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segunda-feira, 18 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA — CONTINUAÇÃO


Como bem sintetizou José Nêumanne no comentário que reproduzi no capítulo anterior, por 6 votos a 5 nossa mais alta Corte, atendendo a pleitos de impunidade de quem os nomeou para o ápice da carreira (e não da população, pois os ministros são indicados pelo presidente da República, e não eleitos pelo voto popular), contrariou 57 milhões de eleitores que votaram contra corrupção. Como se já não bastasse, seu presidente aboliu a República de 1889 para criar o "Império Absolutista da Suprema Corte", com seus 11 membros e suas nobres famílias protegidas da língua do povo por inquérito sigiloso sob total controle dos togados, acima de devassas de corrupção da Receita e das críticas de policiais, procuradores e juízes federais da primeira instância.

Com Sérgio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública e os delegados Igor de Paula e Maurício Valeixo no comando da PF em Brasília, esperava-se que o combate à corrupção no Brasil evoluísse em 2019, mas a corrente pró-corruptos vem colecionado vitórias contra os integrantes da Lava-Jato. O próprio superministro reconhece que é preciso consolidar as conquistas e enfrentar o que ele chama de risco de retrocesso, referindo-se ao funesto resultado do julgamento da ação impetrada pelo ex-prefeito carioca Eduardo Paes, no qual o STF decidiu, ainda que por apertada maioria, que quando há crimes comuns conectados a eleitorais sob investigação a competência deve ser da Justiça Eleitoral.

Considerando que os políticos são useiros e vezeiros em atribuir o recebimento de dinheiro ilegal a interesses de campanha, a decisão supremo foi comemorada por corruptores, corrompidos e seus advogados. Já se fala até na anulação de condenações obtidas pela força-tarefa na Justiça Federal — hipótese confirmada pelo ministro Marco Aurélio, a quem coube a relatoria da ação julgada na quinta-feira.

A celeridade nunca foi o forte na nossa suprema corte, talvez porque o plenário se reúne míseras duas vezes por semana — afinal, a tarefa dos ministros é sem dúvida estafante, ainda que cada um deles disponha de um batalhão de auxiliares — dentre os quais os folclóricos “capinhas”, que ajeitam as poltronas para suas excelências se sentarem e se levantarem. Considerando os estagiários, terceirizados, etc., o número de funcionários do Supremo varia conforme o mês, mas nunca fica abaixo de 2.450, o que dá uma média de 222 funcionários por ministro ministro. Em 2016, esse séquito faraônico consumiu mais de meio bilhão de reais — as informações são do site políticos.org.br; se alguém achar que são fake news, que processe o site, não a mim.

Com milhares de processos dormitando nas gavetas de suas supremas excelências, a prescrição não raro fulmina inexoravelmente a expectativa de punição num sem-número de criminosos. Sem mencionar que é igualmente comum (e tão lamentável quanto) gatunos notórios, como José Dirceu e Paulo Maluf, serem brindados (e blindados) com habeas corpus estapafúrdios. Sentenciado a 7 anos, 9 meses e 10 dias de cadeia numa ação que levou inacreditáveis 17 anos para ser concluída, Maluf foi despachado para casa por um habeas corpus humanitário concedido de ofício pelo ministro Dias Toffoli.

Observação: A cena em que o turco lalau — que supostamente estava à beira do desencarne — se arrasta para o camburão, apoiado numa bengala, deveria entrar para os arquivos de dramaturgia da Rede Globo. Tanto é que bastou o dito-cujo deixar a Papuda para que se operasse o “milagre da ressurreição”: o ex-moribundo passa muito bem, obrigado, em sua mansão nos Jardins (região nobre da capital paulista).  

O nome de Maluf é associado à roubalheira desde que eu me entendo por gente. As primeiras suspeitas surgiram há quase meio século, quando o então prefeito biônico de Sampa presenteou com um fusca 0 KM (comprado com dinheiro público, naturalmente) cada jogador da Seleção Canarinho que disputou a Copa de 1970. Em 2005, depois que ele e o filho Flávio foram presos na Superintendência da PF em São Paulo (de onde saíram 41 dias depois), o Le Monde chegou a publicar que, até o advento do mensalão, Maluf personificava a corrupção no Brasil, e malufar era sinônimo de roubar os cofres públicos.

O flibusteiro libanês também foi condenado à prisão pela justiça francesa e figura na lista de procurados da Interpol desde 2010. Também defendeu Lula em várias oportunidades, foi contra o impeachment de Dilma (mas mudou de lado durante o jogo) e votou a favor do sepultamento das denúncias de Janot contra Temer. Durante quase meio século de vida pública, foi alvo de não sei quantas ações criminais, mas sempre foi mestre em lançar mão de chicanas para empurrar a decisão final para as calendas. A idade avançada (o sacripanta tem 87 anos) já lhe concedeu o benefício da prescrição de alguns processos como o que tratava da obra do túnel Ayrton Senna, arquivado em 2009 porque o aldrabão já tinha mais de 70 anos. Mas sua maior proeza foi escapar da Lei da Ficha-Limpa: em 2010, mesmo condenado por improbidade administrativa, o turco ladrão convenceu a Justiça Eleitoral de que o delito cometido tinha caráter culposo, não doloso. Registre-se que ele jamais admitiu seus crimes; o bordão “não tenho nem nunca tive conta no exterior” continua sendo a sua principal retórica (qualquer semelhança com outro larápio sem vergonha, que se diz a alma viva mais honesta da galáxia, talvez não seja mera coincidência).

