Vimos que a prisão após condenação na primeira ou na segunda
instâncias vigeu no Brasil durante as últimas 8 décadas, exceto num curto
período (entre 2009 e 2016), quando só se ia preso depois de a sentença
condenatória transitar em julgado — e para que o leitor tire suas conclusões
sobre os motivos que levaram a essa mudança na jurisprudência, em relembrei que
o processo do Mensalão foi
instaurado em 2007, começou a ser julgado em 2012 e terminou em 2014.
Em abril do ano passado, o eminente ministro Marco Aurélio Mello liberou para
julgamento as ações diretas de constitucionalidade que questionam a prisão em
segunda instância, mas a então presidente do Supremo, ministra Cármen
Lúcia, entendeu que rediscutir o tema pela terceira vez em menos de dois
anos seria apequenar o tribunal. Diante do inconformismo de Mello, o atual
presidente, Dias Toffoli (mais detalhes sobre esse nobre
ministro nesta postagem), pautou o
julgamento das ominosas ADCs para o
próximo dia 10 (que acontece de ser quarta-feira que vem, daí eu estar
revisitando este assunto). Mas isso não impediu que Marco Aurélio protagonizasse uma versão revista e atualizada do
lamentável “caso Favreto”. Em 19 de dezembro do
ano passado, minutos depois de o Judiciário entrar em recesso, o magistrado concedeu monocraticamente uma estapafúrdia
liminar que só não libertou Lula
e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o
julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente
cassada por Toffoli.
Observação: Também para ajudar o leitor com suas
conclusões, relembro que esse Marco Aurélio
ascendeu ao Supremo por indicação do
primo Fernando Collor (que dispensa
apresentações) e foi brilhantemente definido por José Nêumanne como "um misto de Hidra de Lerna com o deus
romano Jano”.
Para não espichar muito a conversa, relembro apenas que a
polêmica gira em torno da seguinte questão: autorizar a prisão de alguém antes
que todos os recursos sejam exauridos significa negar-lhe o direito
constitucional da presunção de inocência? A pergunta é simples, mas a resposta
nem tanto. O Supremo já mudou esse entendimento várias vezes, como vimos na
postagem anterior. Em 2009, por 7 votos a 4, a Corte decidiu que o cumprimento
provisório da pena (ou seja, a prisão antes do trânsito em julgado da
condenação) era inconstitucional — note que isso nada tem a ver com a prisão
preventiva, mas eu não vou entrar nesse mérito, ao menos nesta oportunidade. Votaram
favoravelmente ao direito de recorrer em liberdade os ministros Eros Grau, Celso de Mello, Cezar Peluso,
Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar
Mendes e Marco Aurélio (Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie foram votos vencidos).
Em fevereiro de 2016, a Corte decidiu permitir o início do
cumprimento da pena a partir da segunda instância, sob o argumento de que a
regra anterior levava à impunidade (pausa para os aplausos, e digo isso sem
qualquer ironia). O placar foi novamente de sete votos a quatro. Marco Aurélio, Celso de Mello, Lewandowski,
que já haviam sido contrários à prisão em segunda instância em 2009, e a
ministra Rosa Weber foram votos
vencidos; Gilmar Mendes, contrário
na primeira votação, Carmen Lúcia,
favorável em 2009, Dias Toffoli, Edson Fachin, Teori Zavascki, Luís Roberto
Barroso e Luiz Fux — que não
faziam parte no tribunal na primeira decisão — votaram a favor.
Em outubro daquele mesmo ano, durante o julgamento de outro habeas corpus, a nova jurisprudência foi
confirmada por seis votos a cinco — a mudança do placar decorreu do voto de Dias Toffoli, que dessa vez se alinhou
à ala “garantista”. O tema voltou à pauta em abril do ano passado, no
julgamento do habeas corpus de Lula. Novamente, por seis a cinco, a
tese favorável à prisão antecipada prevaleceu. Note que Mendes voltou a ser contra a antecipação da pena, mas a ministra Rosa Weber seguiu a maioria, argumentando
que, embora fosse contra, não poderia contrariar a jurisprudência da corte. Alexandre
de Moraes, que substituiu Zavascki,
manteve o entendimento do antecessor.
