afinal, à mulher de César não basta ser honesta, é preciso também parecer honesta.

Observação: Como o cenário político muda que nem as nuvens no céu, agora já se fala que o Coaf não deverá ficar sob o guarda-chuva da Economia, e sim do Banco Central (o que faz sentido, mas o que incomoda é o viés nitidamente político dessas "idas e vindas").

Na sexta-feira, Gilmar Mendes voltou a atacar a Lava-Jato. À luz do material espúrio vazado pelo site esquerdista The Intercept, o semideus togado acusa a força-tarefa de agir como uma "organização criminosa", a despeito de ela ter conseguido recuperar R$ 548 milhões nos seis primeiros meses deste ano — mais dinheiro de corrupção e lavagem do que em todo o ano passado.

Desconsidera (muito convenientemente) o douto ministro o fato de que as mensagens supostamente trocadas entre Moro, Dallagnol e outros procuradores foram obtidas criminosamente e não tiveram sua autenticidade verificada, o que torna possível e até provável que tenham sido editadas, adulteradas, enfim... Ainda que assim não fosse, que moral tem para condenar os procuradores um magistrado que, a exemplo de alguns de seus pares na Suprema Corte, é useiro e vezeiro em receber em seu gabinete, a portas fechadas, criminalistas estrelados que defendem políticos e empresários corruptos. Não por acaso, Luís Roberto Barroso disse com todas as letras que há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”. O ministro não deu nome aos bois, mas é nítido que se referia a Mendes, a quem acusou de ser "uma pessoa horríveluma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia" e de “desmoralizar o Tribunal”.


Resumo da ópera:  Até não muito tempo atrás, Sérgio Moro tinha uma biografia impecável, apoio popular irrestrito entre os brasileiros de bem, estabilidade no emprego, um pacote anticrime, uma promessa de promoção ao STF e uma mulher chamada Rosângela. Hoje, o ministro precisa levar flores diariamente para Rosângela, que, além do apoio popular, pode ser a única coisa que lhe resta.

(*) Expressão que tem origem na Idade Média, quando toda a família se banhava na água de uma única tina, dos mais velhos aos mais novos. Os bebês eram os últimos, e como a água estava imunda àquela altura... enfim, foi daí veio  a expressão em inglês “don`t throw the baby out with the bath water”, com o significado de "descartar uma coisa boa devido à sujeira que a cerca", ou, por extensão, de "botar tudo a perder com uma atitude descuidada".