O fato é que a estrutura da Justiça Eleitoral é ainda mais precária do que a do STF. Além de tocar os processos e investigações, as cortes eleitorais também organizam eleições, conferem a regularidade das candidaturas, a prestação de contas das campanhas etc. A própria ministra Rosa Weber, atual presidente do TSE, foi contrária ao envio de todos os processos envolvendo crimes conexos ao de caixa 2 à Justiça Eleitoral. O vice, ministro Luís Roberto Barroso, ponderou que mexer em uma estrutura que está dando certo e passar para outra que absolutamente não está preparada para isso não dará bons resultados. Luiz Fux, que antecedeu Rosa na presidência, disse que a Justiça Eleitoral está habituada a lidar somente com crimes de menor complexidade, como coagir o eleitor, transportar eleitores no dia da votação e outros de pequena monta. Pena que, a exemplo de Edson Fachin e Cármen Lúcia, os três foram votos vencidos.

Observação: O pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, apresentado pelo PSDB, logo após a eleição de 2014, “para encher o saco do PT” (nas palavras do candidato derrotado Aécio Neves) é um ótimo exemplo de como as coisas caminham nessa Justiça especializada. A ação só foi julgada pelo TSE em meados 2017, e a “absolvição por excesso de provas” (com direito à confissão do marqueteiro João Santana e extratos de pagamentos na Suíça) virou motivo de chacota. O procurador-geral do Ministério Público de Pernambuco, Francisco Dirceu Barros, sintetizou a farsa orquestrada pelo então presidente do TSE da seguinte maneira: "É um dia que deve ser esquecido na literatura do Direito Eleitoral. Ninguém vai conseguir explicar esse julgamento na sala de aula. Ninguém!". Ah, faltou dizer que quem presidia o TSE em 2017 era o ministro Gilmar Mendes, a quem o jornalista J.R. Guzzo já definiu brilhantemente como uma “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”.

Para o jornalista Carlos Brickmann, se a Justiça Eleitoral não está equipada para julgar todos os envolvidos, bastaria equipá-la. O próprio STF não estava equipado para julgar casos criminais, mas recorreu a juízes auxiliares e deu certo — bom, mais ou menos (este aparte é meu). É claro que quem for apanhado alegará Caixa 2, mas, se a Justiça Eleitoral se readaptar, essa vantagem logo desaparecerá. 

Brickmann diz ainda que seria melhor a Justiça Eleitoral ser extinta e as eleições serem organizadas sem tanto juiz no meio. Ele também relembra que Lula não é beneficiado pela decisão do STF (o molusco ascoso foi condenado por fatos ocorridos no exercício do mandato, quando já tinha sido eleito e tomado posse, o que nada tem a ver com eventual Caixa 2, e os empresários condenados por pagar propina também não se beneficiam).

Talvez uma Justiça Eleitoral como a brasileira não seja única no mundo, mas certamente é um exemplar raro. Em outros países, as eleições são organizadas pelo Executivo, ou (em menos casos) por uma repartição pública específica, mas sem poderes de julgamento. Se não houvesse Justiça Eleitoral, irregularidades em eleições cairiam todas na Justiça comum, e o problema estaria resolvido (ou nem haveria problema a resolver).

Para não estender ainda mais esta postagem, a conclusão fica para a próxima. Enquanto isso, assista a este vídeo:

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

SOBRE O IMBRÓGLIO ENVOLVENDO FLÁVIO BOLSONARO E FABRÍCIO QUEIROZ


A corrupção desembarcou em terras tupiniquins antes mesmo que nossa caricatura de país ganhasse o nome que tem hoje, como comprova a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel. Na missiva, o escriba oficial da esquadra de Cabral — falo de Pedro Álvares, o suposto descobridor destas paragens, e não do ex-governador do Rio, condenado a 100 anos prisão — acrescentou às boas novas um pedido de clemência para seu genro degredado.

A exemplo do nepotismo, o pedágio também é uma forma de corrupção, mas tem presença garantida em boa parte dos gabinetes de parlamentares tupiniquins. Só na Assembleia Legislativa fluminense, ao menos 28 servidores tiveram movimentações atípicas em suas contas bancárias com o mesmo padrão das supostamente realizadas por Fabrício Queiroz entre 2016 e 2017.

Observaçãopedágio é uma prática mediante a qual os políticos engordam os próprios salários garfando parte da remuneração dos assessores. Ainda que o catecismo político o tenha na conta dos pecados veniais, isso não faz dele menos lícito nem moralmente aceitável.

Não há relatos de pedágio na esquadra de Cabral, mas não faltam suspeitas dessa ilicitude no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O imbróglio veio à tona em dezembro, depois que o Estado revelou que um relatório do Coaf havia identificado diversas movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, na conta do ex-assessor, motorista e policial aposentado Fabrício Queiroz, que é amigo de velha data do clã Bolsonaro (e que foi exonerado no dia 15 de outubro do ano passado). Entre as “movimentações suspeitas”, havia também um depósito de R$ 24 mil em favor Michelle Bolsonaro.

