terça-feira, 2 de abril de 2019

TEMER, LULA E A DESALENTADORA JUSTIÇA BRASILEIRA — CONCLUSÃO


Vimos que a prisão após condenação na primeira ou na segunda instâncias vigeu no Brasil durante as últimas 8 décadas, exceto num curto período (entre 2009 e 2016), quando só se ia preso depois de a sentença condenatória transitar em julgado — e para que o leitor tire suas conclusões sobre os motivos que levaram a essa mudança na jurisprudência, em relembrei que o processo do Mensalão foi instaurado em 2007, começou a ser julgado em 2012 e terminou em 2014.

Em abril do ano passado, o eminente ministro Marco Aurélio Mello liberou para julgamento as ações diretas de constitucionalidade que questionam a prisão em segunda instância, mas a então presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, entendeu que rediscutir o tema pela terceira vez em menos de dois anos seria apequenar o tribunal. Diante do inconformismo de Mello, o atual presidente, Dias Toffoli (mais detalhes sobre esse nobre ministro nesta postagem), pautou o julgamento das ominosas ADCs para o próximo dia 10 (que acontece de ser quarta-feira que vem, daí eu estar revisitando este assunto). Mas isso não impediu que Marco Aurélio protagonizasse uma versão revista e atualizada do lamentável “caso Favreto”. Em 19 de dezembro do ano passado, minutos depois de o Judiciário entrar em recesso, o magistrado concedeu monocraticamente uma estapafúrdia liminar que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada por Toffoli.

Observação: Também para ajudar o leitor com suas conclusões, relembro que esse Marco Aurélio ascendeu ao Supremo por indicação do primo Fernando Collor (que dispensa apresentações) e foi brilhantemente definido por José Nêumanne como "um misto de Hidra de Lerna com o deus romano Jano”.

Para não espichar muito a conversa, relembro apenas que a polêmica gira em torno da seguinte questão: autorizar a prisão de alguém antes que todos os recursos sejam exauridos significa negar-lhe o direito constitucional da presunção de inocência? A pergunta é simples, mas a resposta nem tanto. O Supremo já mudou esse entendimento várias vezes, como vimos na postagem anterior. Em 2009, por 7 votos a 4, a Corte decidiu que o cumprimento provisório da pena (ou seja, a prisão antes do trânsito em julgado da condenação) era inconstitucional — note que isso nada tem a ver com a prisão preventiva, mas eu não vou entrar nesse mérito, ao menos nesta oportunidade. Votaram favoravelmente ao direito de recorrer em liberdade os ministros Eros Grau, Celso de Mello, Cezar Peluso, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio (Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie foram votos vencidos).

Em fevereiro de 2016, a Corte decidiu permitir o início do cumprimento da pena a partir da segunda instância, sob o argumento de que a regra anterior levava à impunidade (pausa para os aplausos, e digo isso sem qualquer ironia). O placar foi novamente de sete votos a quatro. Marco Aurélio, Celso de Mello, Lewandowski, que já haviam sido contrários à prisão em segunda instância em 2009, e a ministra Rosa Weber foram votos vencidos; Gilmar Mendes, contrário na primeira votação, Carmen Lúcia, favorável em 2009, Dias Toffoli, Edson Fachin, Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux — que não faziam parte no tribunal na primeira decisão — votaram a favor.

Em outubro daquele mesmo ano, durante o julgamento de outro habeas corpus, a nova jurisprudência foi confirmada por seis votos a cinco — a mudança do placar decorreu do voto de Dias Toffoli, que dessa vez se alinhou à ala “garantista”. O tema voltou à pauta em abril do ano passado, no julgamento do habeas corpus de Lula. Novamente, por seis a cinco, a tese favorável à prisão antecipada prevaleceu. Note que Mendes voltou a ser contra a antecipação da pena, mas a ministra Rosa Weber seguiu a maioria, argumentando que, embora fosse contra, não poderia contrariar a jurisprudência da corte. Alexandre de Moraes, que substituiu Zavascki, manteve o entendimento do antecessor.