Resta saber como a coisa vai ficar no próximo dia 10, quando será iniciado o julgamento
das malditas ADC 43 e ADC 44, que o nobilíssimo ministro Marco Aurélio tanto insistiu para que fossem pautadas. Nesse tipo
de ação, não é julgado um caso concreto, mas sim o entendimento que se tem
sobre a regra, de modo que a decisão é vinculante. A mãe das crianças, em
entrevista à jornalista Andréia Sadi,
disse que “existe clima” no Supremo para a reversão da jurisprudência. O fiel
da balança, por assim dizer, será Rosa
Weber (pelos motivos mencionados linhas atrás). Se a ministra mudar de lado
e os demais mantiverem suas posições, condenados em segunda instância com
recursos pendentes na Justiça não poderão mais ser presos, o que seria trágico
para a Lava-Jato e, por que não
dizer, para o país como um todo (ou pelo menos para a parcela que engloba os
brasileiros que estão até os tampos com tanta corrupção e impunidade na classe
política).
O STJ já poderia ter julgado a recurso de Lula contra a condenação no processo do tríplex, mas vem empurrando com a barriga. Ao contrário dos ministros supremos, os 33 membros dessa Corte são avessos às luzes da ribalta, daí ser mais difícil antecipar como votará a 5ª Turma, caso algum dia se digne de julgar o apelo do petralha. Para ser justo, é preciso mencionar que, no final do ano passado, o ministro Félix Fisher, relator da ação, negou monocraticamente o pedido da defesa e decidiu encerrar a questão no STF. Os advogados de Lula agravaram, mas ainda não foi definida uma data definida para o julgamento. Em mais e uma oportunidade o ministro Félix Fisher aventou que levaria o caso “em mesa” na sessão seguinte, mas mudou de ideia, talvez para não chamar a atenção da imprensa — se o STJ já é avesso à exposição na mídia, a 5ª Turma o é ainda mais, sobretudo depois que passou a receber os processos da Lava-Jato. Existe a possibilidade de Fisher levar o caso em mesa na sessão de hoje, mas, à luz de como ele vem procedendo desde o início do ano e pelo fato de o STF ter pautado julgamento das malditas ADCs para daqui a uma semana, é possível que o ministro prefira aguardar a decisão superior. Mas note que possível não é o mesmo que provável, e cabeça de juiz...
Atualizações: 1) Segundo informações do site Gaúcha ZH, os cinco ministros da 5ª Turma já estão com os votos prontos, mas aguardam parecer do MPF sobre o pedido da defesa do petralha para que a ação seja remetida à Justiça Eleitoral. É possível que o julgamento ocorra já nesta quinta-feira, em não havendo nenhum acidente de percurso. Torçamos, pois. 2) O STF pode adiar o julgamento da prisão em segundo grau, marcado para o próximo dia 10. Segundo o Antagonista, isso se deve a um pedido apresentado pela OAB, e significa que petistas devem ter sido informados de que a maioria dos ministros votaria contra a soltura de Lula (e de milhares de criminosos iguais a ele). Aparentemente, os seis magistrados que defenderam a legalidade em 2018 continuam a defendê-la em 2019.
Esse julgamento poderia encerrar o processo do tríplex no âmbito do STJ. Em sendo negado o recurso, Lula passaria à condição de "condenado em terceira instância" e não seria mais afetado no caso de o STF mudar a jurisprudência sobre
prisão em segunda instância e decidir que as prisões só podem ser executadas a
partir de decisão do STJ — que é a alternativa
“quebra-galho” sugerida por Dias Toffoli
e, ao que parece, vista como satisfatória pelos ministros garantistas.
Sobre Michel Temer e companhia:
Sobre Michel Temer e companhia:
O MPF recorreu ao TRF-2 pedindo a restauração da prisão preventiva do ex-presidente, de Moreira Franco e dos outros seis denunciados por crimes ligados a contratos de Angra 3, usina da Eletronuclear em construção. Segundo a Procuradoria Regional da República da 2ª Região, as solturas afetam a investigação de crimes, a instrução do processo, a aplicação da lei e a recuperação de valores desviados. O Núcleo Criminal de Combate à Corrupção do MPF na 2ª Região concordou com a Lava-Jato/RJ que a prisão preventiva dos investigados segue amparada na legislação e na jurisprudência de tribunais, inclusive do próprio TRF-2.
Os recursos foram protocolados na última segunda-feira e serão julgados pela 1ª Turma caso não sejam aceitos em decisão individual do desembargador-relator dos habeas corpus. “O julgamento monocrático de mérito em favor da parte é circunstância excepcional e rara, pois resulta na indesejável supressão das fases do contraditório prévio e do julgamento colegiado, os quais integram o devido processo legal regular", frisaram os procuradores regionais Mônica de Ré, Neide Cardoso de Oliveira, Rogério Nascimento e Silvana Batini, que ressaltaram a fartura do conjunto de provas da prática de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.