Bolsonaro pai disse tratar-se do pagamento de parte de um empréstimo de R$ 40 mil que ele havia feito a Queiroz, e que, "se algo estiver errado, seja comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta desse erro". Bolsonaro filho afirmou que caberia ao ex-assessor prestar os esclarecimentos, e que já tinha ouvido dele “uma explicação plausível”, que poderia ter encerrado o assunto se tivesse sido apresentada logo de início. Mas não foi. E quando há justificativa, os fatos falam; quando não há, as versões sussurram e as suspeitas prosperam. 

Cerca de uma semana depois da primeira reportagem sobre o caso, o MPRJ abriu 22 procedimentos de investigação criminal com base no relatório do Coaf, com Queiroz entre os investigados, e com isso, foram marcados os primeiros depoimentos. Em vez compartilhar com o MPRJ a tal explicação plausível, Queiroz, primeiro, afirmou nada saber sobre o assunto; depois, alegou motivos de saúde e falta de tempo para analisar as acusações, e faltou aos depoimentos marcados para 19 e 21 de dezembro. Entre uma coisa e outra, em entrevista ao SBT, explicou que estava tratando um câncer no intestino, que nunca foi laranja e que a movimentação em sua conta foi produto da compra e venda de carros. No final de dezembro, foi internado para a retirada do tumor. Três dias depois, um vídeo no qual ele aparece dançando no hospital viralizou nas redes sociais, e ele se mostrou revoltado com a circulação do vídeo. Foi operado e recebeu alta no último dia 8. No dia seguinte, disse que pagou a conta com recursos próprios, mas não revelou o valor. Disse também que esclareceria em breve as movimentações atípicas, mas não especificou quando isso ocorreria. E não compareceu ao depoimento marcado para o dia 10 de janeiro. 

Flávio Bolsonaro também faltou ao depoimento. Em nota, disse que não é investigado e que não teve acesso aos autos do procedimento aberto pelo MPRJ, mas prometeu marcar uma nova data para depor. Mais adiante, alegando que o MPRJ pediu informações ao Coaf que não têm relação com Queiroz — o que configuraria uma apuração sobre sua conduta —, o senador questionou a competência do MP e reivindicou foro privilegiado no STF. Em entrevista à Record, disse que não poderia ser investigado sem autorização do Supremo em razão da prerrogativa de foro a que tem direito como senador diplomado, que é o maior interessado em esclarecer tudo e que não quer privilégio nenhum, apenas ser “tratado dentro da lei e da Constituição”.

Na visão de diversos analistas — e até de alguns ministros do Supremo —, a Reclamação de Flávio foi “um tiro no pé”, pois poderá resultar na ampliação do escopo da investigação e envolver o próprio Presidente, o que não aconteceria se o imbróglio ficasse restrito à primeira instância. Na avaliação da ala militar do governo, o caso ganhou uma dimensão maior e mais preocupante depois que o Jornal Nacional revelou o relatório sobre os depósitos em dinheiro realizados na conta bancária do filho do Presidente. Antes, quem devia explicações era Queiroz; agora, seu ex-chefe também está em palpos de aranha. No Planalto, a estratégia é afastar Bolsonaro pai do caso e fritar Bolsonaro filho, lembrando que o pai não é investigado e que explicou satisfatoriamente os depósitos feitos na conta da primeira-dama.

Observação: Segundo o CoafFlávio Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 48 depósitos em dinheiro considerados suspeitos. No total, foram R$ 96 mil, depositados em cinco dias. Em 9 de junho de 2017 foram 10 depósitos no intervalo de 5 minutos, entre 11h02 e 11h07. No dia 15 de junho, mais 5 depósitos, feitos em 2 minutos, das 16h58 às 17h. Em 27 de junho outros 10 depósitos, em 3 minutos, das 12h21 às 12h24. No seguinte mais 8 depósitos, em 4 minutos, entre 10h52 e 10h56. E no dia 13 de julho 15 depósitos, em 6 minutos.

O ministro Luiz Fux, responsável pelo plantão durante o recesso do Supremo, determinou em caráter liminar a suspensão do procedimento investigatório criminal até que o ministro Marco Aurélio, relator da Reclamação, decida em qual instância ela deverá tramitar. Mello já sinalizou que seguirá aplicando o entendimento de que o foro privilegiado para senadores e deputados vale apenas para fatos ocorridos durante o mandato e em decorrência dele: “Já na sexta-feira, pela manhã, assinarei a decisão — sexta, dia primeiro de fevereiro […]. O Supremo não pode variar, dando um no cravo outro na ferradura. Processo não tem capa, tem conteúdo. Tenho negado seguimento a reclamações assim, remetendo ao lixo.”

MPRJ nega ter havido quebra do sigilo, afirma que as investigações decorrentes de movimentações financeiras atípicas de agentes políticos e servidores podem se desdobrar em procedimentos cíveis pra apurar a prática de atos de improbidade administrativa e procedimentos criminais e reitera que Flávio Bolsonaro não é investigado. Mas acatou a decisão de Fux e suspendeu o procedimento, provocando uma avalanche de críticas nas redes sociais, tanto de detratores de Bolsonaro, como o PT, quanto de apoiadores, como o MBL.

Gleisi Hoffmann, presidente nacional da ORCRIM, afirmou que a suspensão é grave e que mostra “pesos e medidas” diferentes: “Para Lula, basta convicção, para os Bolsonaros, nem documento público é considerado”, postou a lunática no Twitter. Fernando Holiday, vereador em São Paulo pelo DEM e coordenador do MBL, afirmou que “quem não deve, não teme, ainda mais uma simples investigação”. O coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, também criticou a decisão de Fux:  "Com todo o respeito ao ministro, não há como concordar com a decisão, que contraria o precedente do próprio STF. Tratando-se de fato prévio ao mandato, não há foro privilegiado perante o Supremo. É de se esperar que o ministro Marco Aurélio reverta a liminar", postou Deltan em seu perfil no Twitter.