Resta saber como a coisa vai ficar no próximo dia 10, quando será iniciado o julgamento das malditas ADC 43 e ADC 44, que o nobilíssimo ministro Marco Aurélio tanto insistiu para que fossem pautadas. Nesse tipo de ação, não é julgado um caso concreto, mas sim o entendimento que se tem sobre a regra, de modo que a decisão é vinculante. A mãe das crianças, em entrevista à jornalista Andréia Sadi, disse que “existe clima” no Supremo para a reversão da jurisprudência. O fiel da balança, por assim dizer, será Rosa Weber (pelos motivos mencionados linhas atrás). Se a ministra mudar de lado e os demais mantiverem suas posições, condenados em segunda instância com recursos pendentes na Justiça não poderão mais ser presos, o que seria trágico para a Lava-Jato e, por que não dizer, para o país como um todo (ou pelo menos para a parcela que engloba os brasileiros que estão até os tampos com tanta corrupção e impunidade na classe política).

STJ já poderia ter julgado a recurso de Lula contra a condenação no processo do tríplex, mas vem empurrando com a barriga. Ao contrário dos ministros supremos, os 33 membros dessa Corte são avessos às luzes da ribalta, daí ser mais difícil antecipar como votará a 5ª Turma, caso algum dia se digne de julgar o apelo do petralha. Para ser justo, é preciso mencionar que, no final do ano passado, o ministro Félix Fisher, relator da ação, negou monocraticamente o pedido da defesa e decidiu encerrar a questão no STF. Os advogados de Lula agravaram, mas ainda não foi definida uma data definida para o julgamento. Em mais e uma oportunidade o ministro Félix Fisher aventou que levaria o caso “em mesa” na sessão seguinte, mas mudou de ideia, talvez para não chamar a atenção da imprensa — se o STJ já é avesso à exposição na mídia, a 5ª Turma o é ainda mais, sobretudo depois que passou a receber os processos da Lava-Jato. Existe a possibilidade de Fisher levar o caso em mesa na sessão de hoje, mas, à luz de como ele vem procedendo desde o início do ano e pelo fato de o STF ter pautado julgamento das malditas ADCs para daqui a uma semana, é possível que o ministro prefira aguardar a decisão superior. Mas note que possível não é o mesmo que provável, e cabeça de juiz...

Atualizações: 1) Segundo informações do site Gaúcha ZH, os cinco ministros da 5ª Turma já estão com os votos prontos, mas aguardam parecer do MPF sobre o pedido da defesa do petralha para que a ação seja remetida à Justiça Eleitoral. É possível que o julgamento ocorra já nesta quinta-feira, em não havendo nenhum acidente de percurso. Torçamos, pois. 2) O STF pode adiar o julgamento da prisão em segundo grau, marcado para o próximo dia 10. Segundo o Antagonista, isso se deve a um pedido apresentado pela OAB, e significa que petistas devem ter sido informados de que a maioria dos ministros votaria contra a soltura de Lula (e de milhares de criminosos iguais a ele). Aparentemente, os seis magistrados que defenderam a legalidade em 2018 continuam a defendê-la em 2019.

Esse julgamento poderia encerrar o processo do tríplex no âmbito do STJ. Em sendo negado o recurso, Lula passaria à condição de "condenado em terceira instância" e não seria mais afetado no caso de o STF mudar a jurisprudência sobre prisão em segunda instância e decidir que as prisões só podem ser executadas a partir de decisão do STJ — que é a alternativa “quebra-galho” sugerida por Dias Toffoli e, ao que parece, vista como satisfatória pelos ministros garantistas.

Sobre Michel Temer e companhia

O MPF recorreu ao TRF-2 pedindo a restauração da prisão preventiva do ex-presidente, de Moreira Franco e dos outros seis denunciados por crimes ligados a contratos de Angra 3, usina da Eletronuclear em construção. Segundo a Procuradoria Regional da República da 2ª Região, as solturas afetam a investigação de crimes, a instrução do processo, a aplicação da lei e a recuperação de valores desviados. O Núcleo Criminal de Combate à Corrupção do MPF na 2ª Região concordou com a Lava-Jato/RJ que a prisão preventiva dos investigados segue amparada na legislação e na jurisprudência de tribunais, inclusive do próprio TRF-2

Os recursos foram protocolados na última segunda-feira e serão julgados pela 1ª Turma caso não sejam aceitos em decisão individual do desembargador-relator dos habeas corpus. “O julgamento monocrático de mérito em favor da parte é circunstância excepcional e rara, pois resulta na indesejável supressão das fases do contraditório prévio e do julgamento colegiado, os quais integram o devido processo legal regular", frisaram os procuradores regionais Mônica de Ré, Neide Cardoso de Oliveira, Rogério Nascimento e Silvana Batini, que ressaltaram a fartura do conjunto de provas da prática de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.