Resumo da ópera:

Esse imbróglio deveria ter sido esclarecido assim que o relatório do Coaf veio a público, mas para isso seria preciso que Queiroz tivesse realmente uma explicação plausível — ou que seu chefe assumisse o pedágio, desse a cara a tapa e arcasse com as consequências. Há entendimento generalizado — que poderia ou não ser confirmado nessa investigação — de que parlamentares, seja em que nível for, com raras e honrosas exceções, financiam suas campanhas e suas vidas pessoais garfando uma parte do salário de seus funcionários ou nomeando funcionários-fantasmas. Dizer que fez o que todo mundo faz não é desculpa, mas tratar fratura exposta com band-aid é ainda pior. O Presidente Jair Bolsonaro se elegeu com o bordão do combate à corrupção, e essa merdeira é tudo que a oposição precisava para cair de pau.

É louvável que até os bolsomínions critiquem a postura de Bolsonaro filho e a decisão do ministro Fux. Isso demonstra que apoiam as apurações porque querem saber a verdade. Fosse o PT, o discurso de vitimização já estaria a todo vapor. Aliás, os militontos já estão postando nas redes que, se o investigado fosse um político de esquerda, ele e seus assessores já teriam sido presos preventivamente o levados coercitivamente para depor. Particularmente, acho ridículo essa caterva usar Queiroz como “prova de corrupção” do atual governo e "não enxergar" provas contra Lula e os demais petralhas presos, classificar de golpe o impeachment que depôs Dilma, e por aí afora. O que me causa espécie, no entanto, é Flávio Bolsonaro insistir que é apenas testemunha no caso e mesmo assim pedir a suspensão da investigação contra si.

Além de afrontar a coerência, o pedido de Flávio desmente a alegação de que seria ele o maior interessado em esclarecer o episódio, desenha um alvo em sua própria testa e abre um flanco na atuação do clã — tanto é que nem o pai presidente, nem os irmãos políticos saíram em sua defesa. E tem mais: ao levar o caso para o STF, sua defesa propicia a inclusão do Planalto na investigação, ainda que a soma depositada na conta da primeira-dama tenha uma explicação plausível. E mesmo que assim não fosse, os fatos aconteceram antes de Jair Bolsonaro ser eleito e, portanto, não pode resultar em processo enquanto ele for Presidente. Mas investigações podem ser feitas.

Para encerrar, a cereja do bolo: De repente, toda a imprensa achou de tratar o pedágio no gabinete de um parlamentar como se fosse o maior escândalo desde Cabral (com o petrolão, sempre relativizado pela mídia, fresquinho na memória). E viva o povo brasileiro!

ATUALIZAÇÃO: 

Ontem à noite, em entrevista à TV Record, Flávio atribuiu o pagamento no valor de pouco mais de R$ 1 milhão à quitação, feita pela Caixa, de um apartamento que ele havia comprado na planta. A posterior venda do imóvel explicaria outras movimentações consideradas “suspeitas” pelo Coaf, mas os depósitos fracionados continuam sendo questionados pela mídia. Disse ainda que tinha a documentação comprobatória e que a entregaria à instância da Justiça que fosse determinada pelo STF. Logo depois, em entrevista à Rede TV, afirmou que ele e o pai estão sendo vítimas de perseguição, que estão tentando criminalizar o dinheiro que ganhava como empresário (segundo ele, mais que seu salário de deputado), que não lhe deram oportunidade de se explicar e que quebraram seu sigilo de forma ilegal. Sobre o pedágio (que ele chamou de “rachadinha”) em seu gabinete na Alerj, afirmou que, se tivesse conhecimento dessa prática, teria sido o primeiro a denunciar. 

domingo, 2 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE O “INSULTO PRESIDENCIAL”



Durante o julgamento do indulto assinado por Temer em 2017 — providencialmente interrompido pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux —, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, expôs face diabólica do autor do decreto que perdoou 80% das penas dos larápios, livrando-os até do pagamento de multas:

O presidente da República foi denunciado duas vezes, por corrupção passiva e obstrução de justiça, e é investigado em dois outros inquéritos por corrupção e lavagem de dinheiro”, recordou o magistrado, ele próprio responsável por um dos inquéritos correm contra Michel Temer no Supremo. E prosseguiu: “Um ex-presidente da República foi condenado por corrupção passiva; dois ex-chefes da Casa Civil foram condenados criminalmente, um por corrupção ativa e outro por corrupção passiva; o ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República está preso, tendo sido encontrados em apartamento supostamente seu R$ 51 milhões.”

Do Executivo federal, Barroso saltou para o Legislativo e para os governos estaduais:

Dois ex-presidentes da Câmara dos Deputados foram presos, um deles já condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas; um presidente anterior da Câmara dos Deputados foi condenado por peculato e cumpriu pena; mais de um ex-governador de Estado se encontra preso sob acusações de corrupção passiva e outros crimes; um senador, ex-candidato a presidente da República, foi denunciado por corrupção passiva (...) Depois de tudo isso, para provar que o crime compensa, o Executivo concede indulto a essa gente e o Supremo chancela? Que mensagem vamos passar? Que país estamos criando? De que lado da história queremos estar?

O cheiro de enxofre foi sentido em Curitiba:

A Lava-Jato está em vias de sofrer a maior derrota de sua história”, postou o procurador Deltan Dallagnol no Twitter.

E com efeito: confirmando-se o placar pró-corruptos, Temer estará liberado para editar no Natal de 2018 um novo decreto de indulto tão ou mais benevolente que o do ano passado. A força-tarefa de Curitiba estima que a decisão premiaria com o perdão das penas e das multas pelo menos 21 condenados da Lava-Jato.

O mandato-tampão de Michel Temer é a vivência do abismo, e o que distingue o momento atual é a união ativa de forças que não estão dispostas a viver no abismo:

Nos últimos tempos, houve uma expressiva reação da sociedade brasileira, que deixou de aceitar o inaceitável”, constatou o ministro Barroso em seu voto. ”Onde se vai no Brasil hoje se vê uma imensa demanda por integridade, por idealismo e por patriotismo. E essa é a energia que muda paradigmas e empurra a história. A reação da sociedade impulsionou mudanças importantes de atitude que alcançaram as instituições, a legislação e a jurisprudência.”

A tentativa de Michel Temer de premiar corruptos é parte de uma ofensiva daquilo que Barroso chama de “pacto oligárquico”. Nas palavras do ministro, o Brasil não é atrasado por acaso. “Somos atrasados porque o atraso é bem defendido”, declarou.

Aqui não se discute o combate ou não à corrupção. Eu entendo que independentemente do voto de casa um dos ministros, todos queiram combater a corrupção”, retrucou Alexandre de Moraes, tentando afastar de sua calva a carapuça que o colega lançara pouco antes sobre o plenário:

O indulto dá incentivos errados para as pessoas erradas e cria o cenário para sermos o paraíso de corruptores, corruptos, peculatários, prevaricadores, fraudadores de licitações’, dissera Barroso. (…) Claro que ninguém diz que é a favor da corrupção. Todo mundo é contra. Mas, em seguida, encontra um fundamento formal para liberar a farra.”

Noutro trecho do seu voto, Barroso soara ainda mais cáustico:

Também aqui há risco do mesmo discurso. Claro, eu sou contra a corrupção. Mas não posso impedir o presidente da República de exercer suas competências. O mal geralmente vem travestido de bem. Mas quem tem olhos de ver e coração de sentir, sabe quem é quem. E cada um escolhe o lado da história em que deseja estar. Só não dá para querer estar dos dois lados ao mesmo tempo: dizer que é contra a corrupção e ficar do lado dos corruptos.”

A esse ponto chegou o Supremo Tribunal Federal. Num momento em que o brasileiro se esforça para sair do abismo, a banda podre da corte máxima do Judiciário brasileiro revela-se disposta a jogar terra em cima. Alguns magistrados ainda não se deram conta, mas estão enterrando a própria noção de supremacia. Muito mais do que a constitucionalidade do decreto de Temer, o julgamento do indulto decide que tipo de tribunal o Supremo deseja ser.

Com Josias de Souza.

sábado, 1 de dezembro de 2018

O ESTREBUCHAR DE UM GOVERNO FISIOLOGISTA E CORRUPTO E A NOVELA DO “INSULTO DE NATAL”


Falta um mês para Michel Temer dizer adeus ao Planalto e do Jaburu (ele jamais quis morar no Alvorada porque, dizem as más-línguas, tem medo de assombração), depois de 2 anos e 7 meses no timão da Nau dos Insensatos. No livro de memórias que porventura venha a escrever (sobretudo se a Justiça lhe conceder bastante tempo ocioso), é provável que não mencione as três oportunidades de prestar um serviço inestimável à nação que ele teve nas mãos, mas deixou escapar. Então, façamo-lo nós.

Mesmo sendo o grande articulador e o maior beneficiário da impeachment da anta vermelha, Temer poderia ter declinado da Presidência. Não o fez, e, verdade seja dita, poucos em seu lugar tê-lo-iam feito. Mas o castigo veio a cavalo — ou em lombo do jegue, pois nossa Justiça tem 4 instâncias, nosso Congresso é dominado por corruptos e nossa Suprema Corte, por aberrações (mais detalhes nesta postagem). 

Embora a substituição da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno pelo Vampiro do Jaburu  tenha sido uma lufada de ar puro após 13 anos, 4 meses e 12 dias de clausura lulopetista, os sinais de tempestade surgiram logo depois, quando o prometido ministério de notáveis se revelou uma notável confraria de corruptos. Mas o castelo de cartas ruiu de vez quando Lauro Jardim revelou detalhes de uma conversa pra lá de suspeita entre o presidente e certo moedor de carne com vocação para delator — e burro a ponto de delatar a si mesmo —, o que nos leva à segunda oportunidade de fazer um bem ao país, que sua excelência não aproveitou.

Diante da repercussão das revelações bombásticas, o presidente cogitou de renunciar, mas foi demovido da ideia por sua entourage. Assim, despido de vez do manto da moralidade, afirmou em pronunciamento à nação que não renunciaria, e que a investigação no Supremo seria “o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência”. Ato contínuo, lançou mão de toda sorte de artimanhas para escapar da cassação. Mas o diabo sempre cobra sua parte no pacto: Temer tornou-se refém do Congresso, e isso foi o começo do fim.

O presidente pato-manco decidiu sair cena exatamente como entrou. Em 2016, ele autorizou seus apoiadores no Congresso a aprovar um pacote de reajustes que engordou os contracheques de 38 carreiras do funcionalismo; agora, desprezando sua derradeira chance de se redimir aos olhos da população, sanciona o vergonhoso reajuste salarial autoconcedido pelos ministros do STF e avalizado pelo Congresso de Eunício Oliveira, a despeito de as contas públicas estarem em petição de miséria. 

Se o presidente Temer fez o que fez porque a Lava-Jato inseriu em sua biografia duas denúncias criminais e dois inquéritos por corrupção, isso é ele quem deve dizer. O fato é que, tão logo desça a rampa do Planalto, em 1º de janeiro, o cidadão Temer poderá receber a qualquer instante uma visita matutina dos agentes da Polícia Federal.

Voltando à novela do “insulto de Natal”: No final de 2016, Temer estabeleceu que só poderiam ser beneficiados condenados a no máximo 12 anos que não fossem reincidentes e que tivessem cumprido um quarto da pena até 25 de dezembro daquele ano. Em 2017, já desacreditado e desmoralizado, sua excelência, sem motivo de jogar para a torcida, assinou um decreto ainda mais benevolente. Raquel Dodge (que foi escolhida pelo próprio Temer para comandar a PGR) entrou com uma ação no Supremo para suspender os efeitos daquele descalabro — que, segundo ela, resultaria em impunidade para crimes graves, sobretudo os apurados no âmbito da Lava-Jato e de outras operações de combate à “corrupção sistêmica”. 

A então presidente do STF decidiu suspendeu os pontos questionados no processo, o ministro Luís Roberto Barroso foi sorteado relator de processo, e assim, com a celeridade típica da nossa suprema corte, só agora, às vésperas da troca do comandante-em-chefe desta Banânia, os ministros resolveram se debruçar sobre o assunto. A propósito, Bolsonaro postou no Twitter que foi eleito presidente para atender aos anseios do povo brasileiro, que pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos seus principais compromissos de campanha, e que, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último.

O julgamento começou na quarta-feira 28, mas foi adiado (devido “ao avançado da hora”) quando o placar estava empatado em 1 a 1, e novamente suspenso na sessão subsequente, desta vez por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, quando o placar estava em 6 a 2 a favor da permissão para que o presidente da República possa indultar quem ele quiser, sob qualquer critério.

Em tese, o pedido de vista se destina a dar mais tempo para o magistrado estudar o processo e formar seu entendimento, mas é largamente utilizado para obstruir a votação. Essa prática foi introduzida como estratégia pelo então ministro Nelson Jobim, que a trouxe de sua experiência no Congresso, onde a obstrução é uma arma da maioria para se fazer ouvir ou impedir algum ato do governo, e acabou sendo useira e vezeira no STF

Pelo regimento interno da Corte, a devolução dos autos deve ser feita até a segunda sessão subsequente à do pedido de vista, mas ninguém se atém a isso, de modo que, na prática, não existe prazo. Assim, o autor do pedido de vista pode devolver o processo somente quando vislumbrar a possibilidade de um ou mais magistrados mudarem o voto, ou quando a maioria formada já não fizer mais diferença. E é isso que deve acontecer agora.

O impasse na sessão de quinta-feira ocorreu duas vezes, pois também seu presidente, ministro Dias Toffoli, achou por bem pedir vista quando se formou maioria pela manutenção da liminar que impediu Temer de indultar os acusados de crimes do colarinho branco. A manobra de votar separadamente — primeiro a liminar, depois votar o mérito — foi proposta por Gilmar Mendes (sempre ele!); se a liminar fosse derrubada, Temer ficaria livre para dar o indulto à sua maneira, e a discussão do mérito não teria mais nenhum valor.

Mendes, Toffoli e o próprio Temer foram vítimas do próprio veneno: em novembro do ano passado, seguindo um roteiro previamente combinado com o presidente numa reunião fora da agenda, Toffoli impediu que a decisão majoritária do plenário da Corte reduzisse o foro privilegiado dos parlamentares, e Mendes fez o mesmo durante o julgamento do financiamento de campanha dos políticos. 

Fato é que o pedido de “vista obstrutivo” quase sempre tem um “motivo oculto” — como no caso de Toffoli, na questão do foro privilegiado, e de Mendes, no financiamento das campanhas. Na sessão de quinta-feira, Fux fez uma “defesa constitucional” do Supremo ao evitar que o indulto de Natal representasse um presente de Papai Noel para políticos e empresários condenados por crimes de corrupção, impedindo que políticos como Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima fossem soltos pelo “insulto presidencial”. 

Como faltam menos de 3 semanas para o início do recesso do Judiciário, o tema só deve ser retomado no próximo governo, e Jair Bolsonaro já disse que, com ele na Presidência, não haverá indulto de Natal.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

LEWANDOWSKI X FUX: AUMENTA A CIZÂNIA NO STF



O nauseabundo “nós e eles”, institucionalizado pelo criminoso de Garanhuns e seu partido enganador, vem produzindo efeitos nefastos também no STF. E não é de hoje, como se vê dos recorrentes placares de seis a cinco e sete a quatro nas sessões plenárias da corte, da divisão dos ministros em garantistas e punitivistas, do lamentável bate-boca entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, e por aí vai. Agora, uma queda de braço entre os ministros Lewandowski e Fux promete novos e emocionantes capítulos.

A novela começou quando o jornal Folha de São Paulo pediu à Justiça Federal do Paraná que autorizasse uma entrevista com o hóspede mais famoso da carceragem da PF em Curitiba. O pedido foi negado, o jornal foi chorar as pitangas no STFRicardo Lewandowski  — sempre foi subserviente a Lula e seu espúrio partido — autorizou a entrevista. Lewandowski

Advogado militante de 1974 a 1990, Lewandowski entrou para a vida pública com o apoio de Walter Demarchi — amigo de longa data do ex-presidente petralha —, fez carreira na magistratura, foi indicado por Lula para a vaga aberta no STF com a aposentadoria do ministro Carlos Velloso e jamais perdeu uma oportunidade de expressar sua gratidão, como se viu no julgamento da ação penal 470 e na votação final do impeachment de Dilma, apenas para citar dois exemplos notórios.

Sobre a proibição da entrevista de Lula à Folha, o ministro-cumpanhêro exarou o seguinte despacho: “Não há como se chegar a outra conclusão, senão a de que a decisão reclamada, ao censurar a imprensa e negar ao preso o direito de contato com o mundo exterior, sob fundamento de que 'não há previsão constitucional ou legal que embase direito do preso à concessão de entrevistas ou similares', viola frontalmente o que foi decidido no ADPF130/DF”. Ato contínuo, determinou que a Justiça em Curitiba fosse comunicada de sua decisão, para que a entrevista pudesse ser agendada pelo jornal.

Vale lembrar que Lewandowski vem aprontando não é de hoje. No julgamento virtual do habeas corpus de Lula, quando a maioria de seus pares já havia rejeitado o recurso, pediu vista do processo — ou seja, interrompeu o julgamento em plenário virtual —, uma vez que num julgamento presencial há chances de forçar a rediscussão da prisão após condenação em segunda instância. A manobra causa espécie sobretudo porque Toffoli, atual presidente do Supremo, decidiu pautar as ADCs (que visam rediscutir a prisão em segunda instância) no ano que vem — decisão com a qual o próprio ministro Marco Aurélio, relator e maior estimulador dessas famigeradas ações, já havia se conformado.

O fato é que o pedido de suspensão de liminar protocolado no STF pelo Partido Novo foi agasalhado pelo ministro Luiz Fux, vice-presidente da Corte, que suspendeu a liminar concedida à Folha por Lewandowski. Este, por seu turno, desfechou uma saraivada de críticas contundentes à determinação de Fux, frisando, entre outras coisas, “a autoridade e vigência” de sua liminar que, segundo ele, serve “como mandado”, e que o fato de Toffoli não ter sido localizado quando da apresentação do pedido "não teria o condão, de imediato, de atrair a competência do vice-presidente da Corte".

Coube a Toffoli serenar os ânimos e pôr ordem no galinheiro: ainda na segunda-feira, em resposta à manifestação do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, o presidente da Corte determinou o cumprimento da liminar dada por Luiz Fux, o que torna se efeito a decisão de Lewandowski até que o plenário da corte se maniste.

Vamos aguardar os próximos capítulos, que certamente trarão novas emoções.

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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

ELEIÇÕES — RETROSPECTO E PREVISÕES



Em 2 de outubro de 2016, exatos 32 dias depois que Dilma foi definitivamente penabundada do Planalto, o PT perdeu mais da metade das prefeituras que tinha em 2012. Nas capitais, só conseguiu emplacar um comparsa em Rio Branco (AC) e levar outro ao segundo turno no Recife; nos 645 municípios paulistas, elegeu apenas 8 prefeitos — contra 72 que havia emplacado em 2012.

O cenário atual é bem diferente, mas ainda mais alarmante: a dois meses do primeiro turno, 35 partidos com pouca ou nenhuma representatividade popular fazem alianças baseadas na conveniência e no oportunismo, dê olho nos votos de um eleitorado apático, descrente da política e dos políticos. Para piorar, desde o ano passado que as pesquisas de intensão de voto apontam como “preferidos do eleitores” um esquerdista preso e um extremista de direita — e ambos, cada qual a sua maneira, regurgitam discursos que ameaçam nossa frágil democracia.

O PT desafia o Judiciário com a candidatura de um condenado que cumpre pena por corrupção e lavagem de dinheiro. No outro extremo do espectro político, o dublê de deputado e capitão reformado do Exército diz sentir saudades da ditadura e exibe um despreparo desconcertante para lidar com questões vitais para o país, como economia, educação e saúde. Ambos contam com milhões de seguidores — cuja fidelidade canina chega às raias do fanatismo religioso.

Lula precisa permanecer “candidato” para continuar ditando os rumos do partido e não acabar relegado ao esquecimento na cela em que se encontra. Daí sua insistência de negar o plano B, ora consubstanciado na bizarra chapa tríplice onde Haddad subirá de posto quando o TSE finalmente negar a candidatura do molusco, e Manuela d’Ávila, que abriu mão de sua improvável candidatura pelo PCdoB, passará a vice da chapa petista. Os mais maldosos garantem que o PT só descartou uma coligação com o PCC porque Marcola, a exemplo de Lula, está na cadeia e Gegê do Mangue foi morto no início do ano.

Em suma: Para ser candidato, Lula precisa continuar preso, tanto que sua defesa abriu mão da possibilidade de o petista ganhar liberdade diante da chance de o STF declará-lo inelegível desde já.

O prazo para a Justiça Eleitoral se pronunciar acerca da inelegibilidade dos candidatos termina em 17 de setembro. Segundo o presidente do TSE, Lula não é um candidato sub judice, mas sim um candidato inelegível: “não pode concorrer um candidato que não pode ser eleito; aqueles que já tiveram sua situação definida pela Justiça não são candidatos sub judice, são candidatos inelegíveis”, afirmou o ministro Luiz Fux.

Como se não bastasse todo esse imbróglio, 60% dos eleitores estão em dúvida sobre anular o voto, votar em branco ou simplesmente não comparecer às urnas. Mas não é só: no Brasil, 29% de jovens e adultos de 15 a 64 são considerados analfabetos funcionais — 8% são analfabetos absolutos e 21% estão no nível considerado rudimentar (os dados são do Datafolha).

Sempre que o brasileiro buscou um salvador da pátria, a vaca foi para o brejo. Basta relembrar as eleições de 1989, quando Collor foi eleito, e de 2002, quando Lula finalmente conseguiu se eleger. Em ambas ocasiões — como agora — o eleitorado estava frustrado com as experiências anteriores e buscava soluções fáceis, que se revelaram apenas ilusões. Em sua coluna do último sábado, Merval Pereira relembra que, na primeira eleição direta pós redemocratização, o país, que havia amargado a morte de Tancredo — outro que parecia o salvador da pátria, mas não teve tempo de ser testado —, levou para o segundo turno ninguém menos que o caçador de marajás de araque e o demiurgo de Garanhuns.

Collor venceu, e Lula reconheceu mais tarde (em 2010) que não estava preparado para presidir o país: “Hoje eu agradeço a Deus por não ter ganhado em 1989, porque eu era muito novo, muito mais radical do que eu era em 2002 e, portanto, eu poderia ter feito bobagem, não porque eu quisesse fazer, mas pela impetuosidade, pela pressa de fazer as coisas”. Mas o caçador de marajás de araque também não era boa bisca, tanto que renunciou para evitar a cassação (mas perdeu os direitos políticos mesmo assim). O hoje candidato ao governo de Alagoas não faz autocrítica, mas já lamentou não ter sabido lidar com o Congresso — ao contrário de Lula, como atestam o Mensalão e o Petrolão, e de Temer, como ilustra a ultrajante compra de votos para barrar as denúncias da PGR. Mas isso já é outra história.

Dos vinte e tantos pré-candidatos ao Planalto, restaram no páreo Álvaro Dia (Podemos); Cabo Daciolo (Patriotas); Ciro Gomes (PDT); Geraldo Alckmin (PSDB); Guilherme Boulos, (PSOL); Henrique Meirelles (MDB); Jair Bolsonaro (PSL); João Amoedo (Novo); João Goulart Filho (PPL) José Maria Eymael (DC); Marina Silva (Rede) e Vera Lucia (PSTU). Manuela d’Ávila, que concorreria à presidência pelo PCdoB, agora é “trice” de Haddad, que é vice de Lula, mas só até o TSE botar ordem nesse galinheiro.

A propósito: por que os partidos nanicos lançam desconhecidos que não têm a menor chance de passar para o segundo turno?  Eis uma boa pergunta. A resposta fica para amanhã.

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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

LUIZ FUX E O VOO DE GALINHA DO CANDIDATO LULA



QUE BANDIDO NÃO SE ENCHE DE FÉ COM UM MINISTRO COMO GILMAR MENDES?

A pergunta não é minha, mas do jornalista J.R. Guzzo, que a colocou em mais uma coluna magistral, publicada na revista Veja desta semana. Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine: o ministro Gilmar, que sucedeu seu colega Dias Toffoli na presidência do TSE em 2016, passará o bastão para o ministro Luiz Fux em fevereiro do ano que vem.  

Em entrevista concedida à FOLHA e publicada no último domingo, Fux disse que a decisão do STF sobre o Congresso ter a palavra final quanto à aplicação de medidas cautelares contra parlamentares ― como no caso do senador tucano Aécio Neves ― já está produzindo “efeitos deletérios”. Segundo ele, a questão ainda voltará a ser debatida na Corte, já que é “sensível” e a votação foi “muito dividida. Disse ainda o ministro que “há uma sombra, uma nuvem de informações” de que o Supremo poderá revisar a decisão de permitir a prisão de um condenado que já foi julgado em segunda instância, o que também alimentaria o descrédito do Judiciário

Ao ser questionado sobre a possibilidade de Lula ser candidato a presidente em 2018, mesmo se condenado em segunda instância, Fux respondeu: Pode um candidato denunciado concorrer, ser eleito, à luz dos valores republicanos, do princípio da moralidade das eleições, previstos na Constituição? Eu não estou concluindo. Mas são perguntas que vão se colocar.

As palavras do ministro vão ao encontro do que eu venho dizendo desde sempre, mas não me custa repetir: se o próprio Supremo afastou Renan Calheiros da linha sucessória presidencial, no final do ano passado, porque o cangaceiro das Alagoas se tornou réu por peculato, como conceber que um hepta-réu ― já condenado em um processo e prestes a ser sentenciado numa segunda ação ―, concorra à presidência da Banânia?

A despeito do que ladra a patuleia desvairada e seus incorrigíveis defensores, não tem o menor cabimento deixar que o destino do Demiurgo de Garanhuns seja selado nas urnas, pois a tarefa de julgar bandidos cabe à Justiça, não aos eleitores.

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